Recursos Hídricos e a Indústria

A água e o setor industrial

4 de março de 2004

É hora de o governo apoiar as pequenas e médias indústrias no uso racional dos recursos hídricos

 






?A busca de uma tecnologia limpa é, e será, sempre, oportuna, qualquer que seja o setor industrial?



Raymundo Garrido: a água está presente no processo produtivo, no resfriamento de equipamentos, na lavagem de produtos e pátios e até no uso doméstico de empregados



Folha do Meio – Qual a grande importância da água para a indústria?
Raymundo Garrido –
Para começar, a sede da indústria é igual à sede humana. Nem ela e nem o homem pode passar sem água. Este recurso natural vai estar presente no processo produtivo, no resfriamento de equipamentos, na lavagem de pátios ou mesmo no uso doméstico de seus trabalhadores. Mas dá vontade de lembrar, depois de ver a triste degradação dos rios imposta pela indústria durante tantos anos, que a água bem que pode passar sem a indústria.


FMA – Mas será que a indústria ainda não se conscientizou da importância da água e de sua qualidade?
Garrido –
Hoje a indústria até que já pode ter assimilado e se conscientizado da importância dos recursos hídricos e sua qualidade.
Mas por muitos anos, enquanto o Brasil foi mais rural e menos urbano, o foco mais preocupante foi a contaminação da água de nossos mananciais. E isto justamente porque a indústria descartava para os rios toda a sorte de substâncias poluentes, muitas das quais não biodegradáveis, emporcalhando perversa e às vezes irremediavelmente a qualidade dos corpos d’água.
Isto, felizmente, já não ocorre mais tão agressivamente, graças à conscientização do setor industrial brasileiro, combinada com a ação vigorosa de órgãos e entidades governamentais que se ocupam da gestão do meio ambiente.
Além do comportamento pro-ativo de muitas ONGs, ambientalistas, alguns partidos políticos passaram a se interessar mais objetivamente pelo tema. Veja, por exemplo, a atuação forte do PV, cujo líder é o ex-ministro, deputado Sarney Filho.
Veja a atuação de muitos secretários estaduais do meio ambiente, como o de Minas, José Carlos Carvalho. Veja a determinação do Jérson Kelman, na ANA, e do secretário dos Recursos Hídricos, João Bosco Senra. Também a sociedade civil através dos Comitês de Bacia e dos Movimentos de Cidadania pela Água estão mais presentes. Tem muita gente atenta à questão.


FMA – É grande a quantidade de água utilizada pela indústria?
Garrido –
Bem, a indústria faz uso da água bruta de mananciais de duas maneiras. A primeira, retirando-a do leito dos rios e lagos ou bombeando-a dos aqüíferos para utilização no processo produtivo e para outras necessidades da planta industrial.
A segunda, tirando proveito da capacidade de diluição que tem a água para descartar-lhe os efluentes líquidos do processo. Aí é que reside o principal problema do setor industrial em relação ao uso dos recursos hídricos.
Em termos de quantidades utilizadas para o processo produtivo e outras finalidades de equipamentos e de prédios, estima-se que a indústria mundial utilize algo ao redor dos 23% de todos os usos consuntivos.
Para o Brasil, este percentual é um pouco mais baixo, da ordem de 18%.
Nas regiões mais industrializadas do País, como por exemplo algumas partes de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas, esta mesma cifra pode chegar aos 50%.


Falta de saneamento é o grande poluidor dos nossos rios
A indústria polui menos hoje, mas ainda polui. O setor tem um vasto caminho a percorrer


FMA – O que significa isso em termos quantitativos. Em metros cúbicos por segundo?
Garrido –
Não existe uma estatística atual e totalmente confiável. Mas estima-se, com algum grau de acerto, que o uso consuntivo de água pela indústria, no Brasil, chegue a 450m3/segundo. É uma vazão bem significativa. Corresponde a cerca de quase nove vezes o consumo de água de toda a região metropolitana de São Paulo com seus 17 milhões de habitantes.
Há segmentos da indústria que utilizam água em grandes quantidades. Tal é o caso das fábricas de bebidas, para as quais a água é a principal matéria-prima, as indústrias de celulose e papel, os curtumes e outras mais. No entanto, fábricas de artefatos de couro, que estão na fase seguinte ao curtimento, como sapatos, bolsas, pasta e cintos, pouco utilizam água.
Igualmente, a indústria gráfica e as plantas de implementos de informática quase que só utilizam água para as necessidades de seu pessoal ou para uso doméstico na fábrica.


