No Paraná crianças são usadas para difundir o uso de agrotóxicos
12 de abril de 2004Doutrinação de 1.200.000 jovens visa mais garantir o mercado do que promover a educação ambiental
No Paraná se desenvolve uma experiência incomum de propaganda e estímulo ao uso de agrotóxicos. Lá os professores da rede pública ensinam crianças do meio rural a usarem os pesticidas. Isto acontece dentro de uma farsa: aparentemente as crianças estão participando de um programa de educação ambiental onde se aborda a questão da saúde, meio ambiente e até cidadania. Mas, na prática, elas estão sendo doutrinadas para no futuro se tornarem consumidoras de agrotóxicos. Uma exótica parceria entre o governo do estado do Paraná e as indústrias fabricantes de agrotóxicos garante a doutrinação sistemática das crianças.
O “Programa Agrinho”, seu nome oficial, no ano passado catequizou 1 milhão e duzentas mil crianças e adolescentes da rede pública de 310 municípios. Durante o ano de 1999 elas aprenderam sobre “tríplice lavagem”, um modo de tratar as embalagens de agrotóxicos descartadas. Desde 1996, quando foi criado o programa, que elas aprendem um aspecto do uso dos agrotóxicos. Ou seja, não se questiona o uso dos agrotóxicos nas lavouras, mas como usá-los. Desta vez aprenderam como resolver um problema criado pelos fabricantes: qual o destino das embalagens descartadas. A jogada de marketing dos fabricantes foi a tríplice lavagem, uma “solução ecológica” para o problema.
O tema “Por que fazer a tríplice lavagem?” veio embutido num programa que abordava outros temas de caráter importante, como:
“Adolescência, sexualidade e amor (saúde jovem)”;
“Dentes saudáveis, criança feliz (odontologia preventiva)”;
“Praticando a cidadania na escola (cidadania)”;
“Saúde na família (saúde)”;
“Por que a água é um recurso natural renovável mas limitado (água)?”;
“A sobrevivência do homem depende da biodiversidade (biodiversidade)”;
“O que você pode fazer para evitar o efeito estufa (clima)”;
e “Qual a importância do solo para o equilíbrio ambiental (solo)?”.
Fortuna de prêmios
No ano passado, 18.143 professores da rede escolar atuaram em defesa dos interesses dos fabricantes de agrotóxicos. Depois de treinados, receberam vasto material “pedagógico” sobre os temas que foram abordados nas salas de aula durante o ano letivo. Tiveram liberdade para trabalhar os temas da forma que achassem mais conveniente. No final, as crianças fizeram redações que concorreram a prêmios. Se o aluno é premiado o professor também é. Em 1999 foi uma fartura de prêmios: 10 automóveis Pálio 0 Km, 90 televisões, 90 aparelhos de som, 45 microondas, 45 bicicletas, 10 computadores, 9 cursos de informática, e 9 CD Rom educativos.
Quem paga tudo isso? Conforme Patrícia Lupion Torres, (filha do deputado fedral Abelardo Lupion, PFL-PR), funcionária do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural no estado do Paraná, (Senar/PR) e coordenadora do Programa Agrinho, o custo total do programa é de R$ 2,4 milhões. Metade do custo do Agrinho é financiado pelas indústrias fabricantes de agrotóxicos: Bayer, Novartis, Dow AgroScience, Jacto, Milenia, Du Pont, Hokko, e pela entidade que reúne todas elas, a Associação Nacional de Defesa Vegetal, Andef.
A outra metade é dinheiro público, do Senar. Sem contar a rede pública de ensino, que é disponibilizada para o trabalho, e mais funcionários da Secretaria de Agricultura e da Secretaria do Meio Ambiente.
Um programa para as crianças do campo
O Agrinho surgiu em 1996 como um projeto piloto para tratar unicamente de agrotóxicos. Seu objetivo era claro: fazer com que as crianças se acostumassem com os venenos na lavoura, preparando-as para que no futuro se tornassem um mercado dócil e sem alternativas. Isto já dentro das escolas da rede pública, numa parceria do governo do Paraná com as indústrias de venenos. No ano seguinte, sempre com o apoio do governo do estado, a indústria de pesticidas cristalizou a farsa, ocultando suas intenções com a incorporação de novos temas de estudo: “educação ambiental” e “saúde”. Em 1998 o Agrinho -promotor de vendas de venenos – já “estava preocupado” até com as cáries das crianças.
