Biotecnologia provoca disputa na OMC
25 de março de 2004ONGs comemoram o fracasso da Rodada do Milênio em Seattle. Encontro da Organização Mundial de Comércio pode ser retomada em janeiro em Genebra
O desentendimento entre os diversos grupos em que se dividem os 135 países membros da Organização Mundial do Comércio – OMC – nas semanas que antecederam a III Conferência Ministerial do órgão, frustraram a partida para a Rodada do Milênio, uma discussão conjunta sobre os grandes temas do comércio mundial.
A inclusão da biotecnologia – o comércio de alimentos geneticamente modificados – em um eventual acordo mundial de comércio dividiu a OMC, assim como a inclusão de cláusulas trabalhistas e as restrições a atividades ilegais como o trabalho infantil.
As divergências que resultaram no fracasso em Seattle envolveram ainda questões como anti-dumping (a venda de produtos abaixo do seu preço de custo), concorrência e política de investimentos.
Contudo, o fracasso em Seattle não significa o fim da Rodada do Milênio. A partir do primeiro dia do ano que se avizinha, representantes dos países-membros voltarão a reunir-se em Genebra, sede da OMC, para dar seguimento às discussões envolvendo agricultura, serviços e propriedade intelectual.
A oportunidade deverá ser aproveitada para repensar as causas do fracasso em Seattle e o que deve ser feito para o relançamento das negociações da Rodada do Milênio, que devem prosseguir por todo o ano 2000 .
ONGs comemoram
As Organizações Não-Governamentais (ONGs), que estiveram ativas em Seattle, promovendo manifestações de rua que adiaram a instalação da reunião da OMC e provocaram um pronunciamento do presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, comemoraram o fracasso da Rodada do Milênio
As ONGs lutaram contra um eventual acordo de liberalização de produtos florestais e a criação de um grupo de trabalho sobre biotecnologia, proposto pelos Estados Unidos e o Canadá.
O Greenpeace, a mais ativa dessas ONGs, sustenta que biotecnolgia é problema de segurança alimentar e não de comércio. Portanto, o foro para a discussão da matéria é a ONU e não a OMC, cujo objetivo é a liberalização comercial.
Pressão das ONGs não tira transgênicos da pauta
Às vésperas do encerramento da conferência de Seattle, quando as divergências pareciam insuperáveis (e realmente o foram), a União Européia concordou com uma proposta dos Estados Unidos e do Canadá, para incluir na pauta das discussões o comércio de alimentos geneticamente alterados.
A decisão deixou os ambientalistas enfurecidos. Eles acusaram os europeus de se submeterem à vontade dos Estados Unidos, o maior produtor mundial de transgênicos, em troca da obtenção de vantagens em outras áreas de discussão.
A pressão das ONGs produziu resultados: no dia imediato, a Dinamarca, a Inglaterra, a França, a Bélgica e a Itália se opuseram à iniciativa e desautorizaram o Comissário para o Comércio Exterior da União Européia, Pascal Lamy a fazer qualquer negociação em nome deles envolvendo os transgênicos.
Os ambientalistas dizem que o foro adequado para debater biotecnologia é o Protocolo de Biosegurança da Convenção sobre Diversidade Biológica, ainda em processo de elaboração, e não uma conferência de liberalização comercial a nível mundial.
Alguns representantes do Grupo de Cairns, como a Argentina, também se opuseram à inclusão dos transgênicos na pauta, pois é ainda relativamente pequena a produção argentina de produtos geneticamente modificados, limitados apenas à soja.
Na melhor das hipóteses, o Grupo de Cairns aceitaria a criação de um grupo de trabalho sobre biotecnologia, que seria dirigido pelo Brasil e a Suécia, e que funcionaria separado do acordo agrícola e da Rodada do Milênio.
Esse grupo, em uma primeira etapa, faria um estudo aprofundado das questões de biossegurança que envolvem os transgênicos, e somente depois deliberaria sobre a adoção de regras de comercialização desses produtos.
Os delegados norte-americanos deixaram Seattle prometendo voltar à carga em Genebra, nos próximos dias, quando as conversações no âmbito da OMC forem reiniciadas.
Condenação ao trabalho infantil
Causou perplexidade ao governo brasileiro e repulsa ao setor industrial, a declaração do presidente Billl Clinton, que em discurso perante a assembléia da III Conferência da OMC, acusou o segmento calçadista brasileiro de explorar a mão-de-obra infantil.
Os industriais do couro e do calçado disseram que Clinton equivocou-se, mas são tantos os exemplos de trabalho infantil, inclusive em atividades que resultam em mutilação de crianças, que da parte do governo a reação foi mais do que moderada.
O Palácio do Planalto limitou-se apenas a informar que o governo brasileiro vem investindo em projetos que visam retirar as crianças do trabalho e reconduzi-las à escola, além de punir quem aceita trabalho infantil.
Mas Estados Unidos e Brasil estão de acordo num ponto: ambos acreditam que a discussão sobre sanções comerciais associadas a práticas trabalhistas ilegais, como o trabalho infantil e as agressões ao meio ambiente, pode legitimar a criação de barreiras para proteger a indústria de uma determinada região.
Durante os dias mais agitados da conferência de Seattle, o Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Lawrence Summers veio a São Paulo, e em palestra para industriais, condenou o trabalho infantil e a comercialização de produtos feitos por presos, mas repetiu a orientação de Washington, contrária a que essa condenação possa favorecer práticas comerciais protecionistas.
O que é a OMC
A Organização Mundial de Comércio – OMC – , cujo diretor-geral é o neozelandês Mike Moore, é composta por 135 países, a maioria países sub-desenvolvidos e em desenvolvimento.
A entidade substituiu o GATT – Acordo Geral para Tarifas e Comércio extinto ao final da chamada Rodada Uruguai, uma tentativa de liberalização comercial realizada em meados dos anos 90.
Além de ser o foro adequado para a solução de divergências comerciais entre países-membros, a OMC tem como objetivo principal a adoção de regras de liberalização do comércio, em seu sentido mais amplo, inclusive serviços, investimentos e tecnologia.
A OMC é a única organização internacional que trata de matéria econômica onde o sistema é um país, um voto. Embora esse processo tenha a vantagem da transparência, sua eficácia é posta em dúvida, em razão das discordâncias sustentadas pelos diversos países, e pelos grupos que eles organizam para lutar pelas suas posições.
Um desses grupos, que teve ativa atuação em Seattle é o chamado Grupo de Cairns, em referência à cidade australiana onde ele fez sua reunião de instalação. O grupo é composto de 15 países, (Austrália, Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Fiji, Indonésia, Malásia, Nova Zelândia, Paraguai, Filipinas, África do Sul, Tailândia e Uruguai), entre eles grandes exportadores de grãos, como a Argentina, o Brasil, o Canadá e a Colômbia.
Os europeus se representam através da União Européia, embora alguns países integrantes discordem das políticas de outros países, e os Estados Unidos formaram o Grupo de Miami, com o apoio do Canadá.
A frustrada reunião de Seattle exibiu deficiências no sistema de operacionalização da OMC, causando descontentamento entre muitos países-membros. É que os temas mais polêmicos foram discutidos a portas fechadas por um grupo reduzido de 25 países, cujos representantes aparentemente falavam em nome dos 135 Houve reação e protestos dos 110 que ficaram de fora. Certamente, essa forma de agir foi um dos motivos do fiasco em que se transformou a conferência.