FMA – Dá para explicar melhor a relação da indústria com o uso não consuntivo da água para diluição dos efluentes? Por que isso?
Garrido –
Porque esse uso é o que contribui para a contaminação e, em muitos casos, para a morte de alguns mananciais.
Todos sabem que o maior poluidor dos cursos d’água brasileiros é o setor de saneamento pela baixa cobertura dos serviços de tratamento de esgotos urbanos. Mas é necessário que se afirme que o setor industrial, apesar de seu elevado grau de conscientização, e mesmo pela reversão que já deu mostras de ter dado ao problema da poluição, ainda tem um vasto caminho a percorrer.
A indústria polui menos hoje do que há 20 anos. Mas ainda polui. O setor industrial, em muitos casos, tirou proveito da saudável circunstância de se aglomerar, por meio de distritos, cidades ou pólos industriais. O resultado dessas aglomerações é que as utilidades industriais se tornam menos caras para cada fábrica.
Há exemplos notáveis, no Brasil, de aglomerações industriais com estações de tratamento centralizadas que fazem reduzir significativamente os custos com o tratamento. Assim fica mais fácil preservar o meio ambiente e praticar o desenvolvimento econômico.


FMA – Tem exemplos?
Garrido –
Tem sim e muitos. É o caso, por exemplo, de pólos petroquímicos como os de Camaçari, na Bahia, e de Triunfo, no Rio Grande do Sul. As plantas da Cetrel e do Sitel são modelos a ser imitados, porque conseguem promover um desenvolvimento limpo, inteligente. É o que podemos dizer, administram bem o tratamento de efluentes industriais perigosos.
Entretanto, muitos distritos industriais não contam com um sistema centralizado de tratamento de efluentes, nada assegurando que todas as suas plantas estejam se ocupando adequadamente do problema.
Para se ter uma idéia da magnitude do problema, somente na bacia do rio São Francisco, existem 17 distritos industriais, nenhum deles dispondo de planta centralizada de tratamento de efluentes. (Ver tabela abaixo) Vale ressalvar que, nesses distritos, há fábricas fazendo individualmente o tratamento de seus efluentes, mas há, também, uma quantidade nada tranqüilizadora de indústrias que não cuida do tratamento adequado de seus rejeitos.


FMA – A indústria está tratando os rejeitos ou está mais interessada em buscar tecnologias limpas que não produzam rejeitos danosos?
Garrido –
As duas coisas. Nem sempre é possível mudar para uma tecnologia mais limpa, mais avançada. Nesses casos, a indústria opta por tratar em nível mais alto de depuração os rejeitos que o seu processo faz aparecer. Mas a busca de uma tecnologia limpa é, e será, sempre, oportuna, qualquer que seja o setor industrial.
A filosofia por trás desse mecanismo de tecnologia limpa é a seguinte: por que ter o trabalho de destruir ou remediar poluição produzida se, em muitos casos, é possível simplesmente não criar fontes de poluição? Conforme se sabe, as boas soluções costumam ser aquelas mais simples e, por via de conseqüência, mais baratas. É exatamente o que ocorre quando determinado setor logra encontrar uma forma mais limpa de transformar matérias-primas em produtos industrializados.
A tecnologia limpa encontrada constitui, via de regra, uma simplificação de processo produtivo, barateando os custos dos produtos, com ganhos para o produtor, para o consumidor e gerando um quadro de tranqüilidade para a sociedade. Aí o governo não precisa ficar mais vigiando com desconfiança aquela planta industrial que antes poluía.



