Biologia da Conservação: a ciência que nasceu da crise

19 de abril de 2004

  O fato é que poucas áreas do conhecimento conseguiram firmar-se em tão pouco tempo. Em menos de 20 anos, a Biologia da Conservação tornou-se uma das ciências mais conhecidas no meio acadêmico. Possuiu uma revista científica conceituada, uma bibliografia frequentemente citada e uma atuante sociedade científica. Nos Estados Unidos, 67 universidades já oferecem um… Ver artigo







 


O fato é que poucas áreas do conhecimento conseguiram firmar-se em tão pouco tempo. Em menos de 20 anos, a Biologia da Conservação tornou-se uma das ciências mais conhecidas no meio acadêmico. Possuiu uma revista científica conceituada, uma bibliografia frequentemente citada e uma atuante sociedade científica. Nos Estados Unidos, 67 universidades já oferecem um curso de Biologia da Conservação e o número está crescendo.


O que aconteceu nesse curto período para permitir esse espantoso crescimento? Nas décadas de 60 e 70, uma verdade dura tornou-se óbvia para os ecólogos. Ecossistemas em todo o mundo estavam rapidamente desaparecendo, incluindo aqueles nos quais esses pesquisadores desenvolveram suas pesquisas de mestrado e doutorado. Resultado de milhões de anos de evolução, a biodiversidade do planeta estava sendo rapidamente aniquilada. Os esforços dos ambientalistas — voltados principalmente para as espécies mais carismáticas, água e solo — eram pouco frutíferos.


A proposta da Biologia da Conservação é olhar um problema antigo, a degradação do meio ambiente natural, com um enfoque novo, que utiliza a contribuição de outras áreas do conhecimento para lograr objetivos de conservação da natureza. Os ecólogos descobriram que estamos à beira da maior extinção em massa de espécies desde que os dinossauros desapareceram da Terra há 65 milhões de anos. Os Biólogos da Conservação querem fazer algo a respeito antes que seja tarde. “Biologia da Conservação é uma disciplina da crise”, disse Michael Soulé, da Universidade da Califórnia, considerado um dos pais da nova área.


No caráter eclético e multidisciplinar reside a essência da Conservação da Biologia. Ela recebe contribuições de áreas tão diferentes como a genética molecular, biogeografia, filosofia, ecologia de paisagens, políticas públicas, sociologia, biologia de populações e antropologia.


Outra característica é a existência de valores. A maioria das áreas científicas apresenta-se como “isenta de valores”. Isso não é bem verdade. Por mais imparciais que queiram apresentar-se, cientistas possuem valores e são influenciados por eles na busca pelo conhecimento científico. No caso da Biologia da Conservação, os valores são claramente anunciados: sua “missão” é conservar os ecossistemas naturais e processos biológicos. A biodiversidade não é apenas um objeto de estudo, mas um bem a ser protegido.


Em termos práticos, talvez o principal contraste entre os biólogos da conservação e os demais cientistas seja a coragem de tomar decisões. Muitas vezes os cientistas, por não poderem estabelecer categoricamente uma relação de causa e efeito, deixam de sugerir medidas acautelatórias. No meio ambiente, porém, os riscos da inércia podem ser maiores que os riscos de uma ação inapropriada. Às vezes é necessário agir sem total conhecimento de causa, já que qualquer demora pode por em risco a existência de milhares de espécies.


Por isso os biólogos da conservação são favoráveis à adoção de medidas preventivas — mesmo quando não se dispõe de todas as informações sobre um determinado problema. Um enfoque diferente da ciência tradicional, que procura eliminar todas as dúvidas e variáveis antes de propor alternativas. A receita é simples: busca-se as melhores informações disponíveis, formula-se a hipótese mais provavel e implementa-se a ação necessária. Essas hipóteses e ações podem ser depois reformuladas, à medida em que os resultados são monitorados. As conclusões são publicadas e divulgadas, como é de praxe no meio acadêmico.


Isso caracteriza uma ciência? Não é uma pergunta fácil de responder. Mas talvez a resposta também não seja importante. Qualquer que seja sua classificação, a Biologia da Conservação vem crescendo na mesma proporção que a ação humana resulta em perda de biodiversidade. Segundo a conceituada revista Nature, o boletim da Sociedade de Biologia da Conservação é uma “leitura obrigatória de ecologistas de todo o mundo”.


Em 1980, Michael Soulé lançou “Biologia da Conservação: uma Perspectiva Ecológica-Evolucionista”, juntamente com Bruce Wilcox, o livro que inspirou toda uma geração de biólogos da conservação. Em 1985, Soulé fundou a Socidade de Biologia da Conservação dos Estados Unidos. A Sociedade acaba de promover o 130 Congresso Anual na Universidade de Maryland.


O tema do Congresso, “Integrando políticas públicas e ciência em Biologia da Conservação”, tirou proveito da localização da universidade, que dista apenas meia hora da capital norte-americana. Em Washington, além do governo, encontram-se as sedes das agências multilaterais e das mais importantes organizações não-governamentais. Biólogos da conservação são cada vez mais solicitados por governos para orientar a implantação de unidades de conservação, monitorar os potenciais efeitos da introdução de espécies e estudar os efeitos ambientais do desenvolvimento econômico.


Um dado interessante do Congresso foi a expressiva participação de brasileiros, mesmo tratando-se de uma disciplina relativamente pouco conhecida no nosso país. O destaque foi para o IPE — Instituto de Pesquisas Ecológicas. Todos os anos o Congresso homenageia uma ONG que tenha contribuído para a Conservação da Biologia. O IPE foi a ONG homenageada em 1999. Seu presidente, Cláudio Pádua, recebeu a distinção. Ele também apresentou um trabalho analisando a influência de espécies ameaçadas de extinção sobre as políticas de reforma agrária, em co-autoria com L, Cullen Jr e Suzana Pádua.


Veja alguns dos outros trabalhos que foram apresentados sobre o Brasil, representando a produção científica de órgãos do governo, ONGs e universidades:


– Adriana Moreira e D. C. Nepstad examinaram como os estudos do Woods Hole e do Ipam sobre fogo na Amazônia influenciaram as políticas governamentais.


– Cláudia Azevedo-Ramos, Oswaldo de Carvalho Jr., Kemel Kalif, Paulo R. S. Coutinho e Alexandre Aleixo analisaram o efeito de desmatamento de alto e baixo impacto sobre a fauna da Amazônia.


– D. Agosti, S. Saatchi, J.H. Delabie, J. Musinsky e K. Alger discutiram a biodiversidade da mata atlântica, particularmente na região de Una, Bahia.


– D.P. Tubelis e R.B. Cavalcanti discutiram o papel das pastagens na conservação do cerrado.


– Deborah Faria e Julio Baumgarten examinaram o papel dos morcegos em áreas fragmentadas de mata atlântica.


– Gustavo Fonseca, Márcio Ayres, J. B. Thomsen e L.E. Alonso discutiram os resultados dos corredores de biodiversidade em fase de implantação pelo governo brasileiro.


– R. Pardini analisou o efeito da fragmentação da floresta sobre mamíferos terrestres da mata mtlântica do sul da Bahia.