Gestão ambiental

Cemitério com ISO 14000? Só o Brasil tem

3 de março de 2004

Curitiba tem o único cemitério no mundo a ter a certificação de excelência ambiental e muitos outros cemitérios estão contaminando o lençol freático


Não é exagero: o cemitério Parque São Pedro, localizado em Curitiba, no Paraná, é o único no mundo a receber a certificação ISO 14000, de excelência ambiental. Significa que ele alcançou um padrão de qualidade que servirá de referencial para as demais empresas deste ramo no resto do mundo.

O cemitério Parque São Pedro, que funciona em moldes empresariais há seis anos, foi totalmente projetado de acordo com as normas ambientais. É o único no Brasil que possui poços de monitoramento e uma malha de drenagem superficial e profunda que abrange toda a sua extensão de 120 mil metros quadrados. Este sistema de drenagem, proposto por um estudo de impacto ambiental (EIA-RIMA) conduz a água dos jazigos (necro-chorume) para o filtro biológico, impedindo assim a contaminação dos rios da região.


Segundo o diretor de Marketing do cemitério, Ronaldo Vanzo, a certificação ISO 14000 contribuiu para melhorar a imagem da empresa junto à comunidade, tornando-a uma referência de qualidade, além de oferecer um serviço ambientalmente seguro sem interferir no lençol freático, preservando assim a qualidade das águas dos rios da capital paranaense.


Contaminação:
corpo e água


Segundo o promotor Sérgio Luiz Cordoni, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção do Ambiente, do Estado do Paraná, a maioria dos cemitérios de Curitiba é antiga. Por isso foram construídos sem as características geológicas, hidrogeológicas e topográficas necessárias. 


Por isso, a fiscalização vai ser intensificada, principalmente para evitar o contato do corpo com a água. O sepultamento, segundo ele, deve ser feito dois metros acima do lençol freático, porque com a decomposição dos corpos, bactérias e vírus se proliferam e podem atingir os rios próximos ao local. Doenças como tétano, febre tifóide, desinteria bacilar e hepatite A podem ser transmitidas pela água contaminada.


O cálculo é do geólogo Leziro Marques Silva, professor da Universidade São Judas Tadeu, de São Paulo: pelo menos 75% dos cemitérios brasileiros poluem o meio ambiente, por não tomarem o devido cuidado com o sepultamento dos cadáveres, ou pela localização em terrenos inapropriados.


Necro-chorume em Fortaleza


A geóloga Alice Maria Correia Pequeno Marinho fez sua tese de mestrado estudando o cemitério São João Batista, em Fortaleza, o mais antigo da cidade, hoje cercado por ruas e avenidas densamente povoadas.


Alice colheu amostras de quatro poços de monitoramento instalados ao redor do cemitério, concluindo que o solo, com até 99% de areia – o cemitério fica a poucos quilômetros da praia – tem uma porosidade e uma permeabilidade elevadas, facilitando a passagem do necro-chorume para o lençol freático.


Examinando as amostras, a geóloga descobriu a presença de bactérias de difícil degradação e patógenos causadores de tétano, hepatites e outras infecções. Segundo ela, a ausência de jazigos nos sepultamentos torna a situação ainda mais perigosa, pois o caixão fica em contato direto com a terra, abreviando a decomposição e, em conseqüência, acelerando a contaminação.


Embora muitas pessoas que residem nas vizinhanças de cemitérios, como o de São João Batista, sejam servidas por rede de água e esgoto, outros cemitérios também na capital cearense, como os de Mucuripe e de Messejana, são cercados por casas cujos habitantes utilizam poços artesianos para obter água, inclusive para beber. O mesmo ocorre com milhares de outros cemitérios em todo o país, especialmente na periferia das grandes cidades e nos pequenos e médios municípios.


Segundo estudos da USP, os cemitérios de Vila Formosa, Vila Nova Cachoeirinha e Areia Branca estão comprometidos, pois os lençóis freáticos ficam praticamente na superfície. Esses cemitérios acolhem milhares de cadáveres anualmente.


Ninguém fiscaliza


Não há uma legislação específica sobre a matéria, as agências ambientais dos governos não fiscalizam, e enquanto isso os lençóis freáticos vão se poluindo, tornando cada vez mais difícil sua recuperação, que leva, segundo os técnicos, cerca de 300 anos.


Os estados, mesmo os mais desenvolvidos, como São Paulo e Rio de Janeiro, empurram o problema para os municípios. Como estes não dispõem de recursos nem de tecnologia, simplesmente desconhecem o problema, embora continuem autorizando a construção de cemitérios, exigindo apenas que eles se localizem em áreas públicas.


No entanto, se algumas precauções fossem adotadas, os problemas de contaminação poderiam pelo menos ser minimizados. Além da construção dos jazigos dois metros acima do lençol freático, os cemitérios poderiam ser construídos em locais elevados, para evitar que eventuais inundações pudessem espalhar a contaminação por uma vasta área.


Teria de haver também uma adequação do solo e um estudo do nível do lençol freático, além de um monitoramento periódico do subsolo nas regiões adjacentes dos cemitérios, providências que não demandariam grandes recursos nem exigiriam tecnologia especial.