Eco-eco: o princípio a ser seguido
É importante que a preservação ambiental seja feita
por soluções que representem negócios


FMA – Esta é a chave da questão: tecnologias limpas. Dá para citar algumas?
Garrido –
São muitas. Haja espaço para citá-las todas. Mas vamos a um exemplo. Vejamos o caso de uma fábrica de fios de cobre que produzia 100 mil toneladas por ano. Para a fabricação do fio, partia-se de peças usadas que eram fundidas. Depois da laminação, o cobre tinha que ser decapeado para eliminar a camada de óxido que se formava à temperaturas elevadas. Tal decapagem se fazia com o uso de ácido sulfúrico. Qual o inconveniente? Esses banhos de ácido sulfúrico levavam junto uma parte do cobre do fio, uma perda que chegava a 1% de todo o cobre utilizado, ou seja 1.000 toneladas de cobre por ano. E isto sem contar que os banhos de ácido sulfúrico se transformavam em uma lama misturada com a parcela de cobre que era perdida. A indústria, ao estudar uma forma de se ver livre dessa bôrra, fez a substituição do ácido sulfúrico por álcool que, em vez de dissolver o óxido de cobre, promove a sua redução química sem necessariamente gerar resíduo. O método adotado acabou com todos os rejeitos tóxicos e evitou a necessidade de se construir uma estação de depuração pesada e cara. E os custos da substituição do ácido sulfúrico pelo álcool foram baixos. O custo da passagem de uma tecnologia suja para uma tecnologia limpa não foram significativos e a fábrica começou a economizar as 1.000 toneladas de cobre que perdia a cada ano.


FMA – Além da adoção de tecnologias limpas, o que mais se pode esperar do setor industrial em relação ao uso dos recursos hídricos?
Garrido –
O setor pode adotar medidas para economizar muita água com a recirculação. A simples recirculação é capaz de reduzir drasticamente as vazões retiradas dos mananciais. Além disso, a indústria pode buscar meios pelos quais seus efluentes venham a ser recebidos como matéria-prima por outros setores, isto é, em vez de se jogar fora, o que significa degradar a natureza, determinados rejeitos podem ser valorizados economicamente, servindo a outros setores da cadeia de relações intersetoriais.
Com a recirculação, também conhecida como reciclagem, as indústrias podem usar uma mesma quantidade de água muitas vezes, deixando uma parcela significativa no manancial para uso de outros interessados, com ganhos para todos.


FMA – Dá para dar algum exemplo?
Garrido –
Evidente. Veja o caso das plantas de fabricação de cervejas. Elas conseguiram reduzir para um terço a quantidade de água necessária à sua fabricação. De dois metros cúbicos de água por hectolitro de cerveja, passou-se a uma utilização de 0,6 metro cúbico. Na fabricação de papel-cartolina, a redução do volume de água utilizado decresceu de entre 90 e 120 metros cúbicos para apenas entre 5 e 6 metros cúbicos de água por tonelada do produto final. E assim há centenas de outros exemplos de economia de água por meio da recirculação de um mesmo volume no processo produtivo.


FMA – O senhor tocou num ponto importante: a valorização econômica do efluente industrial. Como está funcionando?
Garrido –
Em primeiro lugar, foi a falta dessa valorização que fez com que, historicamente a indústria fosse percebida como um sistema no qual entravam matérias-primas e do qual saíam apenas produtos acabados. Em verdade, o que sempre resultou do processo não foi somente produto acabado e sim produtos e resíduos. Como os resíduos eram atirados na natureza sem maiores preocupações e sem fiscalização, todo mundo dava a eles custos próximos de zero. Eram os custos do simples descarte ou despacho em caminhões para despejar na primeira esquina pouco movimentada ou nas periferias de cidades, ou até nos leitos dos rios.
Mas o processo de conscientização ambiental vem trazendo uma nova ordem para a questão e as bolsas de resíduos estão aí para mostrar que o lixo industrial também pode ser reciclado. E mais: há interessados em sua compra para lhe dar alguma destinação. Os intermediários desse tipo de atividade são denominados brokers. Em verdade, confirma-se a filosofia de contribuir-se para a preservação ambiental por meio de soluções que representem negócios. Em outras palavras, é o princípio do eco-eco se manifestando na prática como instrumento de gestão ambiental, levando os agentes econômicos a negociarem entre si rejeitos do processo produtivo, e substituindo, dessa maneira, os sistemas de tratamento de rejeitos.


