De volta o fantasma da intervenção externa
19 de abril de 2004Crise na Colômbia sinaliza que a hora é própria para o resgate do abandonado projeto Calha Norte
O agravamento da crise na Colômbia, com o fracasso das negociações entre o presidente Andrés Pastrana e os grupos guerrilheiros, a ofensiva dos grupos paramilitares de direita e o aumento da atividade do narcotráfico, trouxe de volta o fantasma de uma intervenção externa na Amazônia.
A preocupação vem sendo manifestada por parlamentares de todos os partidos que representam os Estados amazônicos no Congresso. Eles temem que um colapso no governo colombiano possa ser apresentado como justificativa para uma intervenção norte – americana no país vizinho, primeiro passo para uma regionalização do conflito.
Essa ameaça, embora venha sendo veementemente negada por Washington, levou a Comissão de Relações Exteriores do Senado, presidida pelo ex-Presidente da República, José Sarney, a convocar o Ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, para expressar o temor do Congresso de que a Amazônia venha a ser internacionalizada, sob pretexto de combater a narcoguerrilha, uma mistura de traficantes e guerrilheiros.
Sinais
Se nenhuma autoridade norte-americana confirma essa pretensão, advertências não faltam na imprensa e entre instituições nos Estados Unidos.
Segundo o The Washington Post , “a Casa Branca prepara-se para aumentar substancialmente a ajuda econômica e militar para a Colômbia como resposta ao temor de que os guerrilheiros marxistas financiados com dinheiro da droga solapem os esforços contra as drogas na região dos Andes”.
O jornal diz que Washington advertiu o presidente Andrés Pastrana de que ele poderá perder o apoio dos Estados Unidos “se fizer mais concessões aos rebeldes na tentativa de reativar as estancadas negociações de paz”.
Os americanos não escondem sua decepção com a decisão do presidente colombiano de desmilitarizar uma área do tamanho do Estado do Rio de Janeiro para permitir sua tranqüila e segura ocupação pelos dois grupos guerrilheiros mais atuantes no país: as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o ELN (Exército de Libertação Nacional).
Franqueza
Mais franco e direto, o deputado republicano John Mica, foi incisivo, ao declarar ao Post , sem rodeios: “Temos um desastre no nosso quintal, e é uma situação extremamente séria, piorada pelo fechamento da Base Howard no Panamá e a Venezuela fazendo caso de nós. A questão é: vamos nos mexer tarde demais para evitar um desastre ainda maior?”.
Em relação ao Panamá, o deputado referia-se à devolução, ao governo panamenho, do Canal do Panamá, o que acontecerá no último dia deste ano, com a conseqüente desativação da base americana lá instalada. E quanto à Venezuela, reportava-se à decisão do governo de Caracas de proibir que aeronaves norte-americanas destacadas para combater a guerrilha colombiana e os narcotraficantes sobrevoassem o território venezuelano.
Frank G. Cilluffo, subdiretor do grupo de estudos Global Organized Crime Project considera que há, na Colômbia, “uma relação simbiótica entre os guerrilheiros e os traficantes de drogas, que representa uma grave ameaça para a estabilidade da região e para a segurança nacional dos Estados Unidos”. Ele referia-se ao fato de que 60% da droga consumida pelos norte-americanos vem da Colômbia.
Lowell Fleischer, especialista em assuntos latino-americanos no Centro para Estudos Estratégicos Internacionais em Washington, considera que “existe o perigo de o conflito armado alastrar-se para outros países em torno da Colômbia, bem como a possibilidade de uma escalada de conflitos entre este país e os seus vizinhos”.
A favor desse argumento há a disposição manifestada pelo presidente venezuelano Hugo Chávez de entrevistar-se, em território da Venezuela, com líderes da guerrilha colombiana, apesar da clara oposição do presidenteAndrés Pastrana.
Preocupação
São essas reações, que têm uma inegável repercussão na opinião pública norte – americana que preocupam os congressistas brasileiros, a despeito das garantias oferecidas, tanto por autoridades de Washington como de Bogotá, de que nada disso acontecerá.
O senador Gilberto Mestrinho, que por duas vezes foi governador do Amazonas lembra que, no tempo da guerrilha colombiana do M-19 o local para onde fugiam os guerrilheiros era o território brasileiro, na região do Traíra, afluente do Alto Solimões.
Segundo Mestrinho, “lá se misturavam o tráfico, o garimpo e uma série de atividades preocupantes para o Brasil”. Lembra o senador que as forças armadas fizeram uma incursão na região da Cabeça do Cachorro, na fronteira com a Colômbia perto da cidade colombiana de Mitu, “quando os guerrilheiros praticamente tomaram essa cidade”. Segundo Mestrinho, “o Brasil teve que fazer uma intervenção armada e houve até mortes”.
Mas as autoridades colombianas parecem não compartilhar com essas preocupações. O chanceler Guillermo Fernández de Soto nega que os Estados Unidos estejam oferecendo à Colômbia um pacote de ajuda de US$ 3 bilhões, em troca do compromisso de endurecer com a guerrilha e combater mais fortemente o narcotráfico. De qualquer forma, este ano a Colômbia receberá uma ajuda de US$ 289 milhões, quase o dobro do que recebeu no ano passado.
