Hidrelétricas e o meio ambiente

A natureza se reabilita em Tucuruí

4 de março de 2004

Tucuruí – o grande ventre gerador de energia no coração do país

 

 

      E qualquer desatenção… pode ser a gota d'água. Não. Pode levar 53,7 bilhões de metros cúbicos d'água dos 2.875 quilômetros quadrados do reservatório da Usina Hidrelétrica Tucuruí, capaz de abastecer qualquer grande metrópole mundial, com uma vazão de 11 mil metros cúbicos por segundo, renovando a água do lago, a cada 53 dias, em média o maior gerador de energia da região Norte e o quarto do mundo. Imaginem dez baias da Guanabara de água doce, num planeta que já sofre com a falta desse precioso líquido. E mais, com esse patrimônio, ela deve ser a primeira privatizada, conforme cronograma de privatização do setor, pois é a mais cobiçada, apesar do balanço negativo da Eletronorte.

Até agora, já foram investidos aproximadamente 7 bilhões de reais, quase o equivalente ao patrimônio líquido do Banco do Brasil. Porém o custo maior foi à mãe natureza, que teve, na região, suas veias dilaceradas (rios), quando 40 adufas de descarga de fundo (abertura no pé da barragem, no nível do rio) começaram a ser fechadas uma a uma, em setembro de 1984. Era o início traumático do nascimento da Hidrelétrica Tucuruí, no rio Tocantins, inundando 2.800 quilômetros quadrados de florestas e toda vida que nela existia, na ocasião.

Atualmente, graças a dedicação dos técnicos de dos funcionários da Eletronorte, a natureza começa a se recompor e mais da metade dos acidentes ecológicos previstos não ocorrem. O exame de mosquitos, como descreve alguns biólogos, que chegaram a registrar 800 picadas por minuto, não existe mais.

Depois de alguns dias conversando com técnicos da hidrelétrica, descobre-se que eles têm uma relação de criador e criatura com a Tucuruí, pois normalmente estão lá (em Tucuruí, a 350 quilômetros de Belém) desde a construção ou o nascimento da hidrelétrica, que fará 16 anos em novembro, e que, até a preocupação em recuperar a natureza está ligada à paixão pela Hidrelétrica.

Capacidade

Construída no trecho inferior do rio Tocantins, a Usina de Tucuruí gera quatro mil MW, através de suas 12 turbinas, e receberá mais 11 turbinas para gerar 8.370 MW até 2006. Esta ampliação já constava do projeto original de Tucuruí e não será necessária a construção de um novo reservatório. O atual, com 2.875 quilômetros quadrados, já é suficiente para alimentar as novas turbinas, que juntas vão gerar energia para atender 40 milhões de habitantes.

Tucuruí, que ainda não atingiu a maior idade e nem o crescimento previsto, é responsável pela maior geração de riqueza e desenvolvimento da Amazônia Legal.

Reabilitando a natureza

O Banco de Germoplasma criado em 1984, por meio de um projeto conjunto da Eletronorte e do instituto de Pesquisas da Amazônia: INPA, com a finalidade de coletar e preservar o potencial genético de espécies da flora de interesse econômico e científico, foi suspenso. Mas, a Eletronorte preserva, ainda, a ilha com seus 100ha de área, onde estão cerca de 15 mil árvores de 46 espécies diferentes, a fim de reabilitar o ecossistema da região. Atualmente, a empresa desenvolve um programa para revitalizar o Banco de Germoplasma, além de atividades como intensificação de produção de mudas, a fim de atender projetos de reflorestamento de áreas degradadas.

Paralelamente, a Eletronorte mantém Unidades de Conservação, onde vivem diversas espécies de animais capturados por ocasião do enchimento da barragem, durante a chamada Operação Curupira, com a finalidade de preservá-los juntamente com o ecossistema.

No entanto, é bom registrar que não somente a Hidrelétrica de Tucuruí é responsável pelo desaparecimento de grande parte das florestas e de animais dessa região que vai de Belém ao Sul do Pará. Quando sobrevoa-se num pequeno avião Fokker de Belém até Tucuruí – cerca de 350 km – é possível ver grandes áreas desmatadas e muitas queimadas, principalmente em agosto, por ser seco. O mesmo acontece quando se passa por trechos da Transamazônica, a mais ou menos 100 km de Tucuruí, onde há grandes áreas desmatadas com pastos abandonados.


A serra hidráulica corta rapidamente uma árvore de grande 
porte submersa há 15 anos em Tucuruí

O tesouro submerso

A natureza nem sempre se vinga. As vezes, ela perdoa e promove verdadeiros milagres. Um exemplo dessa benevolência está no lago da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, onde centenárias castanheiras, mogno, ipê, maçaranduba e outras espécies de árvores nobres que submergiram com o enchimento da represa, não só resistiram 15 anos debaixo da água, mas não perderam qualidade e alguns tipos de madeira ficaram até melhores, sendo considerados verdadeiros tesouros.