FMA – Vamos aos exemplos?
Garrido –
Vamos. Por exemplo a metanização. A fermentação de metanos leva à produção de biogás que contem, dependendo da natureza das substâncias metanizadas, cerca de 50 a 70% de metano. Ao se produzir metano, em verdade o que se consegue é a verdadeira proeza de produzir energia ao mesmo tempo em que se destróem agentes poluentes, pois a degradação de matérias orgânicas dá lugar ao aparecimento de produtos mais estáveis quimicamente e, naturalmente, menos poluentes.
Outro exemplo. Em uma bacia na França, uma usina de açúcar de beterraba produzia cinco mil ton/dia. Era necessário depurar ou dar destinação a 16 toneladas de materiais oxidáveis por dia, o equivalente ao lixo de uma cidade de 160 mil habitantes. Os 120 m3/hora de efluentes passaram a ser tratados por meio de um digestor de 1200 m3, com um rendimento de 90% e produzindo 3500 m3 por dia de biogás, contendo 80% de metano. Isso correspondente a uma energia equivalente a duas toneladas de petróleo por dia. Neste caso, criatividade e gestão permitiram que o homem de negócios contribuísse para o crescimento econômico, sem afetar a ecologia: é o princípio do eco-eco sendo posto em prática.


FMA – E o que o Brasil está fazendo para melhorar essa performance?
Garrido –
Veja bem que o Brasil dispõe de uma legislação ambiental que serve de modelo para muitos países do mundo. O mesmo se pode afirmar em relação à legislação para o gerenciamento dos recursos hídricos. Se se cumprirem todos os requisitos dessas legislações, aplicando, evidentemente, os instrumentos de estímulo à racionalidade no trato dos recursos naturais, certamente o desempenho somente melhorará. Não precisamos mais criar novos instrumentos legais. Basta que apliquemos bem os que já existem, e que se executem os programas já concebidos.


FMA – Mas que instrumentos são estes a que o senhor se refere?
Garrido –
O gerenciamento hídrico do País é rico de elementos dessa natureza. Por exemplo, a cobrança pelo uso da água constitui um instrumento eficaz de estímulo à conservação da qualidade e da quantidade desse recurso natural. Já existe, em nosso País, uma razoável aceitação na aplicação dessa cobrança. Necessário é, que a cobrança não seja imposta subitamente em uma bacia ou região hidrográfica, mas que seja aplicada depois de um longo processo de conscientização, pelo debate, como se fez e se faz nas bacias dos rios Piracicaba, Jundiaí e Capivari que deveria ter sido a primeira a ter implantada a cobrança pelo uso da água.
Nessa mesma linha de raciocínio, há o instrumento da “compra de esgoto tratado” que é um programa muito bem concebido pela Agência Nacional de Águas e que já dá bons resultados.


Palavra chave: monitoramento
É muito importante que o orçamento da ANA não sofra contingenciamento e que a agência faça um programa de compra de efluentes para pequenas e médias indústrias


FMA – Como o senhor vê a aplicação de multas?
Garrido –
Somente deve ser praticada em casos extremos. Há casos de indisciplina manifesta e de degradação perversa que somente a multa serve como remédio.
Creio que convenha ter-se uma certa parcimônia com a aplicação de multas, porque, na maior parte dos casos, o industrial estará procurando agir corretamente e não descumprir a legislação.
Se a autoridade ambiental multar inopinadamente uma fábrica, por exemplo, pela falta de um equipamento de tratamento ou um filtro, o industrial pagará a multa para não ter seu negócio fechado.
Eventualmente, com a multa, ele nem poderá comprar o equipamento necessário, sendo novamente multado. De multa em multa pode-se chegar a inviabilizar todo um parque industrial. Há que ter fiscalização, ação firme da fiscalização, mas também compreensão.


FMA – E como anda a fiscalização? Ela é eficiente ou cumpre um papel burocrático?
Garrido –
O que a gente pode observar, tanto pela imprensa como pelos relatos técnicos, é que a fiscalização existe, a lei é clara, mas o trabalho se torna um pouco subjetivo e fica muito na dependência de quem fiscaliza.
A verdade é que alguns fiscais interpretam o regulamento com maior rigor, até com radicalismo, outros relaxam em alguns aspectos. E outros dão apenas seguimento ao trâmite burocrático.
Veja o caso do grande desastre, em Minas Gerais, que foi o rompimento da barragem de resíduos da Florestal Cataguazes, em março de 2001, que contaminou o rio Pomba, depois o rio Paraíba do Sul.
Uma terrível tragédia ecológica que matou peixes e animais, contaminou o solo, até praias no Rio e no Espírito Santo, e deixou quase 1 milhão de pessoas do Rio de Janeiro e Minas sem água. Na verdade, os fiscais já tinham obrigado a indústria a fazer a barragem de contenção de rejeitos.

