São Francisco Esquenta o debate sobre transposição

25 de março de 2004

Seminário “Água 2000” e audiências públicas na Câmara Federal expõem disputas políticas sobre o projeto



 


 







Nascente do rio São Francisco, 
na Serra da Canastra (MG), 
com vista da famosa
 cachoeira Casca D’Anta


Um a favor e outro contra, esgrimindo argumentos técnicos e políticos. É assim que, na escolha de participantes das audiências públicas semanais, vem atuando o Grupo de Trabalho criado na Câmara, com a participação de 80 parlamentares nordestinos. O Grupo foi criado para examinar o projeto de transposição de águas do rio São Francisco e a revitalização de seus afluentes, bem como apresentar propostas ao orçamento que viabilizem as ações a serem recomendadas ao governo federal.


Na mais recente audiência pública, realizada no dia 12 de abril corrente, defrontaram-se o Governador de Alagoas, Ronaldo Lessa, e o Secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, Raymundo Garrido.


Garrido considera o projeto muito complexo, mesmo sendo prioritário para o Ministério da Integração Nacional, comandado pelo senador Fernando Bezerra (PMDB-RN), um dos Estados a serem beneficiados pela transposição.


O Secretário de Recursos Hídricos fez uma ampla exposição do projeto de transposição, abordado pela ótica da otimização dos recursos hídricos existentes no Nordeste, e respondeu a várias indagações dos parlamentares, preocupados sobretudo com uma acentuada redução da vazão do São Francisco, e com um aumento da salinização de suas águas, em conseqüência da transposição.Foi consenso entre os participantes da audiência que a maior prejudicada com a transposição será a CHESF, pois haverá uma diminuição da acumulação de água nos lagos das barragens das usinas hidrelétricas a ela jurisdicionadas, inclusive Xingó, com uma diminuição de pelo menos 1,5% na capacidade de geração de todo o complexo nordestino.


Contudo, esse percentual, considerado pequeno, da ordem de 240 megawatts, poderá ser compensado com a instalação de termoelétricas, uma das quais já está projetada para o Estado do Ceará, com a mesma capacidade de geração. 


Dos debates também resultou a constatação de que, em termos de agressão ao meio ambiente, o efeito do projeto de transposição é praticamente zero, o que é bom, tendo em vista que o São Francisco já vem sofrendo há anos um processo de degradação resultante do desmatamento de suas margens, da má utilização dos recursos ribeirinhos e até da destruição de manguezais para a implantação de cultura de subsistência.


O RIMA


A Bahia, sob a liderança do senador Antônio Carlos Magalhães, comanda a resistência ao projeto, com o apoio dos políticos alagoanos e sergipanos. Mas o projeto está avançando, tendo sido anunciado que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE – concluiu a produção dos mapas da região a ser beneficiada.


Colhidas por satélite e radar, as imagens mostram a localização de reservatórios subterrâneos que poderão ser aproveitados na transposição, e fornecem subsídios para a elaboração do Relatório de Impacto Ambiental – RIMA. O estudo analisa o potencial de utilização dos recursos hídricos no Nordeste, inclusive mediante o uso integrado da água armazenada nos açudes e a existente no subsolo.


Os adversários do projeto de transposição insistem que sua aprovação deverá ser precedida da elaboração de um plano de utilização integrada, quando, segundo informam, ficará provado que os projetos de irrigação do Nordeste, inclusive do semi-árido, não necessitarão das águas do rio São Francisco.


Pisando em ovos


Como há também um grupo forte favorável ao projeto, formado pelos governadores e demais lideranças políticas do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, o presidente do Grupo de Trabalho, deputado Henrique Eduardo Alves, do PMDB do Rio Grande do Norte, tem usado de toda a diplomacia para evitar conflito com os demais dirigentes do grupo, especialmente o os vice-presidentes Marcelo Déda, do PT de Sergipe e Mário Negromonte, do PSDB da Bahia, ambos contrários ao projeto de transposição. Mas o relator, deputado Marcondes Gadelha, do PFL da Paraíba, é favorável.


Na audiência do último dia 12, o Governador de Alagoas foi questionado sobre as resistências ao projeto de transposição, ao apresentar dados sobre um suposto aumento da salinização das águas do São Francisco, em virtude da redução da vazão nas proximidades da foz, no litoral alagoano.


Mas os defensores do projeto contam com o apoio do Governador de Minas, Itamar Franco, que já compareceu ao Grupo de Trabalho, apoiando a transposição. E Itamar – dizem eles – governa um Estado em cujo território são captadas 70% das águas do rio São Francisco, a partir de sua nascente, na serra da Canastra.


Os deputados cearenses integrantes do Grupo de Trabalho dizem não existir razão para a oposição baiana, pois a coleta da água se dará depois que o rio atravessa a Bahia, não ocorrendo redução de vazão nesse trecho.


Poluição mata o São Francisco aos poucos


Impassível, com suas águas ora tranqüilas, ora turbulentas, o Velho Chico assiste à discussão em torno de uma nova sangria que reduzirá ainda mais o volume de água que ele despeja no oceano.


