Índios querem construir outra história
25 de março de 2004Índios Pataxó dizem que não têm nada a comemorar nesses 500 anos
|
As tensões entre índios e governo, geradas pela falta de garantia de direitos, como o uso da terra, ficaram acirradas às vésperas dos festejos dos 500 anos do Brasil. Na programação oficial dos 500 anos, os índios sentiram-se lesados na liberdade de expressão. O governo da Bahia autorizou a demolição, por 200 policiais, do marco histórico indígena, dia 04 de abril, em Coroa Vermelha, local onde Cabral desembarcou no dia 22 de abril. O registro histórico dos 500 anos apresentará, então, duas versões simbólicas. De um lado, a cruz inoxidável, encomendada pelo governo ao artista plástico Mário Cravo. Do outro lado, o marco da resistência, esculpido em madeira, representando o massacre e o descaso com o povo indígena, reconstruído pelo índio pataxó Crispim Calango. A derrubada do marco indígena foi uma provocação pública geradora de uma série de manifestações contra a pomposidade do governo nas comemorações dos 500 anos do Brasil.
Desrespeitados, os índios dizem que não tem nada a comemorar. Mais espertos que desconfiados e convictos dos seus direitos, eles reclamam dos gastos do governo com projetos de construção de réplicas de naus, cruz inoxidável, decoração da cidade, megas espetáculos teatrais, enquanto as crianças morrem de fome, de doenças que poderiam ser evitadas, da perda da identidade pelo processo perverso de aculturação e do desconforto por não terem moradias dignas e tranqüilas em terras que, segundo eles, passaram às mãos de estrangeiros, empresários, fazendeiros, comerciantes e exploradores da riqueza da Mata Atlântica.
Terra Pataxó
Um dossiê feito por diversas entidades de proteção aos índios revela o atual sentimento, respaldado em conhecimento sobre os seus direitos: “Nosso principal objetivo é garantir a nossa terra. Pretendemos transformar o que as autoridades chamam de Parque Nacional do Monte Pascoal em Parque Indígena, terra dos Pataxó, para preservá-lo e recuperá-lo da situação em que hoje o governo deixou a nossa terra. Queremos deixar claro para a sociedade brasileira, para os ambientalistas, para as demais autoridades, que não somos destruidores da floresta. Queremos cuidar das nossas terras e precisamos contar com o apoio de todos.
Das sucessivas reuniões entre caciques sairam decisões como:” Vamos celebrar os 500 anos em nossa terra. Receberemos os nossos parentes de todo o Brasil aqui, no Monte Pascoal, único local possível para construirmos o futuro com dignidade. Solicitamos que a Procuradoria da República e a imprensa possam acompanhar os nossos trabalhos nestes primeiros meses, dentro de nossa terra. Mais uma vez pedimos o apoio de toda a sociedade brasileira”
Demarcando território
|
Em entrevista exclusiva para a Folha do Meio Ambiente a Comissão dos Pataxó que faz revezamento do Plantão no Parque Monte Pascoal mostrou um mapa feito pelo Cacique Alfredo Pataxó. No mapa onde estão identificadas as áreas históricas das terras do Povo Pataxó. Num documento elaborado logo após a reunião do Conselho de Cacique eles dizem: “Confirmamos a necessidade de ampliação e recuperação do nosso território tradicional. No mapa, feito à mão, o índio Pataxó mostra áreas como: Boca do Rio Velho, Riacho das Almas, Riacho da Joana, Rio do Jibuna, Coro de Pedro Velho, Rio do Manuci e Riacho do Carrego, entre dezenas de outras áreas que antes eram ocupadas por índios foram transformadas e fazendas. Os índios expulsos tentaram a sobrevivência em outros lugares e daí em diante não têm tido mais sossego.
Conselho de caciques
O Conselho de Caciques realizou um encontro extraordinário no Monte Pascoal, contando com a participação de representante do CAPOIB- Conselho de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil, José Orias Severino da Silva, do povo Machinéri, Acre; do representante da APOINME – Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo, Agamenon do Nascimento, do povo Geripankó, em Alagoas; além do Coordenador regional na Bahia, Joel Braz Pataxó.
O Conselho de Caciques se reuniu com a grande maioria de seus membros das aldeias Barra Velha, Boca da Mata, Aldeia Velha, Meio da Mata, município de Porto Seguro; Águas Belas e Corumbauzinho, município de Prado; Coroa Vermelha e Mata Medonha, município de Cabrália; além de representantes da aldeia Caramuru, no município de Pau Brasil, através do vice-cacique Nailton Muniz Pataxó, Presidente deste Conselho; Mulheres, jovens, anciãos e crianças estiveram presentes.
