9a Semana Ecológica de Conceição do Mato Dentro

Reserva da Biosfera na Cordilheira do Espinhaço

23 de abril de 2004

Movimento cria manifesto pela Reserva que é a espinha dorsal da América durante 9ª Semana Ecológica de Conceição do Mato Dentro


Segundo o prefeito José Fernando de Oliveira, filho do ex-governador de Brasília e ex-ministro da Cultura, José Aparecido de Oliveira, “na 9a Semana Ecológica e no Ano Internacional da Água não se podia falar de outro assunto, porém com uma abordagem científica e de vivência sobre a sacralidade atribuída à água e a mística relação dos povos indígenas com esse elemento, justamente no divisor das duas maiores bacias hidrográficas de Minas, do São Francisco e do rio Doce”. José Fernando lembrou que todos os recursos hídricos dessas duas bacias são formados no local que reúne também dois grandes biomas, do Cerrado e da Mata Atlântica. O chamado ecótono gera uma altíssima biodiversidade de especial importância para o panorama ambiental também por sua rara característica de reserva da biosfera.
Para o ambientalista e biólogo Miguel Ângelo “depois de anos de levantamentos e estudos por esta região, chegamos à visão clara da necessidade de se criar a reserva da biosfera aqui, no coração do Brasil, por onde passa a espinha dorsal da América. Por isso falamos de uma reserva de vida para o planeta”, garante. Miguel Ângelo é contundente e defende uma posição bem realista: “Preservar, conservar é muito caro e por isso não basta cercar áreas. É preciso saber fazer gestão, com participação coletiva e comunitária, promoção de informação e geração de conhecimento, envolvendo portanto a educação. O tema da semana ecológica tem de ir além desses sete dias”, afirmou


O turismo
Daí as sugestões que nasceram durante o evento. “O principal foi o ecoturismo como mecanismo de sustentabilidade, aproveitando toda a beleza da região. O que mostra que a Sociedade dos Amigos do Tabuleiro trabalha em sintonia com os conceitos de desenvolvimento, discutidos no mundo inteiro”, explica o secretário de Meio Ambiente de Conceição, Luiz Cláudio Ferreira de Oliveira, que também é diretor da ONG.
A editora da Revista Nature, Andréa Kauffman Zeh, superintendente de Relações Institucionais da Fundep, defendeu que as normas de preservação serão realmente respeitadas pelas comunidades somente se houver meios de sustentabilidade. “Elas têm de ver na conservação do meio ambiente um bom negócio que deve dar lucro. Pois o homem que tem fome destrói”, afirmou.
O exemplo do turismo como forma de sustentabilidade fundamental para a preservação dos bens naturais foi apontado também pelo presidente da Associação Comercial da Serra do Cipó, Everton Rodrigues Campo, em sua palestra “Ecoturismo na Serra do Cipó – Preservação e Responsabilidade”.
Vários cientistas e palestrantes acadêmicos relataram as contribuições da ciência na constituição de uma Reserva da Biosfera, suas características e importância planetária. O público pode assistir às apresentações enriquecedoras do historiador Kaká Maya, assessor de Planejamento do Instituto Mineiro de Gestão das Águas – Igam, que expôs a visão ecológica da história embasando cientificamente o tema da neutralidade das práticas conservacionistas; da doutora em Ecologia Cátia Torres Ribeiro, analista Ambiental do Ibama; do historiador e arqueólogo Fabiano Lopes de Paula, Superintendente do Iphan; de Maurício Andrés Ribeiro, assessor da Agência Nacional das Águas – ANA e do pesquisador em Geomancia, Franklin Frederic. Além do especialista Célio Valle, diretor de Biodiversidade do IEF/MG que falou sobre a formação de corredores ecológicos com as unidades de conservação.
Luiz Márcio Haddad Pereira, presidente da Fundação Biodivésitas, diretor do Sebrae/MG apresentou um estudo detalhando a importância da Geração de Aspectos Ambientais na formação da Reserva da Biosfera.


