Baía de Sepetiba

Caso Ingá Mercantil: a herança maldita

4 de março de 2004

Obras emergenciais são concluídas no prazo mas rejeitos tóxicos da antiga indústria ainda ameaçam a Baía de Sepetiba

 






Três milhões de toneladas de metais pesados avançam para o manguezal anexo ao Saco do Engenho que desemboca no Porto de Sepetiba

Uma falência de muitos passivos
Considerada o maior “imbroglio” na história jurídica ambiental recente, a Companhia Ingá Mercantil teve sua falência decretada, em 1998. Desde então, projetos, sugestões e muita especulação são levadas ao Ministério Público Federal e às sedes dos órgãos ambientais do Estado e do município de Itaguaí. Porém, pouco se avançou para desatar o nó criado pela antiga indústria. A questão é sempre a mesma: quem pagará as contas? Os donos do empreendimento, o governo federal, estadual ou o município? O setor jurídico do Ibama-RJ verifica a possibilidade de despersonalizar a pessoa jurídica. Aí, os donos da massa falida responderiam enquanto pessoa física pelo dano ambiental. “As multas seriam de quem possa financiar a recuperação da área degradada do passivo ambiental. Mas os falidos só tem débitos!? O único ativo deles é a própria área”, explica o assessor técnicoWalter Plácido, da Gerência Executiva do Ibama no Rio de Janeiro.


Antiga vizinha da Ingá Mercantil, a companhia Docas do Rio de Janeiro, tem interesse de comprar a área para uso retroportuário e armazenamento de containners. Mas ninguém quer assumir o passivo. Fonte da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico revela, também, que grupos de empresários, especialmente alemães, querem comprar a montanha de rejeitos de zinco, cádmio e chumbo para reprocessamento.


“A reorganização logística do porto de Sepetiba, na Ilha da Madeira, passa pela recuperação da área privada da antiga Ingá”, tem afirmado o presidente do BNDES, Carlos Lessa. “A Ingá Mercantil é um fantasma assustador. Só um mutirão de interessados – governos, empresários e indústria – financiará aquela área. O BNDES não fará nada sozinho”, garantiu Lessa.


Em julho do ano passado, todo o sucateado parque industrial da Ingá foi leiloado para pagar dívidas com ex- empregados. “Rendeu um pouco mais de dois milhões de reais”, lamenta o síndico da massa falida, o procurador aposentado Nelson Ribeiro Filho, que obteve inclusive despacho do Juiz da 1ª Vara Civil de Itaguaí, Rafael de Oliveira Fonseca para transportar os rejeitos sólidos de zinco, cádmio e chumbo do local pela empresa Agroplanta, de Batatais, São Paulo. O início das obras emergenciais executadas pela SERLA e coordenadas pelo Ibama e pelo Ministério Público, interrompeu a remoção. A transferência dos rejeitos sólidos (C-130/Ingá) do local foi impedida já que a empresa Agroplanta não possuía nem estudo de impacto ambiental nem licença prévia concedida pela Feema – Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente para remover a montanha de três milhões de toneladas de zinco.


Segundo o engenheiro químico do COPPE/UFRJ, João Alfredo Medeiros, os rejeitos da Ingá são classificados como perigoso classe 1, de acordo com as normas da ABNT e da Feema e não devem ser retirados ou transportados. Verdadeiramente, uma herança maldita.


Rejeito Zero
Um estudo para o reúso dos rejeitos tóxicos da Ingá Mercantil


Não é de hoje que o Laboratório de Análise Ambiental e Mineral do COPPE/UFRJ estuda a planta industrial da Ingá Mercantil. De acordo com o engenheiro químico João Alfredo Medeiros, o imbroglio jurídico que se transformou o caso Ingá impede que bons projetos sejam financiados. “Acredito na geração de empregos com tecnologia limpa. Os estudos do COPPE /UFRJ garantem que 30% dos resíduos possam ser reutilizados na massa de tijolos ou telhas ecológicas”, explica Medeiros.


Em 1992, o LAM processou cerca de 30 toneladas de rejeitos da Estação de Tratamento de Águas do Rio Guandu em material cerâmico. O resultado foi parar na tese de Doutorado em Engenharia de Produção do ex-aluno de Medeiros, Carlos Eduardo da Silva Costa. “Lamento que o projeto Rejeito Zero não tenha tido financiamento”, disse Carlos Eduardo.


O engenheiro e sanitarista da CEDAE, Adriano Gama Alves, que conheceu a cerâmica produzida com os rejeitos da Ingá e mais o lodo do rio Guandu, foi categórico: “É indispensável que conceitos de gestão ambiental para o reúso da água sejam implantados. Temos que pensar na responsabilidade social que um projeto como o Rejeito Zero possa trazer às populações carentes da Baía de Sepetiba?, disse o sanitarista.