ESTATUTO DO HOMEM

23 de abril de 2004

(Ato Institucional Permanente)


Santiago do Chile, abril de 1964
   



                                          (dedicado a Carlos Heitor Cony)
 
   Artigo I
 
   Fica decretado que agora vale a verdade.
   agora vale a vida,
   e de mãos dadas,
   marcharemos todos pela vida verdadeira.
 
 
   Artigo II


   Fica decretado que todos os dias da semana,
   inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
   têm direito a converter-se em manhãs de domingo.
 
 
   Artigo III
 
   Fica decretado que, a partir deste instante,
   haverá girassóis em todas as janelas,
   que os girassóis terão direito
   a abrir-se dentro da sombra;
   e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
   abertas para o verde onde cresce a esperança.
 
 
   Artigo IV
 
   Fica decretado que o homem
   não precisará nunca mais
   duvidar do homem.
   Que o homem confiará no homem
   como a palmeira confia no vento,
   como o vento confia no ar,
   como o ar confia no campo azul do céu.



           Parágrafo único:
 
           O homem, confiará no homem
           como um menino confia em outro menino.
 
 
   Artigo V
 
   Fica decretado que os homens
   estão livres do jugo da mentira.
   Nunca mais será preciso usar
   a couraça do silêncio
   nem a armadura de palavras.
   O homem se sentará à mesa
   com seu olhar limpo
   porque a verdade passará a ser servida
   antes da sobremesa.
 
 
   Artigo VI
 
   Fica estabelecida, durante dez séculos,
   a prática sonhada pelo profeta Isaías,
   e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
   e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
 
 
   Artigo VII


   Por decreto irrevogável fica estabelecido
   o reinado permanente da justiça e da claridade,
   e a alegria será uma bandeira generosa
   para sempre desfraldada na alma do povo.
 
 
   Artigo VIII
 
   Fica decretado que a maior dor
   sempre foi e será sempre
   não poder dar-se amor a quem se ama
   e saber que é a água
   que dá à planta o milagre da flor.
 
 
   Artigo IX


   Fica permitido que o pão de cada dia
   tenha no homem o sinal de seu suor.
   Mas que sobretudo tenha
   sempre o quente sabor da ternura.
 
 
   Artigo X


   Fica permitido a qualquer pessoa,
   qualquer hora da vida,
   o uso do traje branco.
 
 
   Artigo XI
 
   Fica decretado, por definição,
   que o homem é um animal que ama
   e que por isso é belo,
   muito mais belo que a estrela da manhã.
 
 
   Artigo XII
 
   Decreta-se que nada será obrigado
   nem proibido,
   tudo será permitido,
   inclusive brincar com os rinocerontes
   e caminhar pelas tardes
   com uma imensa begônia na lapela.



           Parágrafo único:
 
           Só uma coisa fica proibida:
           amar sem amor.
 
 
   Artigo XIII
 
   Fica decretado que o dinheiro
   não poderá nunca mais comprar
   o sol das manhãs vindouras.
   Expulso do grande baú do medo,
   o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
   para defender o direito de cantar
   e a festa do dia que chegou.
 
 
   Artigo Final.
 
   Fica proibido o uso da palavra liberdade,
   a qual será suprimida dos dicionários
   e do pântano enganoso das bocas.
   A partir deste instante
   a liberdade será algo vivo e transparente
   como um fogo ou um rio,
   e a sua morada será sempre
   o coração do homem.


  Thiago de Mello
Santiago do Chile, abril de 1964


 


 


(veja agora a poesia de Santo Souza) 


 


DECRETO-LEI n. 13


 


 


Santo Souza


 


 


PESCADORES, camponeses, mineiros e tecelãs (condutores de cansaço, desespero e madrugadas);


 


e operários – doadores de força, vida, agonias


e suor para o cimento


das soberbas construções,


 


Depois de muito lutar,


depois de muito sofrer;


 


CONSIDERANDO que a terra, na magia de seus atos transforma em frutos e seiva o sangue vivo dos homens;


 


CONSIDERANOO que o vento, pastor das ondas do mar, é de todos os que lutam se quiserem respirar;


 


CONSIDERANDO que os rios (a mundo livre dos peixes) são de todos que têm sede nesta dura escravidão;


 


CONSIDERANDO que a noite


 (a semeadora de estrelas)


é de todos que semeiam


sementes e construções;


 


 


CONSIDERANDO, por fim,


que a lei diz textualmente


no artigo primeiro e único: “quem não trabalha não come”.


 


REVESTIDOS dos poderes


que lhes confere a Lei 13,


DE MAIO de qualquer tempo, aprovada pelo povo em assembléia,


 


DECRETAM:


 


Artigo 1 ?         Fica abolida a miséria


Nos lares todos do mundo


E os frutos vindos da terra serão para os que têm fome.


 


Artigo 2 –          Os ventos serão mantidos


À altura das mãos humanas, como símbolos maduros


Da liberdade dos homens.


 


Artigo 3 –          Os rios serão o espelho


que há de sempre refletir


as cores arco-irisadas


da total felicidade


 


Artigo 4 –          As noites serão o ventre


na imensa fecundação


da luz mansa do futuro,


da redenção dos que sofrem.


 


$ Único –           Para sossego geral,


hoje serão fuzilados:


miséria, fome, opressão, fabricadores de guerra, empresários da desordem, pilotos negros da morte destruindo gerações,


ódio, trustes, latifúndio


–  tudo e todos que ora vivem


sugando as forças do homem,


bebendo o sangue do mundo.


 


Santo Souza – Aracaju -SE