A ONG que deu certo


Os pilares da estruturação da ONG Sociedade Amigos do Tubuleiro – SAT são dois grupos fundamentais que conseguem mobilizar e transformar. De um lado, a contribuição acadêmica de estudiosos que trazem o conhecimento científico. E de outro, o senso comum, originado pela sabedoria da comunidade organizada. A SAT tem atingido resultados relativamente rápidos graças a esta fórmula mista de trabalho. “Não adiantaria nada ter uma visão científica, com conceitos muito bem elaborados, e não apreender o saber popular para estruturar uma linguagem apropriada. Alguns de nós viemos de outra cidade e não seríamos aceitos pela comunidade que conhece muito mais a realidade do município onde está nosso objeto de trabalho. Sem a mobilização popular, a ação não seria efetiva”, afirma o empresário e ativista Carlos Eduardo Teixeira Nery, Cadu.
O primeiro interesse foi pela cachoeira do Tabuleiro porque se reconheceu ali uma notória importância e, de certa maneira, uma sacralidade. Por isso eles trabalham cada vez mais este tema. “Foi a forma como ela (a cachoeira) nos impressionou, tocou dentro da gente. Entendíamos que era uma coisa que tinha de ser mantida daquela forma porque era algo precioso, uma coisa única na criação”, afirma.
O entusiasmo desse pessoal acabou por envolver uma parte da classe política, por meio de deputados e secretários de Estado, e da classe jornalística da época, tanto que as primeiras reuniões foram no Sindicato dos Jornalistas em Belo Horizonte.  Eles conseguiram muitos contatos com ambientalistas, após várias publicações na imprensa sobre a cachoeira e o trabalho da SAT. “Tudo isso com o patronato do embaixador Zé Aparecido que sempre foi um homem de visão aguda para a inovação, tanto na cultura como na visão humana, e captou com sensibilidade a idéia, apoiando os eventos”, afirma o secretário Municipal de Meio Ambiente e Turismo Luiz Cláudio Ferreira de Oliveira, diretor de Comunicação da SAT.
Segundo ele, esta mobilização possibilitou além da criação do evento Semana Ecológica, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental – Codema, e todo o programa de ações ambientais e turísticas que hoje ocorrem no município.
Os movimentos envolveram principalmente a comunidade que se identificou com as ações. “A associação comunitária do Tabuleiro foi uma das primeiras propostas porque queríamos conservar a cultura das pessoas, organizando seus interesses comuns, menos difusos”, lembra o mestre em Biologia Miguel Ângelo, diretor de Meio Ambiente da SAT.


Visão geosistêmica
O pessoal da SAT não imaginava que o trabalho estava só começando. Para a criação do parque, eles fizeram várias incursões para levantar diagnósticos geomorfológicos e biofísicos que os levaram a conhecer a fundo a região. Então descobriram mais de cem cachoeiras, como a Rabo de Cavalo, o Peixe Tolo, o Roncador. Enfim, conheceram a serra do Intendente como um todo e perceberam a importância de torná-la uma Área de Proteção Ambiental – a APA do Intendente, que foi a segunda Unidade de Conservação alcançada.  A SAT parte agora para nova empreitada: conservação de toda a Cadeia do Espinhaço.
Gestão integrada
O trabalho através de um gestão integrada é a proposição da SAT. O conceito engloba a participação ativa de todos os membros da organização e da comunidade que deve apontar o diagnóstico dos problemas e sugestões, para depois se discutir as soluções baseando-se em conceitos acadêmicos de gerenciamento e articulação. O processo de linguagem desenvolvido pela SAT é resultado de uma leitura dos valores simbólicos e uma inserção nos conceitos de informação em tempo real para que se torne acessível à comunidade. “Temos de falar a mesma linguagem da comunidade local, considerando os valores simbólicos, para que a mensagem seja apreendida emocionalmente”, afirma Cadu. Daí a questão do resgate das visões ancestrais dos povos que constituíram a nossa sociedade.
Este modelo está na proposta que a   SAT fez para o Projeto Petrobras Ambiental e consiste na gestão dos recursos hídricos com Unidades de Conservação e sustentabilidade efetuada pelas comunidades.