A agressão que o rio sofre só pode ser comparada com a do rio Tietê, em São Paulo e, mais recentemente, a lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro.


As cidades ribeirinhas do São Francisco lançam esgotos e lixo diretamente em suas águas. Em Januária, no trecho mineiro do São Francisco, os pescadores não conseguem mais encontrar cardumes, pois o emissário de esgoto da Companhia de Saneamento de Minas Gerais – COPASA – despeja seus detritos na região, espantando os peixes.


Durante as comemorações do Dia Mundial da Água, a I Conferência das Águas de Minas lançou uma campanha para pleitear, junto à UNESCO, a elevação do Parque Nacional da Serra da Canastra, onde nasce o São Francisco, a Patrimônio Natural da Humanidade.


Situado a sudoeste do estado, com 71 hectares, o parque é rico em fauna e flora. Mas a campanha servirá também para despertar a consciência da população que habita as margens do São Francisco, de Minas a Alagoas, sobre a necessidade de preservar o rio, que vai morrendo lentamente.


No Dia Mundial do Meio Ambiente, em cinco de junho próximo, as autoridades e as demais lideranças ambientalistas mineiras, articuladas pela Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SEMAD -, vão encaminhar à UNESCO e aos Ministérios da Cultura e do Meio Ambiente, um abaixo assinado com milhares de assinaturas, pedindo a abertura do processo visando a escolha do Parque Nacional da Serra da Canastra como Patrimônio Natural da Humanidade.


Transposição beneficia CE, RN e PB


Tal como está montado, o projeto de transposição das águas do rio São Francisco beneficiará diretamente uma população de sete milhões de habitantes, residentes no semi-árido, nos 140 municípios integrantes das bacias dos rios Jaguaribe, no Ceará, Apodi e Piranhas Açu, no Rio Grande do Norte e Paraíba, ao longo de 600 quilômetros.


Depois de várias reformulações, a vazão média prevista no projeto foi reduzida a 65 metros cúbicos por segundo, o que corresponde a menos de 3% da vazão total do rio.


Considerando apenas as obras de transposição, poderão ser irrigados 110 mil hectares, mas se forem utilizadas as barragens da região, a irrigação chegará a 334 mil hectares, gerando cerca de 1,2 milhão de empregos diretos, considerando-se a ocupação média de quatro pessoas por hectare.


Para o armazenamento e a distribuição de água deverão ser construídas as barragens de Castanhão, que já está com a metade de suas obras executada, e Aurora, ambas no Ceará; Santa Cruz e Oiticica, no Rio Grande do Norte; Lagoa do Arroz, na Paraíba e Poço da Cruz, em Pernambuco.


O projeto prevê ainda a perenização de 2.100 quilômetros de rios secos, como o Jaguaribe, no Ceará, Piranhas-Açu e Apodi/Mossoró, no Rio Grande do Norte, e Piancó, na Paraíba.


O custo do projeto está estimado em R$ 3 bilhões, mas o senador Antônio Carlos Magalhães garante que no final ele ficará “pelo menos três vezes mais”. Recursos alocados no Orçamento Geral da União deste ano garantem a elaboração do projeto definitivo, do Relatório de Impacto Ambiental, e a definição dos custos.


Seminário expõe disputa política sobre transposição







Primeira ponte sobre o rio São Francisco, próxima à 
nascente, na Serra da Canastra


O seminário “Águas 2000 – Qualidade de Vida e Desenvolvimento” serviu de palco para a disputa que as lideranças políticas do Nordeste travam há algum tempo em torno do projeto de transposição das águas do rio São Francisco.


O presidente do Congresso e do Senado, senador Antônio Carlos Magalhães, da Bahia, contrário ao projeto, exigiu que estudos técnicos mais aprofundados sejam feitos pelo governo, antes de uma decisão sobre a realização da obra, que deve consumir mais de R$ 3 bilhões em sua primeira fase, embora o senador sustente que o custo final ficará “pelo menos três vezes mais”.


Para o senador baiano, antes de se falar em transposição das águas do rio São Francisco para o Nordeste Setentrional (a região semi-árida dos Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará), deve ser elaborado um plano decenal sobre aproveitamento hídrico, contendo todas as informações sobre as verdadeiras disponibilidades de água na região, principalmente no sub-solo, onde ele acredita existam extensos recursos hídricos ainda não corretamente avaliados.


ACM defendeu também projetos alternativos que aumentem a vazão do rio São Francisco, como a transposição das águas do Tocantins para o “Velho Chico” , mas não contou com o apoio dos representantes dos Estados beneficiados, para quem o projeto Tocantins – São Francisco poderá ser executado em outra oportunidade, sobretudo face o seu elevado custo.


Coube ao deputado paraibano Marcondes Gadelha fazer a defesa do projeto da transposição, ressaltando seus aspectos positivos, como a possibilidade de irrigação de até um milhão de hectares de terras áridas e de perenização de vários rios do Ceará, da Paraíba e do Rio Grande do Norte, mudando a fisionomia do semi-árido.