FMA – O que houve então lá em Cataguases?
Garrido –
O que houve foi total negligência dos empresários e ineficiência do poder público no controle e no monitoramento, pois a barragem se rompeu.
Talvez a palavra chave seja monitoramento constante e eficiente.
A verdade é que o Brasil tem uma legislação bem estruturada. Se trabalharmos fortalecendo as instituições do setor, caminharemos para uma homogeneidade no trato do problema da fiscalização ambiental.
Em outras palavras, nossas instituições do setor ambiental ainda não alcançaram a maturidade e nem estão fortalecidas o suficiente para que a fiscalização dê tratamento igual a problemas semelhantes.


FMA – E por que a cobrança deveria ter se iniciado pelas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí?
Garrido –
Por todos os motivos. Em primeiro lugar, na região da bacia do Piracicaba, Capivari e Jundiaí é que temos o melhor e mais bem desenvolvido sistema de gestão de recursos hídricos do Brasil.
Em segundo lugar, porque trata-se de uma região que detém “massa-crítica” econômica para acolher de pronto a aplicação do instrumento da cobrança. Note que a região, além de se concentrar em uma área ao redor de apenas 14 mil km2, responde por cerca de 3,5% da formação do PIB do Brasil. Existem, ali, praticamente todos os usos competindo pela água.
Aliado a isso, a região padece da retirada de quase 32 m3/seg de água do rio Atibaia por força de uma transposição construída no período do arbítrio. Ou seja, fez-se uma enorme “transfusão” na bacia para levar água para São Paulo, por meio de um projeto de transposição, comprometendo muito o futuro da região do PCJ.
Além disso, nessa região, encontram-se dirigentes municipais que conhecem bem o problema dos recursos hídricos, e que já realizaram, através do Consórcio PCJ, algumas centenas de reuniões técnicas para conscientizar os usuários da necessidade da cobrança pelo uso da água.
O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos teria “acertado na mosca” caso a cobrança tivesse remunerado primeiro o uso das águas do Piracicaba, Jundiaí e Capivari e seus afluentes.


FMA – O que ainda pode ser feito para melhorar o desempenho da indústria em relação ao uso da água?
Garrido –
De fato, a conscientização do setor produtivo, como já tive oportunidade de afirmar, é uma realidade no contexto do setor industrial do Brasil. Mas essa realidade se situa principalmente no nível das grandes empresas e grupos industriais. Espera-se, pois, que um grande número de fábricas de portes médio e pequeno se identifique um pouco mais com a causa da preservação ambiental.
Nessa tarefa de conscientização, incluem-se práticas como as que já conversamos ao longo da entrevista, como o estímulo à busca de tecnologias limpas, à intensificação das atividades das bolsas de resíduos eis que valorizam economicamente o efluente industrial.
É também importante que a prática da recirculação industrial da água seja mais explorada nos segmentos que utilizam grandes volumes de água. Também, que cada nova fábrica tire proveito do enquadramento dos corpos d’água, localizando-se em pontos estratégicos, de forma que os mananciais com água de melhor qualidade sejam preservados para usos mais exigentes.


FMA – Mas isso tudo é uma política administrada pela ANA. A Agência tem condições de cumprir essa missão?
Garrido –
Taí um dado importante. Do lado dos governos, seria extremamente saudável que o orçamento da ANA não sofresse contingenciamento, principalmente no que se refere aos recursos arrecadados por meio da cobrança pelo uso da água. Esse é um dinheiro sagrado que pertence às bacias hidrográficas.
Seria também interessante que a ANA concebesse, como já fez para esgotos urbanos, um programa especial de compra de efluentes industriais para as pequenas e médias indústrias. Esse programa faria a diferença.
Não é demais lembrar que nosso parque industrial é um dos mais sofisticados do mundo, não sendo razoável que seja maculado por degradantes episódios de contaminação ambiental que espocam em várias partes do País a cada ano.
É hora dos brasileiros saberem valorizar essa riqueza que temos chamada água. Só o bom gerenciamento vai reduzir os conflitos pelo controle, qualidade e quantidade da água e vai induzir os usuários a tomar uma decisão definitiva pela racionalidade e pelo bom uso.