O saber sagrado


Os relatos dos usos e do ritual da aproximação da terra com o sagrado foram a contribuição dos representantes da cultura indígena. Aylton Krenak, assessor especial para Assuntos Indígenas do Governo do Estado, diretor do Núcleo de Cultura Indígena, falou sobre Krenak Nak erehê – Os “Cabeça da Terra na Terra Boa”. Ele contou a história dos botocudos, nação indígena que habitava a região, suas tradições de mitos. O que era a terra sagrada e a água como espírito expresso.
O remanescente da tribo matogrossense Marcos Terena, articulador dos Direitos Indígenas no Comitê Intertribal e coordenador da Conferência Indígena na RIO}92, falou sobre as diversas visões míticas dos povos indígenas da nação brasileira. E o pahi  da tribo guarani em São Paulo Kaká Werá Jecupé, diretor do Instituto Arapoty, abordou a sacralidade inerente aos elementos da natureza, na visão dos índios. “O Saber Sagrado – Memória Ancestral”.
 Na  tradicional caminhada até a cachoeira do Tabuleiro, os participantes do encontro  assistiram à integração de culturas ancestrais com a apresentação da Marujada, um grupo de dança folclórica oriunda dos escravos negros que trabalharam na colonização de nossa terra e desenvolveram, por influência portuguesa dos Bandeirantes, a devoção por Nossa Senhora da Conceição, a Virgem que abençoou as águas. A seu modo, os índios fizeram a Dança das Águas que eles chamam de Canto da Cachoeira. Em seguida, o Ritual de Consagração das Águas. Tudo em  meio ao fantástico cenário natural do Parque do Tabuleiro.
O encerramento da 9a Semana Ecológica foi celebrada em um culto ecumênico no Parque Municipal do Salão de Pedras, com participação do pároco local, o pastor evangélico e representantes das tribos krenak, maxacali e guarani. 


O Tabuleiro de Deus e dos homens


O prefeito Zé Fernando quer fazer o maior parque municipal do Brasil
 e transformá-lo em Patrimônio Natural da Humanidade


Da redação
Monumental paredão de quartizito forma um coração gigante, maciço, alimentado por uma artéria que nasce no cerrado, percorre vegetação rasteira, arbustos, sempre vivas… para enfim cair de uma altura de 273 metros, cortando-o ao meio. Um espetáculo da natureza chamado Tabuleiro. A maior cachoeira de Minas Gerais, e terceira maior do País, é de uma beleza tamanha que comoveu o estudante de direito, José Fernando Aparecido de Oliveira. Acabou por mudar o rumo de sua carreira, levando-o a ser prefeito de sua cidade, Conceição do Mato Dentro. Tudo começou há dez anos com a criação da ONG Sociedade dos Amigos do Tabuleiro – SAT, para proteger da depredação humana a área que abriga a cachoeira. Zé Fernando foi levado para a vida pública por seu pai, o
Embaixador e ex-ministro da Cultura, José Aparecido de Oliveira. Também por um grande coração que abrigou toda luta e toda esperança de preservar a mais bela biodiversidade de Minas Gerais que está na região do entorno da cachoeira do Tabuleiro e na Serra do Cipó que ele quer ver transformados em Patrimônio Natural da Humanidade


Folha do Meio – Como foi a sua entrada no movimento ambientalista?
Zé Fernando – Na verdade as coisas aconteceram ao contrário. Foi o movimento ambientalista que surgiu dentro de mim, há dez anos, quando participava das reuniões de um grupo de estudos sobre ecologia e meio ambiente, na Casa dos Jornalistas em Belo Horizonte. Trouxemos a discussão para a nossa realidade em Conceição do Mato Dentro e percebemos a necessidade de criar um parque ecológico no entorno da cachoeira do Tabuleiro. Aí eu pensei na Semana Ecológica como instrumento de mobilização para desenvolvermos a idéia do Parque, que foi o marco da SAT para a cidade e que contou com a fundamental ajuda do secretário de Estado José Carlos Carvalho, a quem eu devo eterno agradecimento pela concretização deste sonho.
Essa primeira Semana Ecológica tinha o objetivo de plantar as sementes de uma consciência de preservação que se desenvolvesse na comunidade local, prolongando a idéia para além daqueles sete dias, e que acabou alcançando conquistas ainda mais significativas como por exemplo, a implantação do Codema de forma deliberativa, a criação da ONG SAT, das APAs do Intendente e do Parque Salão de Pedras e o Parque do Tabuleiro o maior parque ecológico municipal do Brasil que ainda, acreditem, terá o título de Patrimônio Natural da Humanidade.
Na primeira Semana Ecológica fizemos os cartazes a mão, trouxemos, no meu carro, 500 mudas de árvores de mata nativa. Promovemos debates que eram transmitidos ao vivo pela Rádio Bom Jesus. O Maurício Andrés, hoje assessor da ANA, foi o primeiro palestrante dessa Semana Ecológica e nos ajuda até hoje. No último dia, fizemos uma caminhada com o mutirão da limpeza e levamos a dona Agripina, de 70 anos, que nunca tinha conhecido a cachoeira, mesmo sendo moradora do povoado desde que nasceu. Ela se tornou uma grande aliada do movimento ambiental que estávamos criando.


