Repensando o CONAMA

Está nascendo um novo CONAMA

14 de abril de 2004

Depois de 15 anos, MMA quer acabar com os pecados que esvaziaram o CONAMA

 


 


“Houve, em certa ocasião, o cancelamento de uma reunião ordinária por alegada ausência de pauta.” Este registro está lá na homepage do Ministério do Meio Ambiente, com todas as letras, no link “Repensando o Conama”. Vazio e inércia, se combinam com a ambiência burocrática, não se casam com o estado do planeta, mais do que nunca ameaçado por consumidores vorazes de recursos naturais não-renováveis. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que iniciou os seus trabalhos em 1984, conseguindo atuar na vanguarda da tutela ambiental e servindo de modelo a outros colegiados, poderá se esconder, se ausentar tanto, logo agora que está em vigor a Lei de Crimes Ambientais? Não estamos tratando de um pique-esconde de crianças, claro. Para quem ainda não sabe, o Conama é o principal órgão do Estado brasileiro que busca equilibrar as ações dos homens, adequá-las às imposições e fragilidades da natureza.


Necessidade número 1: fortalecer o Conama, recompor suas estruturas e imprimir agilidade aos seus processos decisórios. O que está em jogo, portanto, depois de um novo embaralhamento das cartas, é a divisão de tarefas que preserve o Conama no topo do Sistema Nacional do Meio Ambiente, instituído pela Lei 6.938/81. O Conselho é um dos poucos órgãos normativos, no âmbito federal, que tem um perfil democrático em seu processo de formulação de propostas e deliberações. Desde 1984, o Plenário do Conama aprovou mais de 250 resoluções e mais de 200 moções (moção é um outro instrumento de deliberação que pode versar sobre matérias ambientais de qualquer natureza). Esses números são um nada perto do que é necessário fixar de normas para fazer frente às atividades de nossa sociedade complexa, fonte de uma explosão democrática declaradamente incontrolável.


O Ministério do Meio Ambiente está coordenando este ano o Grupo de Trabalho que elabora o diagnóstico Repensando o Conama. São 5 representantes de ONGs de cada região do país, Associação Nacional dos Municípios e Meio Ambiente (Anamma), Associação Brasileira de Entidades de Meio Ambiente (Abema), Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e os ministérios da Defesa, Transportes e Meio Ambiente.


Assuntos centrais
Leia a seguir os assuntos que, até o momento, foram destacados pelos participantes do Grupo de Trabalho:



  • É ponto pacífico que o Conama deve assumir o papel de condutor no contexto da Política Nacional do Meio Ambiente. Isso implica considerar sempre a integração com as atividades de cada ministério, estados, municípios e órgãos que atuam na esfera ambiental. Como exemplo, a discussão sobre o Plano Plurianual (Avança Brasil) e os eixos de integração nacional.


  • Hoje são 72 membros a configurar a representação do Conama. Eis aqui um ponto vulnerável, onde a representatividade é posta em dúvida quando se relaciona a proporção de cada setor da sociedade. Os setores que detêm maior número de assentos (governos estaduais e federal) são os que, mais freqüentemente, faltam às reuniões, além de enviarem para representá-los pessoas sem autoridade na própria instituição de origem. O mínimo que se pode dizer é o óbvio: essa negligência compromete o processo decisório.


  • A nova composição do Conama quer se estabelecer sob quatro critérios para admissão dos seus representantes: responsabilidade na atuação; comprometimento com os resultados; representatividade, para legitimar/validar a participação; paridade, como critério de distribuição de forças dentro do Plenário (ver box abaixo).


  • Está sendo proposta a extinção das Câmaras Técnicas Temporárias. Elas seriam substituídas por grupos de trabalho. A experiência evidenciou que, face a matérias específicas, demandando aprofundamento técnico das discussões, os grupos de trabalho conseguem agregar convidados e especialistas, sem limitar, portanto, o número de participantes. O resultado desse intercâmbio é o enriquecimento do produto final dos trabalhos.


  • As Câmaras Técnicas Permanentes precisam redefinir a sua competência e especialização. Isso vai ser buscado com uma maior divisão, detalhamento e explicação clara das suas matérias.


  • Para as Câmaras Técnicas, ainda, o “Repensando o Conama” está vislumbrando a formação de um comitê de integração de políticas, composto pelos presidentes de cada Câmara Técnica. Este comitê ficaria responsável pelo encaminhamento ao Plenário das matérias discutidas, manteria uma interface com os conselhos de alcance nacional – como o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, Conselho Nacional da Amazônia, e outros afins como o Conselho Nacional de Trânsito – e ainda abriria um canal mais afeito à interlocução necessária com ministros e secretários de Estado.


  • Falta a comunicação social! É quase nulo o conhecimento que a sociedade tem das atividades desenvolvidas pelo Conama. Nessa situação, a possível participação de interessados tende a se reduzir ainda mais. A Internet já está sendo usada, mas a edição de um boletim impresso também é necessária.


