Água, o ouro do século XXI
25 de março de 2004Seminário no Senado Federal reúne parlamentares e mais de 500 técnicos para discutir a questão dos recursos hídricos
Durante dois dias – 28 e 29 de março último – ministros, parlamentares, autoridades ambientais, organizações não-governamentais de meio ambiente, técnicos, especialistas e o público participaram, no Senado, do seminário “Águas – 2000 – Qualidade de Vida e Desenvolvimento”, patrocinado pela Comissão de Infra-Estrutura do Senado, que é presidida pela senadora Emilia Fernandes, do PDT do Rio Grande do Sul.
As sessões, que reuniram cerca de 500 pessoas no auditório Petrônio Portela, foram divididas em oito mesas redondas, as quais discutiram, tanto a nível político como técnico, a questão da água sob diferentes aspectos, tais como qualidade de vida, relações internacionais, saneamento, enchentes e secas, legislação, ciência e educação, comunicação social e cidadania, infra-estrutura e produção, agricultura, indústria, energia e transportes.
Dois temas dominaram os debates: a criação da Agência Nacional de Águas – ANA – cujo projeto está na pauta para votação no Senado, e o projeto de transposição das águas do rio São Francisco para perenização de rios e irrigação nos Estados do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.
Em seu pronunciamento, o Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, citou a recente reunião da Comunidade Internacional de Recursos Hídricos, realizada em Haia, na Holanda, afirmando que a principal conclusão do encontro foi que os países que melhor administram seus recursos hídricos são justamente os que têm agências governamentais de controle.
Já o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, ao defender a transposição das águas do rio São Francisco para o semi-árido nordestino, disse que aquela região mais seca do Nordeste poderá sofrer uma grande crise de abastecimento d}água a partir do próximo ano, se nada for feito. “Ou levamos a água ou reduzimos a população da região”, resumiu Fernando Bezerra.
O senador Bernardo Cabral, do PFL do Amazonas, relator do projeto de criação da ANA, em pronunciamento na abertura do seminário, advertiu que “a água é o ouro do século XXI”, lembrando que, hoje, em muitos países, principalmente na África e no Oriente Médio, a água é tão importante como qualquer insumo industrial, e já é motivo de disputa entre países.
Patrocinado pela Agência Nacional de Energia Elétrica, pela Secretaria de Recursos Hídricos do MMA, pela ABES e pela Organização Meteorológica Mundial, o Seminário “Águas 2000 – Qualidade de Vida e Desenvolvimento” terá suas conclusões editadas pelo Senado. Servirão de referência quando do exame de matérias que tramitarem naquela Casa do Congresso envolvendo a política nacional de recursos hídricos.
Derrubada de nascentes reduz a vazão dos rios
Ao presidir a mesa redonda “Água, Comunicação Social e Cidadania”, a senadora Marina Silva, do PT do Acre, afirmou que a derrubada das matas nas nascentes dos rios amazônicos está contribuindo para diminuir a vazão desses rios, em especial nas épocas de seca, reduzindo a navegação e os recursos pesqueiros.
Por sua vez, o presidente do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea), do Rio de Janeiro, José Chacon de Assis, afirmou que a origem da crescente degradação ambiental reside no próprio modelo capitalista neo-liberal que privilegia o alto consumo sem se preocupar com a utilização racional dos recursos escassos.
Contudo, conforme observou o assessor do Departamento de Produção e Fomento Vegetal do Ministério da Agricultura, Fernando Rodriguez, a sociedade vem se mobilizando para defender a utilização racional dos recursos hídricos, notando-se mesmo uma elevação do nível de consciência da população, quanto à necessidade de preservar economizando.
O mais importante, segundo Rodriguez, é que essa atitude consciente seja adotada, principalmente, pelos consumidores de grandes volumes de água, como as usinas hidrelétricas e os projetos de irrigação. Para ele, ajustar as necessidades de aumento de produção à crescente utilização dos recursos hídricos é um desafio para as agências governamentais e os produtores privados.
