Recursos Hídricos

“CPMF da água”, é o primeiro obstáculo à criação da Agência Nacional da Água

12 de abril de 2004

Geradoras de energia e outras empresas não querem pagar pela água

Aprovado pela Câmara dos Deputados em meio a uma difícil negociação com as lideranças partidárias, o projeto de lei que cria a Agência Nacional de Águas – ANA – já iniciou sua tramitação no Senado, envolto em resistências por parte das geradoras de energia elétrica e outras empresas, que não querem pagar pela água consumida.
A cobrança, que os empresários estão chamando de “CPMF da água”, pode chegar a 6,75% do faturamento gerado pelo uso da água. Com esse percentual, somente as hidrelétricas pagariam cerca de R$ 600 milhões anuais ao Tesouro.
A taxa da água, instituída pela lei 8.001, de 1990, terá de ser paga não apenas pelas hidrelétricas. Agora, com a nova legislação, ela será estendida a todas as empresas que têm a água como insumo, como as indústrias de papel, de alumínio, de produtos químicos e outras.
O próprio Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, admite que a discussão da cobrança da taxa de água é um ponto crucial a ser definido nas discussões no Senado, mas assegura que o governo insistirá no seu ponto de vista de que a água é um insumo, e como tal, deverá ter seu custo devidamente apropriado.
A intenção do governo é conseguir a aprovação do projeto de lei n0 1.617, de 1999, no Senado até o final de fevereiro, sem alterar o texto acolhido pela Câmara, para que a matéria seja submetida à sanção do presidente da República até 15 de março próximo.
Na visão do governo, tal como aprovado pela Câmara, o projeto propõe um modelo de gestão dos recursos hídricos que possibilita decisões colegiadas, inclusive sobre a aplicação dos recursos, centralizadas nos comitês de bacias.


Menos poderes
Depois de muita negociação na Câmara, os deputados reduziram os poderes da futura Agência Nacional de Águas, subordinando-a ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, do qual a agência é apenas parte integrante, com autonomia limitada.
Pelo projeto aprovado na Câmara e agora em exame no Senado, a cabeça do sistema é o Conselho Nacional de Recursos Hídricos. A finalidade da agência será de implementar, na esfera de suas atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos, porém sem os poderes conferidos às suas congêneres das áreas de energia – Aneel – e telecomunicações – Anatel.
Foram estabelecidas limitações à ANA em relação à outorga e à aplicação de receitas, que será feita de forma descentralizada, com a participação dos Comitês de Bacia, cujas atribuições foram consideravelmente aumentadas pelo projeto.
Em relação à cobrança da taxa da água, embora o governo tenha centralizado os recursos arrecadados no Tesouro, a aplicação da verba ficará a cargo dos Comitês de Bacia, ou seja, fora do controle da Ana.


Disponibilidade hídrica
Com a nova redação dada aos arts. 70 e 80 do projeto, para licitar a concessão ou autorizar o uso de potencial de energia hidráulica em corpo de água de domínio da União, a Agência Nacional de Energia Elétrica deverá promover, junto à Ana, a prévia obtenção de declaração de reserva de disponibilidade hídrica.
Essa disponibilidade será fornecida em prazos a serem regulamentados por decreto do presidente da República, e obedecerá às limitações estabelecidas pela Lei n0 9.433, de 8 de janeiro de 1997, a chamada lei dos recursos hídricos.
O projeto estabelece também que a Ana dará publicidade aos pedidos de outorga de direito de uso de recursos hídricos de domínio da União, bem como aos atos administrativos que deles resultarem, por meio de publicação na imprensa oficial e em pelo menos um jornal de grande circulação na respectiva região.


