A triste cronologia de uma catástrofe anunciada

12 de abril de 2004

Poluição na Baía de Guanabara

Feema garante que
plano japonês de despoluição da Guanabara
tornará a água tão limpa como a dos tempos do descobrimento …… mas o que se vê hoje
 é um mar de óleo, de lixo e esgoto na Baía


A Petrobras sabia, há quase três anos, que o duto rompido apresentava problemas estruturais graves, registrou a Folha de São Paulo, no dia 24 de janeiro. O governador Anthony Garotinho, uma semana depois do acidente, disse ao Jornal do Brasil que o Estado não tem como fiscalizar as 400 empresas que despejam detritos no mar, por que os órgão ambientais estão sucateados. A Folha do Meio Ambiente apurou que o governador Garotinho recebeu um relatório completo sobre a situação dos órgãos ambientais do Estado, no início de sua gestão, há um ano, feito por técnicos e especialistas, inclusive com a participação do professor Elmo Amador, um dos maiores estudiosos da Baía de Guanabara, com uma tese de doutorado sobre o assunto.


Cronologia do Acidente
Na madrugada do dia 18 de janeiro, a Baía de Guanabara sofreu um dos maiores derramamentos de óleo de sua história. Um duto de aço da Refinaria de Duque de Caxias, de 16 polegadas de diâmetro, que faz parte da tubulação de 15 quilômetros de extensão que leva óleo combustível da Reduc para Ilha D’ Água, onde funciona o centro de estocagem, foi rompido. O bombeamento ocorre duas vezes por semana, com uma vazão de um milhão de litros por hora.
No dia seguinte, a empresa estimava que durante meia hora, 500 litros de óleo vazaram de uma das 14 linhas que bombeiam óleo da Reduc para o Terminal da Ilha D’ Água, situado próximo da Ilha do Governador. Para a FEEMA o estrago era maior, quase quatro milhões de litros.
O secretário Estadual de Meio Ambiente, André Corrêa, antecipava: “Vamos aplicar uma multa máxima de 44 mil Ufirs (quase 47 mil reais) e estudar outros tipos de punição. A Reduc não tem licença de operação da FEEMA”, enfatizava. Lembrou, na ocasião, que a Reduc assinaria com o Estado nas próximas semanas um termo em que a empresa se comprometeria a realizar uma análise de risco de todos os dutos em 120 dias.


São Sebastião, rogai por nós
No dia 20 de janeiro era feriado na Cidade Maravilhosa, dia de São Sebastião, o protetor do Rio de Janeiro. O noticiário sobre o vazamento embora ocupasse grandes espaços nos maiores jornais do país, as declarações das autoridades eram imprecisas. A Petrobras ainda não sabia quanto tempo o óleo havia vazado e nem a quantidade precisa. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente estimava entre 800 e mil toneladas. A multa seria maior e aplicada também pelo IBAMA. Só para cada animal morto poderia ser de R$5 mil. Os ministérios públicos Estadual e Federal após reunião, no dia anterior, previam que a responsabilidade pelo desastre ecológico causado pelo derramamento de óleo, no dia 18, seria investigado por pelo menos cinco inquéritos.
No dia 21 a maré negra de óleo invadia manguezal em área de proteção ambiental. E os jornais mostravam fotos dramáticas de animais mortos. O ministro de Minas e Energia, Rodopho Tourinho determinava que a estatal indenizasse os pescadores das áreas atingidas e iniciasse um projeto de recuperação do ecossistema. Os biólogos lembravam que os manguezais são berços de vida, porque são área de reprodução de crustáceos, caranguejos e outros animais. O drama dos pescadores também era mostrado.


A Pior notícia
No dia 22, o público conhecia a extensão do desastre, os jornais dedicavam grandes espaços para demonstrar que a Petrobras havia subestimado o vazamento do dia 18. O presidente da estatal, Philippe Reichstul, havia anunciado no dia anterior que o vazamento era duas vezes e meia do que o divulgado, ou seja um milhão e 292 mil litros, quase 1,3 mil toneladas. E pior, veio com a correção de outro dado. A Petrobras ficou mais de quatro horas sem saber que havia um problema em uma das linhas de conexão com o Terminal da Ilha D’ Água, e não meia hora.
O ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, depois de conhecer a extensão do acidente disse: “cabe a maior multa prevista na Lei, que pode chegar R$50 milhões”. Sarney Filho esperava o resultado do laudo do IBAMA para fixar o valor e podia encaminhar representação ao Ministério Público Federal pedindo que os responsáveis pela estatal respondessem criminalmente, já que a Lei de crimes Ambientais prevê reclusão de até cinco anos nesse caso.
O Secretario Estadual de Meio Ambiente, André Corrêa, anunciava que o Estado cancelaria a multa de R$94 mil para impedir artifícios jurídicos que permitiriam a Petrobras não pagar multas federais, alegando punição em duas instâncias. Em troca, o Estado exigiria que a multa fosse aplicada no Programa de Despoluição da Baía de Guanabara-PDBG.
O representante do BID, Jorge Elena, acertou com o Governador Anthony Garotinho a vinda de especialistas americanos, que trabalharam na Exxon Valdez, no Alasca, para ajudarem na recuperação da Baía. “Vamos antecipar o cronograma de financiamento da segunda parte do PDBG para combetar a poluição”, disse Jorge Elena.
Com grande destaque os jornais noticiavam, no dia 23, domingo, que o vazamento de óleo na Baía custara os cargos dos responsáveis pelo setor de meio ambiente da Petrobras. Foram afastados o diretor-corporativo, Carlos Affonso de Aguiar Teixeira, responsável pela área ambiental da companhia e o superintendente de Meio Ambiente, José Carlos Moreira. A decisão aconteceu antes que fosse iniciado o processo de sindicância interna.
A partir de agora, os projetos de investimento em meio ambiente serão vinculados diretamente ao presidente Henri Philippe Reichstul.