Propostas encaminhadas
1) “Os Caciques reafirmam que as terras tradicionalmente ocupadas e reivindicadas são inegociáveis”;
2) “O compromisso de que a terra Pataxó do Monte Pascoal é de plena preservação, não tendo nenhuma possibilidade de desmate ou degradação ambiental de sua floresta, ao contrário, deve-se promover a recuperação das aldeias em volta do Monte Pascoal”;
3) “Pretendem envolver todos os órgãos responsáveis, entidades ambientalistas interessadas nas propostas, indigenistas e setores do governo verdadeiramente dispostos a ajudar, na preservação do meio ambiente e na auto-sustentação do povo Pataxó”.
O documento é assinado pelos caciques Alfredo Santana Pataxó Cacique de Boca da Mata; Nailton Muniz Pataxó Presidente do Conselho de Caciques, Joel Braz Pataxó Coordenador da Apoinme/sul da Bahia, além de outras lideranças como Joselito do Nascimento Maciel, Ipê Pataxó, Rimuy Pataxó, Zezito Ferreira Pataxó e Manoel da Conceição”.
Desmatamento
O índio Pathyom Pataxó, 38 anos, fala sobre o desmatamento na Mata Atlântica e a exploração indígena que vem acontecendo nas últimas décadas lamentando que “onde antes era floresta hoje é campo. Árvores como Jacarandá, Arruda, Pau Brasil, Sucupira, Paraju, Oiti, Araça, entre outras que ainda resistem , vão sendo dizimadas. A floresta foi derrubada e substituída por campos onde predominam a criação de porcos, gado e plantações de café, cravo e mamão.
Sem oportunidade de sobreviver com dignidade, os índios foram se espalhando por outras localidades à procura da garantia de vida. “Nós, como índios Pataxós, nunca tivemos vontade de sair da aldeia pra ir viver em outro canto. Toda a vida estivemos em nossa reserva. Queremos readquirir o que é nosso, recuperar aquilo que tiraram de nós. Nosso objetivo é preservar a nossa terra pra que nossos filhos tenham onde viver, como viviam antes, sem nenhum conflito” diz o índio Pathyom Pataxó que ajuda no revezamento do plantão na entrada do Parque Monte Pascoal.
Esquecidos na História
O índio Aracari Pataxó, 37 anos, que tem seis filhos com a mulher Maria, reclama do processo histórico marcado pelo esquecimento, isolamento e desrespeito ao povo indígena. Ele lembra das histórias contadas pelos antepassados quando tudo era calmo, sossegado, tinha mata, tinha rio, tinha peixe, tinha floresta. E continua: “Quando Deus criou o índio, criou o índio livre, para tomar conta da terra e viver nela. Nós fomos imprensados pelos portugueses que acabaram com as nossas riquezas”.
SUMMARY Indians want to build another History Pataxós Indians say that they do not have anything to commemorate in these 500 years The tensions between indians and government, generated by the lack of guarantee of rights, such as land use, have grown stronger just before the festivities for the 500 years of Brazil. In the official program of the 500 years, the indians feel left aside in their freedom of speech. The government of Bahia authorized the demolition, by 200 policemen, of the local historical landmark, on April 4thl, in Coroa Vermelha, where Cabral landed on April 22ndl. The historical register of the 500 years will present, then, two symbolic versions. On one side, the stainless cross, ordered by the government to the plastic artist Mário Cravo. On the other side, the landmark of the resistance, sculptured in wood, representing the slaughter and the indifference with the indigenous people, reconstructed by pataxó indian Crispim Calango. The cut down of trees of the aboriginal landmark was a public provocation that developed into a series of manifestations against the pomposity of the government in the commemorations of the 500 years of Brazil. Disrespected, the indians say that they do not have anything to commemorate. Showing to be smarter yet distrustful and sure of their rights, they complain of the expenses of the government with projects of construction of copies of the vessels, the stainless cross, the decoration of the city, tremendous theater shows, while children die of hunger, of illnesses that could be prevented, of the loss of the identity caused by the perverse process of loss of culture and of the discomfort of not having worthy and calm housings in lands that, according to them, is in the hands of foreigners, businessmen, farmers, traders and explorers of the wealth of the Atlantic Forest. Pataxó land A brief made by diverse entities of protection to the indians discloses the current feeling, endorsed on the knowledge of their rights: ” Our main objective is to guarantee our land. We intend to transform what the authorities call National Park of Monte Pascoal into an Indigenous Park, land of the Pataxó, to preserve it and to save it from the present situation the government left our land. We want to make it clear for the Brazilian society, the environmentalists, the other authorities, that we are not enemies of the forest. We want to take care of our lands and need to count on the help of all. |