Oscar Zuluaga, do Uruguai, é a favor de harmonizar a legislação ambiental do Mercosul
3 de março de 2004Cone Sul deve ser um espaço limpo, ajudando a combater buraco da camada de ozônio
?A humanidade tem dois caminhos a escolher: ou o de Madame Pompadour, depois de nós o dilúvio, ou o caminho de São Francisco de Assis, que restaura a harmonia e a prudência?. Oscar Ricardo Gorosito Zuluaga
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Oscar Ricardo Gorosito Zuluaga, 50 anos, é vice-ministro uruguaio de Habitação, Ordenamento Territorial e Meio Ambiente. Casado, pai de dois filhos, é Doutor em Direito e Ciências Sociais pela Universidad de La República (Uruguai). Professor de Direito Ambiental e Ciências Políticas na Universidade Católica e Universidade de Maldonado-Punta Del Este. Em entrevista exclusiva à Folha do Meio Ambiente, na capital uruguaia, ele falou da ainda nova legislação uruguaia sobre Meio Ambiente, da participação do seu país nos principais tratados internacionais relacionados à biodiversidade. Oscar Zuluaga acredita que a mudança climática, o crescimento no buraco da camada de ozônio e a opinião pública internacional que volta sua atenção cada vez mais para o Terceiro Mundo, em especial a América Latina, é que vão ditar as mudanças para a preservação e para a melhoria da qualidade de vida no planeta terra.
Folha do Meio – Quais são hoje os principais problemas ambientais que o Uruguai enfrenta, na área rural ou urbana?
Oscar Zuluaga – No Uruguai, os principais problemas ambientais na área urbana tem a ver com o tema dos resíduos sólidos. Este é um enorme problema em nosso país. E quando digo isto, estou pensando tanto nos resíduos domiciliares como nos resíduos industriais ou hospitalares. Temos ainda outros problemas no âmbito urbano que tem origem no desenvolvimento acelerado do que podemos chamar de a “cidade informal”. Uma cidade que se originou nas invasões de setores de nossa população, que apesar da política generosa de habitação popular já tradicional em nosso país, não tiveram acesso a terra urbanizada e passaram a invadir diversas áreas urbanas. Com isso cresceram essas áreas de forte depressão social. Assim , eu diria que, basicamente a questão dos resíduos e dos assentamentos irregulares, são os maiores problemas de nossas cidades.
Outra abordagem de importância fundamental tem origem na urbanização costeira. Nós temos uma ocupação de zonas extremamente frágeis de nosso território, na costa. São áreas que foram fracionadas, loteadas e urbanizadas sem atender a qualquer critério de sustentabilidade ambiental. Em seguida temos tudo o que tem a ver com a área rural, onde o fenômeno da erosão é muito forte em nosso país. Ultimamente também tem se intensificado alguns problemas que começam a afetar os recursos hídricos, devido a utilização de fertilizantes. Por outro lado , também estamos experimentando algumas transformações em nosso território pela difusão do reflorestamento, aliado a outros tipos de desenvolvimento e utilização do solo, que necessitam compatibilizar-se com a biodiversidade.
FMA – Como está a legislação ambiental no Uruguai? Como vê uma possível adaptação das legislações uruguaia e brasileira em relação ao Mercosul?
Zuluaga – A nossa legislação ambiental é nova. É uma legislação que tem um desenvolvimento mais recente que a brasileira. Eu diria que a partir do ano l990, quando se criou este ministério de Meio Ambiente, é que começa propriamente o desenvolvimento dos deveres e direitos na área ambiental. Antes existiam algumas normas de incidência ambiental, outras, que tradicionalmente vinham, inclusive, do direito espanhol e que protegiam a fauna, que regulavam o desenvolvimento das cidades, mas para fins utilitários ou produtivos. Com o fim mesmo, da utilidade que o homem pode tirar desses elementos que hoje conhecemos como elementos do meio ambiente, ou da biosfera. A partir dos últimos anos da década de 80 e, fundamentalmente, a partir dos anos 90 é que tem início a edição das leis que atendem estritamente a conservação e a proteção da biosfera como tal.
Zuluaga: Desenvolvimento é legítimo, mas não
se pode cometer os erros do países ricos
FMA – Como é a legislação uruguaia?