Mais ameaças
Todo o sistema de dutos da Refinaria Duque de Caxias (Reduc) está comprometido e há risco de novos vazamentos na Baía de Guanabara, segundo denúncia entregue ao Ministério Público Federal pelo Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro). O presidente do Sindipetro, Nilson Cesário, disse que seriam necessários US$ 2 bilhões para recuperar os dutos. Cesário afirmou que um duto condutor de combustível entre a Reduc e o Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim tem válvulas de controle precariamente instaladas, guardadas apenas por uma grade e um cadeado. “É uma área suscetível a sabotagens e a impactos físicos externos”.


Doze lições da tragédia


Silvestre Gorgulho


Quem acompanha causas e conseqüências do desastre com o derramamento de óleo na Baía da Guanabara sabe: desenvolvimento a qualquer preço,  poucas precauções com o ambiente e  fiscalização desleixada só podem dar no que deu. Pelo jeito, até demorou muito para acontecer esta catástrofe, que chegou com o festejadíssimo ano 2000 e da qual tiro doze lições:


1 Por parte da Petrobras, descobriu-se uma total fragilidade de estratégia, segurança, gestão e controles ambientais.
2 Descobriu-se, também, o despreparo das instituições ambientais municipais, estaduais e federais, particularmente no que diz respeito ao licenciamento ambiental.
3 Uma empresa que é centro de excelência na produção de petróleo, bem que poderia ter, também, excelência na relação com o ambiente. O avanço foi apenas no lado comercial.
4 Esse terrível desastre ambiental em águas brasileiras recebeu logo a maior punição. E tinha que ser a multa mais alta, caso contrário, em que circunstâncias seria aplicada a multa máxima?
5 O efeito pedagógico foi imediato. Em tempo de privatizações e abertura do mercado para outras empresas de petróleo e derivados, o Ministério do Meio Ambiente, ou melhor, o CONAMA, sinalizou: as grandes corporações podem colocar a barba de molho.
6 Houve uma posição política de governo. O próprio presidente FHC determinou que a Petrobras não recorresse da multa.
7 A própria CSN, com grande passivo ambiental em Volta Redonda, passou recibo e veio a público (na semana do desastre da Petrobras) com uma peça publicitária – página inteira/cor nos maiores jornais do país – mostrando um bebê mergulhando, e o título: “O futuro dele será milhões de vezes melhor”. (Deus queira!).
8 Ficou evidenciada a jogada de marketing da Petrobras, quando a empresa jogou apenas na grande mídia das capitais (aquela que só trata de meio ambiente quando tem crise, tragédia, incêndios e imagens fortes para ganhar leitores) mais de R$ 5 milhões em poucos dias.
9 Uma pergunta sem resposta: o que as prefeituras, a Marinha e o estado do Rio estão fazendo com os milhões de dólares/mensais que recebem desde 1988 como royalties do petróleo?
10Como na saúde, ficou patente que é melhor prevenir do que remediar. Espera-se que outras empresas assimilem essa lição que a Petrobras acaba de aprender.
11  Contraponto: palco do maior evento ambiental positivo da História, a RIO-92, a Guanabara produz 8 anos depois, o fato de maior repercussão negativa junto à opinião pública nacional e internacional.
12  O episódio equivale à queda do “Muro de Berlim” no que diz respeito à proteção que as grandes estatais brasileiras sempre gozaram. Todas elas se permitiram ter uma esquizofrênica dupla personalidade, quanto à intocabilidade na área ambiental. Como disse o deputado Carlos Minc, “o problema da Petrobras não era de LO (Licença de Operação) mas de LE (Licença de Entrada) para os fiscais de meio ambiente.