Já ao participar das discussões no painel “Água – Agricultura, Indústria, Energia e Transportes”, o secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, Raimundo Garrido, fez um relato dos resultados do II Fórum Mundial das Águas, recentemente realizado em Haia, na Holanda, destacando a preocupação dos representantes dos países participantes com a utilização racional dos recursos hídricos.
Urgente a implantação do sistema de gestão
Para o professor Eduardo Lanna, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é indispensável a urgente implantação do Sistema Nacional de Gestão dos Recursos Hídricos, sem o qual é impossível definir, e sobretudo controlar, qualquer programa de redução do consumo de água.
O passo inicial, segundo o professor, é a aprovação da Agência Nacional de Águas – ANA – cujo projeto, depois de aprovado na Câmara dos Deputados, tramita no Senado, onde foi acolhido pela Comissão de Constituição e Justiça , mas deverá ser apreciado ainda pelas Comissões de Infra-Estrutura e de Assuntos Sociais, antes de ser remetido ao plenário.
Lanna, que participou da mesa redonda sobre “Águas – Ciência e Educação”, defendeu a implantação, no currículo escolar do ensino fundamental e do ensino médio, de um programa voltado à gestão dos recursos hídricos, para que, desde a juventude, os brasileiros comecem a tomar consciência da necessidade de economizar esse recurso, que ao longo do tempo tende a escassear.
Já o professor Rubem Porto, sugeriu que os governos federal e estaduais destinem mais recursos a pesquisas destinadas a encontrar formas novas e criativas de preservar os recursos hídricos.
Participando dos debates, o secretário adjunto do Ministério da Ciência e Tecnologia, Rui Henrique Albuquerque, informou que nos próximos dias o governo federal vai liberar uma verba de R$ 50 milhões destinados a aplicações diversas na área de recursos hídricos, inclusive pesquisas.
Água da Amazônia sob cobiça internacional
Ao presidir a mesa-redonda sobre “Água e Legislação”, o senador Bernardo Cabral, relator na Comissão de Justiça do Senado do projeto de criação da Agência Nacional de Águas, alertou para o que classificou de “cobiça internacional pela água da Amazônia”, afirmando que ela se manifesta sob diversas formas, algumas aparentemente inocentes.
O senador lembrou que, apesar dos extensos recursos hídricos disponíveis no Brasil, há racionamento de água em Recife, Pernambuco, e em Campina Grande, na Paraíba, dois aglomerados humanos que reúnem uma população de mais de três milhões de habitantes.
Por sua vez, o professor Francisco Van Acker, consultor jurídico da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental – Cetesb – do Estado de São Paulo, discorreu sobre os conflitos de jurisdição em relação ao domínio das águas, tanto a nível interno como externo, defendendo a necessidade de soluções negociadas envolvendo os três entes da Federação: a União, o Estado e o Município.
Trata-se, segundo Acker, de definir como se fará o compartilhamento da utilização das bacias hidrográficas, a partir de discussões que devem ser feitas a nível dos comitês de bacias dos quais participem os entes interessados.
O assessor do Ministério do Meio Ambiente, Jerson Kelman, que participou dos debates, sugeriu que, na definição desse compartilhamento, sejam claramente especificados os níveis de vazão estabelecidos para cada usuário, em função das possibilidades do rio ou manancial, assim como os índices de poluentes toleráveis na água.
Concordando com a proposta, a Secretária de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Lúcia Sena, sugeriu que também fizesse parte da negociação para utilização compartilhada dos recursos hídricos, um compromisso em relação ao despejo de resíduos sólidos nos cursos de água, como forma de prevenir assoreamento e melhor proteger rios e mananciais.
Aproveitando a discussão sobre vazão e compartilhamento, o senador Antônio Carlos Valadares, do PSB de Sergipe, defendeu um sistema de consultas às comunidades ribeirinhas dos Estados de Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Pernambuco e Alagoas, antes da aprovação de qualquer projeto destinado a desviar águas do rio São Francisco para os demais Estados nordestinos.