Zuluaga – Nós temos, no alto da ordem jurídica uruguaia, a definição em uma norma da constituição, que é muito recente. Lamentavelmente não tem o enfoque de redação que tem a constituição brasileira, mas que estabeleceu a necessidade da obrigatoriedade da proteção ao meio ambiente. Temos a seguir uma legislação que, eu creio, é uma legislação perfeitamente positiva , adequada e moderna, sobre avaliação de impacto ambiental, que tem permitido que esta técnica se desenvolva em nosso país. Temos também uma importante incorporação ao nosso direito, das normas internacionais dos grandes acordos nesta área. Ao mesmo tempo, o Uruguai tem ratificado todos os tratados vinculados à biodiversidade e o convenção do clima. Ainda não ratificamos o Protocolo de Kyoto, mas o parlamento se encaminha para isso. Portanto, eu acredito que nosso país tem desenvolvido uma legislação que eu entendo como positiva e que se complementa com disposições dos governos departamentais e locais que tem desenvolvido planos e normas que já trazem um sentido de sustentabilidade ambiental.
FMA – Em que avançaram as discussões e propostas desde a RIO? 92?
Zuluaga – Nós, a partir da entrada em vigência do convênio marco sobre a mudança climática – que para mim é a questão mais importante que a humanidade tem para o século 2l – que é lidar com a estabilização dos gases de efeito estufa na atmosfera, abrimos o grande debate. É o questionamento sobre a forma como se poderia colocar efetivamente em prática, as obrigações dos países industrializados no que diz respeito a diminuição de suas emissões de gases que causam o buraco de ozônio. Eu acredito que nós na, América Latina, temos o direito ao desenvolvimento e que portanto estamos fundamentalmente interessados em que os países industrializados cessem as emissões que desequilibram a presença dos gases de efeito estufa na atmosfera. Nós temos, como dizem os instrumentos internacionais, que preparar nossas condições de vida e não se pode descarregar, digamos assim, sobre nossos países, uma responsabilidade que recai sobre os países altamente industrializados. Mas temos a consciência de que ainda que tenhamos um direito legítimo ao desenvolvimento não temos porque repetir os erros dos países desenvolvidos. Penso que nosso estilo de desenvolvimento tem que ser outro e para já. Para hoje!
O fato de nós termos direito ao desenvolvimento não nos autoriza a supor que temos o direito a contaminar indiscriminadamente. Acredito que os países do Terceiro Mundo e os países da América Latina em particular têm que ser extremamente cuidadosos da biodiversidade que possuímos. Temos que ser cuidadosos dos bens com que a natureza dotou nossa região. Portanto, o fato de que nós exijamos que as nações industrializadas cumpram com suas obrigações não nos autoriza a ignorar os nossos próprios problemas ambientais. Neste momento no mundo, se discute a regulamentação do Protocolo de Kyoto e dos mecanismos de desenvolvimento limpo. É discutida a possibilidade de que sejam reconhecidos os esforços de reflorestamento produtivo, e o melhoramento do manejo do solo que nossos países fizeram. Acredito que tudo isso deva ser respeitado. Também vejo como positiva a possibilidade de que sejam incorporados os denominados “sumideros”, denominação uruguaia para os processos que retiram os gases de efeito estufa da atmosfera – temos como exemplo a árvore que é um “sumidouro” porque retira gás carbônico da atmosfera. É o chamado ?sequestro de carbono? nos mecanismos de flexibilização do Protocolo de Kyoto. Esta flexibilização no Protocolo de Kyoto e do desenvolvimento limpo deve se dar sempre e quando se afirme a necessidade de uma vigilância muito forte para o cumprimento da compatibilidade entre os projetos de desenvolvimento limpo e o resto dos compromissos ambientais dos países. Isto é, da biodiversidade e tudo o que tem a ver com a proteção das espécies e a proteção da água, etc…
FMA – A respeito do crescimento no buraco da camada de ozônio, próximo ao Cone Sul, existe uma preocupação maior?
Zuluaga – O Uruguai ratificou o Convênio de Viena sobre a proteção da camada de ozônio, também o Protocolo de Montreal e as emendas a esse documento. Tudo isto, porque o Uruguai tem uma militância ativa em torno do controle de substâncias que esgotam a camada de ozônio e isto também no contexto do Mercosul.
FMA – O Uruguai é favorável à harmonização das legislações nos países do Mercosul?
Zuluaga – Somos favoraveis logicamente. Acreditamos que, desde o início, o Mercosul deve ser um espaço limpo que trabalhe para combater o aumento no buraco da camada de ozônio, controlando a emissão de gases nocivos.
