Cimeira do Rio pede fim às agressões ambientais

28 de abril de 2004

A sociedade civil, fora da Cimeira oficial, organizou seu próprio fórum de debates

A festa  acabou com a “Declaração do Rio”. No final da Cimeira, 48 chefes de Estado e de Governo assinaram o documento, com 69 itens, estabelecendo entre outros benefícios que a parceira das regiões deve ter como objetivo o bem-estar social e econômico dos povos; garantia que todos terão seus direitos humanos e liberdades fundamentais respeitados; estímulo e respeito à diversidade cultural e lingüistica. O item 18 (dezoito) por exemplo, propõe o fim das agressões ao meio ambiente e promoção do desenvolvimento com base no uso racional dos recursos naturais. Conservação da biodiversidade e do ecossistema global. A íntegra da Declaração do Rio é extensa e já pode ser consultada na internet.
Com reservas
No entanto, fora do palco da Cimeira, as boas intenções do texto não provocaram entusiasmo. Representantes da Sociedade Civil, do meio acadêmico e das organizações Não Governamentais (ONGs), que realizaram um Fórum paralelamente, receberam a Declaração do Rio com reservas. Os transgênicos, principal tema de debates, atualmente no Parlamento Europeu, não mereceu análises durante a Cimeira. Porém, sua condenação faz parte da Declaração do Rio de Janeiro, paralela, elaborada pelo Fórum da Sociedade Civil para o Diálogo Europa-América Latina e Caribe (veja box abaixo).
Contraste na Cimeira
O presidente cubano Fidel Castro foi a estrela da festa e será o único dos 48 chefes de Estado e de Governo a não aparecer na foto oficial de encerramento. Ele foi ao banheiro e teve que parar várias vezes para atender seus admiradores. E também foi o único a protestar, indiretamente, à Declaração do Rio, considerando antiética, injusta e injustificável a supressão de uma condenação explícita a uma Lei dos Estados Unidos anti-Cuba no documento.
Conforme noticiou a Folha de S. Paulo, foi da Alemanha a sugestão para eliminar da Declaração do Rio a condenação explícita à Lei Helms-Burton, que permite a cidadãos norte-americanos processarem na Justiça dos EUA empresas estrangeiras que façam certos tipos de investimento em Cuba.
O argumento alemão, endossado pelos outros países da União Européia, foi de que uma confrontação ostensiva com os EUA poderia ser ineficaz aos esforços diplomáticos no sentido do governo norte-americano a mudar sua Lei.
O Jornal O Globo não poupou o chanceler alemão na Cimeira. “A Alemanha brilhou pelo avesso nessa Cimeira. Um ponto que impressionou bastante os que participaram dela foi a apatia do presidência alemã. A expectativa era de que o Primeiro Ministro Schroeder a exercesse com mais pulso. Mas o que se notou foi sua posição em cima do muro, evitando tomar partido, não forçando a retração ou avanço no entendimento Brasil e França, na questão do protecionismo agrícola….”, escreveu Hildegard Angel em sua coluna.
Entretanto, a Alemanha, que era presidente da União Européia até o dia que terminou a Cúpula do Rio, fora do palco da Cimeira, foi a mais atuante dos países europeus. Conforme noticiou a Gazeta Mercantil, a passagem do Ministro de Relações Exteriores da Alemanha, Joschke Fischer, foi marcada por uma intensa agenda de contatos com organizações da sociedade civil. Ele recebeu indígenas; entidades de direitos humanos; teve encontros no Rio de Janeiro com representantes da CNBB, da Associação Brasileira de ONGs, e também, com organizações não governamentais com estreitos laços de cooperação com entidades congêneres na Alemanha –  FASE  e IBASE – e do Fórum Nacional pela Reforma Agrária.
Alem disso, a alemã Gaby Kuppers – assessora do partido Verde alemão, junto ao Parlamento Europeu, fez várias denúncias. Entre elas: o esvaziamento dos mecanismo de participação societária, causado pela globalização comandada pelo capital financeiro e pelas transnacionais divorciadas das aspirações de integração social, durante o Fórum da Sociedade Civil para o Diálogo Europa-América Latina e Caribe.
A Folha do Meio Ambiente participou do encontro e obteve uma breve entrevista com Gaby Kuppers. (veja box abaixo).