O Agrinho hoje está definitivamente incorporado ao currículo de crianças de 7 a 14 anos da rede pública do estado. Agrinho é um personagem, um garoto de 9 anos, que tem como companheira inseparável sua irmã, Aninha. Eles estão em histórias em quadrinhos, jogos e passatempos.
O Agrinho é ministrado juntamente com as matérias do cursos normal das escolas estaduais e municipais do Paraná. O Senar/PR, coordenador do programa, promove o treinamento dos professores, que recebem material específico. Cada aluno também recebe uma cartilha. Os professores assumem o compromisso de trabalhar 36 horas semanais os conteúdos, de forma transversal.
São promovidos dois concursos: um de redação, para as crianças, e um de experiência pedagógica (um relatório do professor sobre como trabalhou o material recebido). Se a criança é premiada o professor também é. Todo mundo se interessa porque os prêmios são ótimos. Em 1999, as crianças participaram com quase 9 mil redações.
Summary Children Used in Promoting the Use of Agrotoxins In Parana, an unusual form of advertisement is being used to promote the use of agrotoxins. There, teachers in the public school system are teaching children primarily from rural communities how to use pesticides. This is only one part of a farce: the children are supposedly participating in an environmental program that addresses the issues of health, the environment and even citizenship. At least in theory. But in reality what is happening is that the children are being indoctrinated at a young age so that they will become users of agrotoxins in the future. This very unusual partnership between the State government of Parana and the manufacturers that make toxic agrochemicals ensures a systematic indoctrination of these children. Last year Programa Agrinho (The Young Agriculturalist Program) instructed 200,000 children and adolescents in the public education system, from 310 municipalities. During 1999, they learned about the “triple wash technique”; a way of handling discarded agrotoxin packaging. Since the beginning of the program in 1996, children have been taught primarily about one aspect of using agrotoxins. Or be it, they have learned not to question nor criticise the use of agrotoxins in agricultural practices, but rather how to use them. In 1999, they (the children) addressed a problem created by the manufacturers themselves—“Where do discarded packages end up?” The marketing move was designed to introduce the triple wash technique as an “ecological solution” to the problem. “Agrinho does not encourage the use of agrotoxins,” replies Simone Weber Polak, an agricultural engineer, who is a health inspector for the Department of Supervision of Sanitary Control of Parana’s Secretary of Agriculture and Food Provision. In her opinion, triple washing is favorable in solving an already-existing problem. “The partnership with the manufacturers occurs because there’s a problem that the manufacturers want to solve, “ says Simone, who participated in the judging committee that selected the best essays written about the issue last year. But when asked if the Secretary currently had a program to reduce the use of agrotoxins, her response was no. She further stated that Agrinho addresses the appropriate use of agrotoxins and not the substitution for something more environmentally friendly. Regardless of this, Agrinho is a success, according to Simone. Even more enthusiastic about the program than Simone, is Alcyone Saliba, Secretary of Education for Parana State. “Our goal is to double what we did in ’99, and to reach 100% of all primary and secondary students in the State by the end of 2000,” says Alcyone. In her opinion, the partnership with manufacturers who produce pesticides benefits everyone. “We need to put an end to this fear we have,” she says. “The very companies that create pollution are interested, for economic and marketing reasons, in promoting the clean-up of the environment. If these companies do not help out, the pollution problem will only continue.” Yet according to Sebastiao Pinheiro there’s another side to the story. “Andef is playing dirty. It is using children to spread a type of pornography. They (the manufacturers) are preparing a future market by training children to accept the use of agrotoxins. And all this is being presented as public protection policy. Under the sanction of the Public Ministry, the governments, and Embrapa. This is immoral!” Distortion The Public Ministry has already closely examined the program. The district attorney of the environment for Parana State, Cynthia Maria de Almeida Pierre, informed that the May ’99 report about Programa Agrinho reveals some truths. “The title of the student manual ‘Agrinho Defends Nature’ is misleading as to what its contents are. In reality, the manual supports the use of agrotoxins. They (the manufacturers) claim that agrotoxins are the only form of control, when in fact, they’re not.” Cynthia continues by saying, “We have come to the conclusion that this educational material is inappropriate because it defends the use of agrotoxins, instead of orienting children and adolescents to never use these products.” Is this a crime? “No,” says the attorney. The outcomes of the report will be forwarded to Senar/PR for further examination. |
A matéria na íntegra você encontra na edição de janeiro/fevereiro-2000 da Folha do Meio