ANA estuda modelo de gestão da água

3 de março de 2004

Referência vai ser sistema adotado pelo Ceará, considerado modelo

      Instalada há pouco mais de um mês, a Agência Nacional de Águas – ANA – iniciou os estudos visando a definição de um modelo de gestão dos recursos hídricos. Segundo o presidente da autarquia, Jerson Kelman, a administração cearense dos recursos hídricos é a referência para a ANA, que estuda a possibilidade de estendê-la a nível nacional, com as necessárias adaptações.


O sistema em vigor no Ceará, e que atravessou quatro administrações seguidas, é administrado por uma empresa, a Companhia de Gestão de Recursos Hídricos, Cogerh, que vende a um centavo o metro cúbico de água à Companhia de Águas e Esgotos do Ceará, Cagece, encarregada da captação das águas e do esgotamento sanitário no Ceará. A Cagece revende a água aos usuários.


Kelman, que já trabalhou no Nordeste, destaca, no modelo cearense de gestão dos recursos hídricos, os conselhos formados pelos usuários da água, por empresários, por representantes do governo e por organizações não-governamentais.


São esses conselhos que decidem o nível de vazão das águas dos açudes de Orós e Banabuiú, que alimentam a bacia do rio Jaguaribe, da qual fará parte, dentro de dois anos, o açude Castanhão, o maior do Nordeste, atualmente em construção. É essa água que abastece Fortaleza e as principais cidades do interior do Ceará.


A partir da aprovação da chamada Lei das Águas ( lei nª 9.433, de 1997), as bacias hidrográficas assumiram a função de planejar e gerenciar os recursos hídricos, passando a cobrar pelo uso da água, tanto por quem capta como por quem despeja o produto nos rios. O Ceará antecipou-se a essa lei, montando seu próprio modelo.


Pagamento


Mas o presidente da ANA esclarece que o modelo cearense não será aplicado uniformemente em todo o país. Na Bacia Amazônica, por exemplo, nenhuma indústria ou irrigante se animaria a pagar pela água que consome, dada a enorme oferta existente.


Tal, no entanto, não ocorre no Sudeste, no Centro-Oeste e no Sul do País. Lembra Kelman que os usuários das águas dos rios Tietê e Paraíba, por exemplo, terão de pagar pelo produto consumido, até para gerar recursos destinados a reduzir os efeitos da utilização excessiva desse insumo, que tantos prejuízos tem causado aos dois rios.


Mas o valor – lembra – será decidido pelos comitês de bacias que, a exemplo dos existentes no Ceará, serão integrados por todos os consumidores: irrigantes, usuários, indústrias, sistemas de hidroeletricidade, navegação etc. Também farão parte desses comitês representantes da União, dos Estados e da sociedade civil, através das Organizações Não-Governamentais. Afinal – lembra o presidente da ANA – é preciso ter consciência de que os rios são bens públicos, renováveis e não finitos.


Mas a ação dos comitês de bacias não se limitará a definir o valor da tarifa de água. Eles se encarregarão também de fixar o valor das multas a serem aplicadas aos usuários que poluírem os recursos hídricos, ou que fizeram mau uso da água, inclusive o desperdício.


A receita originária das multas e das tarifas de água será devolvida às comunidades em forma de investimento. Segundo Kelman, somente para este ano a ANA conta com R$ 109 milhões destinados a financiar a despoluição de várias bacias.


Uma diferença importante é na forma de utilização desses recursos. Ao invés de financiar obras ou adquirir equipamentos, a ANA vai pagar pelo esgoto tratado, em contratos feitos diretamente com os interessados, evitando, com isso, a implantação de caras estações de tratamento de esgoto, muitas das quais são posteriormente abandonadas ou operam com elevado índice de ociosidade. E as estações já em operação, que atuam abaixo de sua capacidade, como as existentes no Rio e em São Paulo, terão de trabalhar a plena carga.


Açudes nordestinos


Uma preocupação que a ANA terá a partir de agora no Nordeste, segundo Kelman, é com a construção de novos açudes. Ele se diz favorável à política de açudagem, mas lembra que, da forma como são construídos, rasos e com uma pequena capacidade de acumulação em sua bacia hidráulica, os açudes pouco ajudam no abastecimento, em especial quando a população mais precisa de água, ou seja, nas épocas de seca.


Com pouca água acumulada, que se evapora continuamente, os açudes, apesar de numerosos, não resolveram o problema do abastecimento de água no Nordeste. A ANA vai exigir que os novos açudes sejam construídos com mais profundidade, a fim de acumular uma grande quantidade de água num menor espaço. A concentração reduzirá a evaporação e facilitará a adução, permitindo que, nos anos de chuva intensa, seja acumulada água suficiente para atender ao abastecimento no período seco.


Segurança no abastecimento


Para o presidente da ANA, um dos desafios da nova agência é dar segurança aos empresários que quiserem investir no Nordeste, de que eles terão a água de que sua atividade necessitará, seja industrial, seja agrícola. O que ocorre atualmente – lembra – é que há disponibilidade de água no Nordeste nos anos de inverno, mas a oferta se reduz nos períodos de seca, introduzindo um fator de insegurança em quem vai investir a longo prazo.


Kelman já tem a solução para esse problema: a partir de uma oferta firme de água, adotará duas providências básicas. Em primeiro lugar, dará prioridade ao melhor uso econômico da água. Assim, a agência dará a outorga a quem pretender desenvolver um projeto de irrigação por gotejamento, para produzir frutas destinadas à exportação e ao mercado interno, e não a quem desejar implantar um projeto de plantio de arroz irrigado por inundação, por exemplo.


Em segundo lugar, quem consumir água terá de pagar por ela, o que significa que, ao elaborar o seu projeto de investimento, o empresário terá de considerar o custo da água, o que resultará, em muitos casos, em fator inibidor de sua utilização intensiva.


Pelos cálculos de Kelman, um hectare de terra irrigada utiliza a mesma quantidade de água consumida por 200 pessoas, ou até por 400 pessoas, conforme o processo de irrigação. Evidentemente, lembra, a irrigação de fruteiras por gotejamento consome bem menos água do que a irrigação de arroz por inundação.


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