Por sua vez, o embaixador da Colômbia em Brasília, Mário Galofre Caño, diz que tráfico e guerrilha são dois problemas distintos em seu país. Para combater os narcotraficantes a Colômbia necessita da cooperação dos países vizinhos, porque é através das fronteiras, especialmente do Brasil, que chegam os insumos para a fabricação de drogas e sai a cocaína produzida. Já a guerrilha é um “problema político” que cabe ao governo colombiano resolver.
Proteção
As lideranças da Amazônia no Congresso querem que o Brasil proteja mais fortemente suas fronteiras e fique longe de qualquer ingerência com o problema do governo colombiano e da guerrilha.
Mestrinho diz que os guerrilheiros colombianos não são propriamente uma ameaça à segurança nacional no Brasil, mas lembra que quase toda a região é zona indígena, de difícil acesso, “e é muito fácil que nossos índios sejam usados para a produção do epadu, planta típica da região, que faz parte de seu ritual religioso”.
Do epadu se extrai um produto semelhante à coca, mas de qualidade superior. Planta de sombra, o epadu nasce e cresce debaixo das árvores da floresta amazônica, sendo de difícil identificação, a não ser que o local da plantação seja alcançado por terra.
Em 1996 – lembra o senador amazonense – as forças armadas e a polícia federal descobriram na fronteira com a Colômbia uma plantação de 50 mil pés de epadu, aparentemente bem protegida no meio da floresta.
Em decorrência das pressões do Congresso, um contingente de 120 policiais federais, sob o comando do delegado Mário Spósito, que já foi superintendente da PF no Amazonas, deslocou-se para a região de fronteira com o objetivo de detectar possíveis invasões de guerrilheiros ou narcotraficantes colombianos.
Apesar de representar um avanço – antes, o maior grupo de policiais que trabalhou na área era de vinte agentes – ainda é pouco, tendo em vista os 1.600 quilômetros de fronteira que divide os dois países, e que se localizam inteiramente no Estado do Amazonas.
Resgate do Calha Norte
O momento é propício para uma tentativa de resgate do abandonado Projeto Calha Norte, uma herança dos governos militares, cujo objetivo é montar uma infra – estrutura de segurança numa extensa região da fronteira norte do país, abrangendo uma área duas vezes maior do que a França.
Segundo o senador Bernardo Cabral, do PMDB do Amazonas, o Programa Calha Norte foi praticamente extinto, quando o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão negou-se a incluir dotações para ele no Plano Plurianual de investimentos para o período de 2000 a 2003.
Também não foram alocados recursos para o Calha Norte no Orçamento Geral da União para este ano, nem para o que vai vigorar no ano 2000, cujo projeto já foi remetido ao exame do Congresso pelo Presidente da República.
Mas o senador Gilberto Mestrinho promete reagir. Como presidente da Comissão Mista de Orçamento, que examinará a lei de meios do próximo ano, ele promete alocar recursos para o Calha Norte, ainda que tenha de retirá-los de outros projetos. O senador não se conforma com a extinção do programa por uma decisão de técnicos da área de orçamento.
Os recursos previstos para o Calha Norte nos orçamentos dos próximos três anos foram absorvidos pelo Programa de Desenvolvimento Social na Faixa de Fronteira, também importante, mas sem o valor estratégico e, sobretudo, de segurança, do Programa Calha Norte.
Cooperação Brasil – EUA
Em seu depoimento na Comissão de Relações Exteriores do Senado, o chanceler Luiz Felipe Lampreia negou que a situação na Colômbia possa representar um cenário de ameaça territorial ao Brasil, ou ameaça regional.
Lampreia disse ter recebido do general norte-americano Barry McCaffrey, responsável direto pela agência norte-americana de combate às drogas, garantias de que não há qualquer hipótese de intervenção militar direta dos Estados Unidos na Colômbia.
O chanceler disse também que o governo brasileiro não acredita que qualquer intervenção externa na Colômbia possa produzir resultados positivos. O Brasil, segundo o chanceler, admite cooperar com a Colômbia no combate aos narcotraficantes e os guerrilheiros das Farc e do ELN, porém sem a participação de tropas.
Simultaneamente, o governo brasileiro está estreitando a cooperação com os Estados Unidos nessa área. Representantes da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) e agentes americanos pertencentes aos quadros da agência do governo americano de repressão ao tráfico, a DEA, que atuam no Brasil, vão se reunir a cada quinzena para discutir estratégias de atuação conjunta.
Essas reuniões serão coordenadas pelo titular do Senad, Walter Maierovitch e pelo novo encarregado de negócios da embaixada americana, Gerard Galucci.
Com seus oito agentes no Brasil, a DEA vai integrar forças-tarefa antidrogas, compostas de agentes da Polícia Federal, Receita, Ministério Público e Forças Armadas que atuarão nas áreas de entrada de drogas em território brasileiro. A ajuda norte-americana também será ampliada, devendo chegar a US$ 1,5 milhão até o final do ano, perfazendo US$ 4 milhões desde 1996.
O estreitamento da cooperação Brasil – Estados Unidos nessa área foi definido a partir de uma reunião do general McCafrey com o Presidente Fernando Henrique Cardoso em agosto último, quando da visita do militar a Brasília, à qual estava presente o chefe da Casa Militar, general Alberto Cardoso.