FMA – Qual o envolvimento de sua administração com o meio ambiente?
Zé Fernando – A inclusão da educação ambiental como disciplina obrigatória no currículo escolar das escolas públicas municipais. Porque começamos um trabalho de base. Depois vem a criação dos dois parques ecológicos. Investimos no saneamento básico com implantação de mais de 15km de rede de esgoto e duas estações de tratamento de esgoto. Teremos em breve dois distritos com 100% de esgoto tratado e ainda a sede do município, banhado pelo rio Santo Antônio.
A implantação da Agenda 21 é um marco para a nossa administração, visto que, dentre 34 projetos de todo o Brasil, apenas sete foram aprovados em Minas Gerais e a Conceição foi o único lugar que conseguiu aprovar um projeto de Prefeitura Municipal sobre educação ambiental e gestão das águas.
FMA – Neste contexto de conservação ambiental, o que representa a pavimentação da rodovia MG-10, cortando a Serra do Cipó?
Zé Fernando – A MG-10 já é conhecida como a primeira rodovia ecológica de Minas, obedecendo às normas ambientais e respeitando todo o patrimônio natural por onde passa. Ela atravessa o Parque Nacional da Serra do Cipó e está sendo construída com espírito de inovação reconhecido em todo o país. A rodovia vem incrementar ainda mais o turismo regional da maneira que deve ser: sustentável.


Parque do Tabuleiro
Expoente maior da biodiversidade mineira


Mais de 3 mil hectares de área verde, espécies vegetais raras e remanescentes da Mata Atlântica. A vegetação adaptada à altitude de 1.500 metros varia entre campos rupestres, mata de galeria, capões e campos de altitude. O Parque Natural Municipal Ribeirão do Campo, mais conhecido como o Parque do Tabuleiro, está sendo estudado pelo departamento de botânica da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, que está fazendo seu inventário biológico. Foram coletadas até o momento mais de 1.600 espécies de plantas, tendo sido identificadas apenas 345 delas. Muitas espécies são inéditas, pois ainda não têm registro nos livros científicos. De acordo com os botânicos, o parque
apresenta uma rara biodiversidade, como nunca se viu em Minas Gerais, pois concentra o maior número de espécies por área. Muitas dessas espécies estão ameaçadas de extinção.  Também foram encontradas espécies endêmicas, que só existem nessa região.


Os biólogos da UFMG fizeram o levantamento da herpetofauna (anfíbios répteis) que detectou, até o momento, 37 espécies, a maioria endêmica. Foram catalogadas ainda 86 espécies de pássaros silvestres. Os resultados foram apresentados no Congresso Nacional de Botânica, em Belém.
O ambiente é propício à prática de esportes de aventura como rapel, escalada e, para quem é mais pé no chão, o treking – caminhada. O visual é tão paradisíaco que já estrelou no horário nobre da TV aberta, como cenário de propaganda comercial de pick-ups importadas, fazendo off-road.
Para criação da sede do Parque do Tabuleiro, foram investidos R$400 mil, liberados pelo Ministério do Meio Ambiente. A estrutura vem dar apoio à população, segurança e conforto aos visitantes com guarita de fiscalização e controle, estacionamento, área de camping com banheiros e estação de tratamento de esgoto local. E ainda área administrativa e um Centro de Educação Ambiental com auditório para palestras e treinamentos para o público.
“O parque vem organizar e ampliar o fluxo de turistas no Tabuleiro, fazendo com que a comunidade participe do crescimento, através dos serviços adequados de comércio”, afirma o secretário Municipal de Meio Ambiente e Turismo Luiz Cláudio Ferreira de Oliveira. Os comerciantes estão investindo no distrito, tanto que já surgiram novas pousadas e restaurantes. Para atender melhor o turista a Prefeitura Municipal oferece palestras e cursos em parceria com o Sebrae/MG.
O ministro do Turismo Walfrido dos Mares Guia reconhece a dimensão do projeto e ficou admirado ao ver a cachoeira do Tabuleiro, no primeiro dia da 9ª Semana Ecológica quando visitou a obra da sede do parque. “Estou certo de que Conceição desponta como um dos mais promissores destinos de ecoturismo do país”, afirmou. Ele já se prontificou a atender à reivindicação de melhorar as condições da trilha de acesso à cachoeira. E ainda, garantiu a montagem de um receptivo turístico e um pórtico para a cidade. 
Agora falta o investimentos para regularizar a questão fundiária que já tem todos os levantamentos realizados pelo Instituto de Terras do Estado de Minas Gerais – Iter. São necessários R$300 mil para desapropriar 600 hectares de área. Só assim, a proteção ambiental será efetivada no Parque do Tabuleiro.