A Cimeira e o Fórum da Sociedade Civil


“ As pressões da OMC vão acabar por impor os transgênicos no mercado europeu.”
Gaby Kuppers


“Toda a criança tem de estar
na escola.”
Cristovam Buarque


“É impossível reconstruir a democracia em um mundo perversamente globalizado.”
Milton Santos


A sociedade civil deixada à margem da Cimeira-Europa, América Latina e Caribe organizou sua própria cúpula para debater também movimentos de base, sindicais e Organizações Não Governamentais (ONGs). Os debates versaram sobres temas abordados na Cimeira, mas com outro enfoque, incluindo temas que ficaram fora da pauta do encontro dos Chefes de Estado e do Governo, como transgênicos, ecologia social, miséria, reforma agrária e apartheid social.
Assim, durante dois dias, o Fórum da Sociedade Civil para o Diálogo Europa-América Latina e Caribe elaborou outra Declaração do Rio de Janeiro, num texto enxuto, contendo apenas dois parágrafos e seis considerações, destacando na última que a concentração da propriedade fundiária e de recursos vitais, como biodiversidade e água, ameaçam o capital natural de que dependem não só as gerações futuras, como numerosas comunidades e culturas locais. No final condena a produção dos alimentos transgênicos. Esse documento foi entregue ao Itamarati com a promessa de ser anexado à Declaração do Rio, oficial, assinada no final da Cimeira.
Participaram de Fórum representantes do meio acadêmico, de Organizações Não Governamentais (ONGs); Central de Trabalhadores (CUT), Organização Regional Internacional do Trabalho (ORIT), que congrega 40 milhões de trabalhadores, e 35 centrais sindicais, integrantes da Aliança Social Continental, movimento que visa fortalecer a sociedade civil, com apoio da Fundação Heinrich Boll, ligada ao Partido Verde Alemão, responsável pela iniciativa desse Fórum.


Gaby Kuppers
A alemã Gaby Kuppers – assessora do Partido Verde alemão junto ao Parlamento Europeu, em entrevista à Folha do Meio Ambiente, ressaltou que a política de investimento dos países deve ser baseada na promoção do bem estar social e ambiental. Mas, lembrou que o Parlamento Europeu não pode realizar acordos e nem negociações. Sua influência é exercida através da informação e da conscientização, possibilitando, dessa forma, mecanismo de pressão. Ela informou que a Alemanha tem destinado recursos significativos ao PPG7 e que o uso desses investimentos deveria ser questionados com todos os segmentos da sociedade, a fim de que todos sejam beneficiados.
Condenando os transgênicos, ela lembrou que o tema tem sido o de maior evidência e o mais polêmico no Parlamento Europeu. Mas, apesar de rejeitados pelos consumidores, Kuppers acredita que as pressões do OMC imponham os transgênicos no mercado europeu.
O biólogo uruguaio Eduardo Gudynas, considerado um dos maiores especialistas em ecologia social, também condenou os transgênicos, alertando que seus efeitos à saúde humana ainda não são conhecidos e que podem aparecer em gerações futuras. Para promover um desenvolvimento sustentável de fato, defendeu uma maior integração entre os países do Mercosul, denunciando absurdos, principalmente do ponto de vista ambiental, que se cometem atualmente. “Por exemplo, estão criando gado na Amazônia e plantando culturas tropicais em lugares específicos para rebanho bovino, como Argentina e Uruguai”.


Criança
Fechando com chave de ouro o Fórum da Sociedade Civil, dois destacados intelectuais brasileiros, o ex-governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque, criticando a Cimeira disse que a primeira preocupação da Cimeira deveria ser com a criança: nenhuma pode ficar sem escola. O Geógrafo Milton Santos mostrou-se otimista, apesar de dizer que é impossível reconstruir a democracia em um mundo perversamente globalizado. Ele acredita que exatamente esse fosso entre as nações ricas e pobres e o apartheid social vão impulsionar a nova edificação da sociedade, partindo de baixo. Ele não acha que a globalização seja irreversível.