FMA – Sendo um professor de Direito Ambiental naturalmente o Sr. acredita na educação como forma de criar e motivar uma consciência ecológica. Como está o Uruguai nesta questão?
Zuluaga – Nós temos no Uruguai um sistema educativo que tradicionalmente chegou na prática à totalidade de nossa população. Lamentavelmente a educação no Uruguai tem passado por uma crise, mesmo assim não tenho nenhuma dúvida de que o sistema educativo é a grande aposta que o Uruguai deve fazer para conseguir uma mudança do comportamento agressivo com relação à natureza, para um estilo de desenvolvimento sustentado e harmônico. Nos projetos de ensino, têm se estabelecido, desde os primeiros passos que a criança aprende, compromissos ambientais dentro de uma cultura de cidadania. E isto eu creio que está dando resultados. Se nota que os jovens vêm empurrando o mundo adulto para uma mudança de comportamento. Também estão sendo mais frequentes as campanhas que procuram associar os valores ambientais no país. Acredito que existem questões que estão muito internalizadas pelas pessoas que gostam – principalmente a juventude – de identificar-se com os valores psicológicos. Já na educação terciária, na Universidade, não apenas temos programas conjuntos para a análise e difusão da consciência ambiental, como já estão aparecendo carreiras que preparam pessoal para as avaliações de impacto ambiental e análises ambientais. Estamos criando em alguns lugares do país, uma associação muito forte entre a escola, ONGs e alguns projetos ambientais para um compromisso no sistema de áreas protegidas.
FMA – O Sr. acha que existe um compromisso efetivo dos países desenvolvidos com o Terceiro Mundo?
Zuluaga – Eu vou lhe dizer o que penso, com toda a sinceridade, deixando de lado minha condição de dirigente político e de governante. Falando como ambientalista, como professor de Direito Ambiental, eu acredito que o tema meio ambiente tem passado por uma dinâmica muito grande.
A humanidade é uma corrente e cada elo deve lutar pela preservação
Ainda que na década de 60 e 70 tenha começado como um sonho de uma geração nova que comoveu as bases do mundo capitalista e consumista, unida aos movimentos hippies e de protesto, rapidamente o tema ambiental passou ao coração das agendas ambientais políticas de todo o mundo. E creio que, neste momento, uma das tendências que devem ver-se como mais esperançosas é a de que cada vez mais o empresariado está comprometendo-se com o tema ambiental. Obviamente que uma grande massa de agentes econômicos ainda vive de costas aos compromissos ambientais, mas mesmo assim existe um avanço na consciência ambiental dos grandes tomadores de decisões econômicas no mundo. Porque é preciso ser muito ignorante para não se dar conta de que se não tratamos bem a natureza estamos matando “a galinha dos ovos de ouro”. Somente os que creem que podem viver como deuses e que podem fazer de suas vidas o centro egoísta da disputa de bens é que não pensam nas gerações que nos seguirão. Eu sempre digo que a humanidade tem dois caminhos. E exemplifico com duas figuras: ou a humanidade segue vivendo como Madame de Pompadour, amante de Luiz XV, que disse – depois de nós o dilúvio – e que portanto não se importou com absolutamente nada do que podia passar depois dela. Ou a humanidade segue o caminho de São Francisco de Assis – que quis mostrar ao mundo uma forma de restaurar a harmonia, gerando o compromisso de construir uma sociedade mais justa. Talvez incorporando o valor da prudência que está muito esquecido no mundo. Não podemos perder de vista que a humanidade é uma corrente – um elo entre todos – que temos recebido muito de nossos antepassados e que temos a obrigação de deixar um mundo melhor para os nossos filhos, netos e a todos os que venham depois. Assim eu acredito, que os países ricos, de repente, não tenham um compromisso maior, pois seguirão atuando atrás do poder militar político e econômico. Talvez onde possamos ver os signos mais esperançosos seja nas sociedades desses grandes países, onde se vê que os movimentos e ONGs crescem e apoiam o Terceiro Mundo. Esses movimentos não governamentais são mais sensíveis. Eles se movem como cidadãos que têm mais possibilidades que os nossos compatriotas. Existe uma opinião pública que parece que está se fazendo ouvir. Na verdade é uma opinião pública solidária, que está dispersa por todo o mundo.