Em toda extensão do lago as árvores estão presentes e suas copas secas ainda chamam atenção. Porém o mais surpreendente é que a parte não coberta pela água foi danificada, apodreceu, enquanto a submersa está perfeita. Com o surgimento da serra hidráulica, descoberta por um amazonense desconhecido, veio a esperança. Assim, foram convocadas, por meio de licitação, empresas especializadas, que usam o invento, aperfeiçoado e patenteado pela indústria canadense. Ela é capaz de cortar em poucos minutos uma árvore de grande porte dentro d'água, promovendo uma verdadeira revolução no lago de Tucuruí, possibilitando resgatar esse tesouro submerso, além de ajudar a poupar florestas da região.

Há quinze anos, o que parecia um desastre ecológico se transformou em um grande negócio para as madeireiras, principalmente pelo preço cobrado pela Eletronorte, a fim de incentivar a retirada de madeira da represa. Com isso, tem diminuído o desmatamento na região. Há, ainda, a facilidade de transporte, uma vez que após cortado o tronco emerge e sai boiando, logo em seguida.

Mas nem tudo vai bem em Tucuruí. A retirada da madeira oferece alguns perigos aos mergulhadores. Eles se benzem, normalmente, antes de iniciar a empreitada. Além disso, oportunistas de plantão estão vendendo madeira retirada da floresta como se fossem do lago para fugir da fiscalização. E mais, os madeireiros não se importam com a modificação provocada no ecossistema do lago.

Agora, se não for usada prudência e um planejamento ambiental para retirar esses recursos debaixo d'água, a natureza pode se vingar.

Mais informações:
(61) 429-6142; Fax: (61) 429-6143

José Chacon: CREA-RJ é contra privatização das hidrelétricas

Folha do Meio – O que acha da privatização de hidrelétricas?

José Chacon de Assis – É bastante prejudicial para o país, à medida que significa a privatização de águas, com todas as implicações que isso poderá ter. A privatização também virá acompanhada de reajustes tarifários e isso recairá sobre o consumidor. Por exemplo, os fabricantes de alumínio estão entre os maiores consumidores da energia de Tucuruí e os aumentos fatalmente serão repassados aos preços.

FMA – Quem seria beneficiado com a privatização das hidrelétricas?

Chacon – Os compradores. As empresas estatais brasileiras estão sendo leiloados muito abaixo do seu valor. O saudoso jornalista Aloysio Biondi, pouco antes de falecer, escreveu um artigo, publicado na última Revista do Crea RJ (nª 70), denunciando a verdadeira "doação" de poços de petróleo a empresas estrangeiras pelo governo brasileiro, em junho último, que representou uma perda de trilhões de reais. Em resumo, o governo está entregando de bandeja o que poderia representar a saída para a crise do nosso país e para acabar com a pobreza do povo brasileiro.

FMA – Quais as conseqüências da privatização para o meio ambiente?

Chacon – Existe uma dúvida que não está sendo avaliada no processo de privatização. Trata-se de um passivo ambiental, contraído desde a construção da hidrelétrica, com toda a carga de prejuízos que isso traz à flora, à fauna, especialmente aos peixes, que interrompem o seu curso. Existe um passivo com a perda do patrimônio natural, com a terra que se perde e se deixa de cultivar, as árvores cortadas e a madeira que também se deixa de produzir. Quem vai pagar isso?


Domingos Godoi: energia é endógeno e estratégico

José Domingos Godoi é geólogo e prof. da Universidade Federal de Mato Grosso

Folha do Meio – O que o senhor acha da privatização das usinas hidrelétricas?

José Domingues Godoi – Sou contra. A Hidrelétrica de Tucuruí, por exemplo, é um patrimônio nacional já pago pela população brasileira. No momento em que Tucuruí, principal ativo da Eletronorte, começa dar lucro, privatizá-la seria totalmente indevido. Energia é endógeno e estratégico, além da fonte, no caso, ser a água, o mais importante recurso natural do mundo. E o controle das águas brasileiras não pode deixar de ser do Estado. É estratégico.

FMA – Mas quem seria beneficiado com a privatização das hidrelétricas?

Godoi – As multinacionais do setor de energia. Estatais de outros países e as empresas que também estão participando da privatização da distribuição de água.

FMA – Quais seriam as conseqüências da privatização ao meio ambiente?

Godoi – É difícil avaliar. Porém, sempre é mais fácil cobrar do Estado uma política ambiental correta do que do setor privado.