  • Falta também um processo de acompanhamento e avaliação da aplicação das resoluções do Conama, sua efetivação. Essa avaliação pode dar a medida da adequação à realidade dos conteúdos das decisões, servindo como direcionador das atividades do órgão.


  • A agilidade do Conama se relaciona diretamente com a gerência de recursos próprios. A criação de uma rubrica orçamentária específica é a forma indicada de desburocratizar a promoção das atividades usuais e inerentes ao Conselho, como os debates, reuniões, palestras, cursos e seminários.


  • É proposta a alteração das disposições do Decreto Regulamentador e, por extensão, do Regimento Interno, para consolidar, no plano jurídico, as adaptações a um novo conjunto de orientações e modo de funcionar..


Os 7 pecados capitais do CONAMA


Silvestre Gorgulho

O Conama – Conselho Nacional do Meio Ambiente – nasceu forte, abrangente, poderoso, pela Lei 6938, em 1981. Nasceu tão forte que era ligado diretamente à Presidência da República. Começou a operar em 1984. Um verdadeiro Conselho Monetário Nacional (CMN) para o setor do meio ambiente. Hoje o Conama é ligado ao Ministério do Meio Ambiente e presidido pelo Titular da Pasta. Justamente pelo vácuo que existe na dispersa e emaranhada legislação ambiental brasileira, suas resoluções têm força de lei. Incrível que, com tanto poder no papel, não exista força política que faça o Conama funcionar adequadamente. Os motivos? São vários. Numa conversa com vários integrantes do Conselho, consegui levantar os sete pontos que impedem o bom funcionamento do órgão. São os sete pecados capitais do Conama. Ei-los:


1 – Como o próprio Ministério do Meio Ambiente, o Conama tem orçamento pequeno. A pouca verba que consegue vem da Secretaria de Formulação de Políticas e Normas, antiga Secretaria de Desenvolvimento Integrado, que, aliás, só neste ano de 98 conseguiu ser beneficiada com orçamento próprio.


2 – O Conama sofre de um esvaziamento político em duas direções: primeiro com as esporádicas reuniões das Câmaras Técnicas; e, segundo, tem apenas 4 reuniões ordinárias anuais previstas. Isso é muito pouco, pois o Brasil caminha célere na conscientização ecológica, mas as leis e regulamentações não acompanham esta cobrança. Exemplos: não existe ainda nada regulamentando o grave problema da importação e recauchutagem de pneus; o lixo tóxico das baterias e pilhas está aumentando cada vez mais e o problema cresce geometricamente com o descarte de baterias de celular; a lei de recursos hídricos precisa ser regulamentada; o próprio código florestal brasileiro é de 1965. Assuntos não faltam para tão poucas reuniões ordinárias.


3 – É grande a ausência dos representantes dos estados e ministérios nas reuniões de câmara técnicas e nas reuniões ordinárias. Isso acaba influindo na não realização das reuniões por falta de quorum. Está faltando comprometimento dos próprios conselheiros, haja visto que eles chegam para abertura, assinam a presença e desaparecem. A sessão termina com poucos “gatos pingados”.


4 – A existência do Conama, que tem um total de 72 representantes, é solenemente ignorada e sua função política ficou limitada com a criação de dois novos conselhos concorrentes: o Conselho Nacional de Recursos Naturais e o Conselho Nacional da Amazônia – que são apenas consultivos – mas se valem do nome do Ministério do Meio Ambiente para dividir as funções.


5 – A composição de nomes do Conama é desfavorável à sociedade civil: são 55 representantes governamentais, 9 representantes de ONGs e 8 representantes de empresas. O Governo conduz o Conama como bem quer. Outra deformação: apenas as despesas dos representantes das entidades ambientalistas são custeadas pelo MMA.


6 – Falta comunicação: não existe um boletim produzido pelo próprio Conama para ser distribuído às ONGs, à imprensa, às empresas e aos próprios órgãos governamentais que compõem o Conselho. Modernidade? Internet? Aí já é querer demais.


7 – O Conama não é usado como última instância recursal, dentro da amplitude que a lei lhe faculta, limitando-se apenas a homologar as multas administrativas impostas pelo Ibama.


CONCLUSÃO: o desenvolvimento, a vida civilizada, é justamente a luta diária do homem, que ao longo de sua história, busca conquistar, dominar e usufruir da natureza. E aí está o ponto crucial das agressões ao meio ambiente. À medida que o homem avança em suas conquistas e avança no desenvolvimento tecnológico, ele vai sentindo que pode prescindir de um ambiente mais favorável e mais propício. Afastando-se desta dependência, a vida em geral passa a correr mais perigo. Por quê? Por falta de equilíbrio. Por não se adequar as leis dos homens às leis da natureza. O aprendizado é antigo: só se domina a natureza quando se passa a obedecê-la. E o órgão brasileiro que busca equilibrar as ações dos homens para adequá-las às leis da natureza é o Conama. Por isto ele deve ser forte, sério, prestigiado e atuante. E aqui vale lembrar uma frase de George Marshall: “Os pequenos atos que se executam são muito melhores do que os grandes atos que ficam só no planejamento”.


Publicado na Folha do Meio, edição setembro/1998