Empresários prometem reagir no Senado


Os empresários perderam a batalha na Câmara Federal mas prometem ganhar a guerra no Senado. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – Fiesp – promete comandar a operação de rejeição, pelos senadores, da cobrança de taxa de água às empresas.
Eles estão de olho também no projeto de lei n0 1.616, de 1999, que dispõe sobre a regulamentação da cobrança da taxa de água, da montagem dos Comitês de Bacia e dos contratos de gestão, cuja tramitação deverá ser acelerada no Congresso.
Fausto Longo, do departamento técnico da área de meio ambiente da Fiesp discorda do ingresso da água no mercado de commodities, e garante que os empresários vão concentrar seu poder de pressão sobre os senadores para mudar o projeto aprovado na Câmara.
Os empresários estão também preocupados com o aparente conflito resultante do uso dos rios que permitem a navegação, tendo em vista a crescente importância das hidrovias para o escoamento de produção, especialmente do centro do Brasil para os países do Mercosul.
A formação de eclusas, destinadas a assegurar a navegabilidade dos rios, pode reduzir a oferta de água às hidrelétricas, resultando na diminuição da geração de energia. As empresas geradoras prometem ir à Justiça para defender seus direitos.
 A divisão do controle dos rios – os interestaduais, como o São Francisco, ficarão com a Ana e os estaduais com os estados respectivos – também é outro complicador, assim como a formação dos Comitês de Bacia, entidades privadas com a participação de instituições representativas da região que tem a água explorada economicamente.
Na hipótese de um erro de projeto, os empresários sustentam que não há dispositivos legais que punam os responsáveis pela bacia.


As batalhas perdidas


As oposições, em minoria na Câmara, bem que tentaram mudar o projeto de criação da ANA, mas não conseguiram. O deputado Fernando Gabeira, (PV/RJ), lutou até o fim pela emenda de sua autoria que considerava os 7.500 quilômetros de litoral brasileiro até o limite das 200 milhas, recursos hídricos sob o comando da ANA.
O deputado argumentou que a água do mar está se tornando a cada dia um insumo importante para os países litorâneos, como o Brasil, lembrando que a dessalinização, largamente utilizada em alguns países árabes, será, no futuro próximo, uma solução para a escassez de água potável em boa parte do mundo.
Mas as lideranças da base governista que comandam a maioria, rejeitaram a emenda, sob o argumento de que o Brasil é signatário de convenções internacionais que consideram comuns os recursos do mar, a começar pela água.
Outra batalha perdida pela oposição foi a tentativa de introduzir o conceito de quarentena na administração da ANA, a exemplo do que existe na Aneel e na Anatel.
Os oposicionistas sustentaram que, embora com menores poderes, a agência conservou o direito de conceder outorga, de fiscalizar projetos, definir as condições de operação de reservatórios por agentes públicos e privados, e outras atribuições importantes, estando, portanto, seus administradores, sujeitos a pressões e atrações no setor privado.
Deveriam, portanto, permanecer fora do mercado pelo prazo de um ano após deixarem a administração da agência, recebendo remuneração do governo. Mas o relator do projeto, deputado Eliseu Resende, (PFL/MG), recusou a emenda, argumentando que seria um gasto desnecessário, pois os diretores da futura agência não têm poder de decisão capaz de despertar a cobiça de eventuais interessados.
Houve até quem pretendesse mudar o nome da agência de ANA para Anag, mas os autores da mudança desistiram quando os governistas ameaçaram patrocinar a alteração para Anágua.


A briga pelo dinheiro


As empresas geradoras de energia elétrica pagam, em forma de royalties, 6% do que é produzido diretamente pela água. Do total apurado, 45% vão para os estados, 45% para os municípios e os restantes 10% são destinados a custear a máquina federal que atua no setor.
Nas discussões dentro do governo, que envolveram a  elaboração do projeto de criação da Ana, os Ministérios do Meio Ambiente, de Minas e Energia e de Ciência e Tecnologia se desentenderam quando se debateu quem sustentaria a nova agência.
O governo federal sugeriu que estados e municípios abrissem mão, cada um, de 5% de sua participação. Diante da recusa de governadores e prefeitos, a solução encontrada foi elevar a taxa de 6% para 6,75%. Essa taxa adicional, de 0,75%, resultará numa arrecadação extra de R$ 80 milhões, que garantirão o sustento da Ana.
A agência ficará com 7,5% para financiar seu custeio, e os restantes 92,5% serão destinados ao sistema de recursos hídricos, através dos Comitês de Bacias. A despeito da resistência do setor elétrico em aceitar a “CPMF da água”, a própria Aneel, a agência reguladora do setor, calcula que a taxa adicional de 0,75% provocará um impacto na tarifa de energia elétrica não superior a 0,2%, considerado irrelevante.
Mais informações: Tel: (61) 317-1227 / Fax: 226-1757 – www.mma.gov.br