Cem brasileiríssimas maneiras de olhar para nossos 500 anos

7 de abril de 2004

Caçadores de imagens revelam o Brasil moderno, antigo, civilizado, rico, pobre… revelam os muitos brasis dentro do Brasil

Foram três anos de trabalho. O livro Brasil – 24 horas pelo olhar de cem dos melhores fotógrafos brasileiros – que será lançado no dia 16 de dezembro no Teatro Nacional, em Brasília, registra imagens preciosas tendo como tema o jeito brasileiro de viver. Apaixonados pelo trabalho, cem dos melhores fotógrafos brasileiros ousaram redescobrir o Brasil 500 anos depois. No dia 22 de abril de 1999, uma quinta-feira, eles comemoraram os cinco séculos do país voltando suas lentes para a gente brasileira e a diversidade do país.

Foram 24 horas de trabalho contínuo, em lugares tão diferentes quanto o pampa gaúcho e a Amazônia, o pantanal e as praias do nordeste, parques nacionais e grandes metrópoles. As imagens estão num livro comemorativo dos 500 anos do Brasil, que será lançado no Palácio do Itamaraty em dezembro.

A lista dos cem fotógrafos participantes do projeto mistura diferentes estilos de trabalho e mostra o talento dos mais importantes profissionais do país. Esse exército de caçadores de imagens saiu às ruas, de norte a sul do país, a partir dos primeiros minutos do dia do 4990 aniversário do descobrimento em busca de cenas que retratam o cotidiano do povo brasileiro.

Vinte e quatro horas depois, o trabalho terminou, revelando uma explosão de diferenças: o Brasil moderno e o antigo; o país civilizado e o primitivo; o que devasta e o que conserva; o de ricos e o de pobres; o povoado e o abandonado; o de gente humilde e o dos emergentes. Na diversidade de rostos, profissões e ambientes, um retrato de corpo inteiro do Brasil.

O livro é resultado de três anos de planejamento e um ano de trabalho contínuo. Foram utilizados 1600 filmes, que resultaram em pouco mais de 61 mil imagens. A edição, realizada em duas etapas, uma regional outra nacional, reduziu o material a cerca de 200 fotos para finalização do livro. Paralelamente, uma equipe de jornalistas trabalhou na produção de legendas, que acrescentam informações e contextualizam cada fotografia.

Para Paula Simas, idealizadora e coordenadora do Projeto, “o livro é uma homenagem dos fotógrafos brasileiros aos 500 anos do país”.

Muitas imagens só foram capturadas à custa de grandes aventuras. Pedro Martinelli, consagrado profissional do fotojornalismo, empreendeu uma viagem semelhante à de Fitzcarraldo para chegar à comunidade Tucumã Rupitá, na fronteira com a Colômbia. Martinellli passou três dias numa "voadeira" – pequena canoa a motor, tendo de, algumas vezes, retirar o barco do rio e carregá-lo nos ombros, com a ajuda de populações locais, até outros trechos navegáveis dos rios amazônicos. Tudo isso para documentar a dura rotina de vida de Cláudia, uma jovem dona de casa na Amazônia. Como outras mulheres da etnia Baniwa, ela trabalha sem descanso, desde antes do amanhecer até muito depois de o sol ir embora, cuidando da roça de mandioca, dos filhos, do marido e da casa.

A fotógrafa Luciana Whitaker que mora em Barrow, no Alasca, onde desenvolve documentação sobre a vida dos esquimós e a pesca de baleias, passou as 24 horas do dia 22 de abril na Praia do Forte, na Bahia, documentando as atividades do Projeto Tamar, instituição criada em 1980 que comemorou, no segundo semestre de 1999, o nascimento da tartaruga de número 3 milhões nos ninhos que são acompanhados pelos técnicos do projeto em dezenas de praias do nordeste.

As inscrições nas pedras e os restos fossilizados de fogueiras no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, registram a presença do homem em terras brasileiras há pelo menos 48.500 anos. O fotógrafo Luiz Cláudio Marigo, um especialista brasileiro no registro da natureza, passou todo o dia 22 de abril entre as exuberantes paisagens do parque.

A gente que vive num Brasil quase esquecido, às margens do que restou da rodovia Transamazônica, foi personagem do fotógrafo J. L. Bulcão, que deixou Paris, onde atualmente trabalha para a Agência Gamma, para embarcar num ônibus que tenta, diariamente, atravessar os atoleiros entre Marabá e Repartimento, no Pará. O trecho, de 198 quilômetros, nunca é feito em menos de seis horas. Os ônibus, praticamente o único meio de transporte de passageiros da área, só têm hora certa para sair. A chegada é sempre uma incógnita. Também na Amazônia, o fotógrafo Antônio Gaudério, registrou a vida dos peões que trabalham, por um salário mínimo, derrubando a floresta.

A fotógrafa carioca Miriam Fitchner, por exemplo, esteve, no dia 22, a bordo de uma plataforma oceânica de petróleo, na bacia de Campos, onde documentou a rotina de solidão e perigo dos técnicos que buscam petróleo do fundo do Oceano Atlântico. "Uma aventura sob todos os aspectos" – diz ela, uma das mais entusiasmadas participantes do projeto Brasil 500 Anos.

Houve gente fotografando em todas as regiões do país. No Rio Grande do Sul foi possível mostrar o contraste entre o aspecto urbano e moderno de Porto Alegre e a vida bucólica dos carreteiros, pequenos agricultores que há séculos atravessam os pampas gaúchos em caravana para vender seus produtos. A colonização européia pôde ser mostrada em Santa Catarina. Em São Paulo, o papel dos japoneses na vida brasileira foi sintetizado nas imagens realizadas pelos fotógrafos Stefan Kolumban e Delfim Martins. Iara Venanzi foi em busca dos descendentes de holandeses em Holambra, a cidade paulista que produz e exporta flores. Os aspectos mais importantes do pantanal, fauna, flora e o homem pantaneiro também foram abordados. No nordeste, o artesanato, a pesca e sertanejo foram também focalizados.

O Projeto Brasil 500 Anos foi viabilizado pela Lei de Incentivo à Cultura. Custou R$ 650 mil, divididos entre a CSU Cardsystem, a Petrobrás, a Fuji Film do Brasil, a Telebrasília, a Eletrobrás, AGF Brasil Seguros, a Eletrobrás e Gráfica Ypiranga, além de contar com o aval da Comissão Comemorativa do V Centenário, formada pelo governo brasileiro para aprovar iniciativas que representem o país em seus quinhentos anos.