Gestão Ambiental

ISO 14000 – A preservação do ambiente

12 de abril de 2004

Motivação para certificados ainda é de cunho econômico e está longe de reverter o quadro de degradação ambiental

Partindo do conceito de análise de ciclo de vida dos produtos industrializados, mesmo gregos e troianos chegariam, hoje, a um consenso: o atual sistema de produção e consumo adotado por nossa civilização está provocando inúmeros impactos ambientais. Coloca-se em risco a qualidade de vida da atual população planetária e das futuras gerações.
Atualmente, há um grande número de fontes emissoras lançando para o ambiente elevadas cargas de poluentes. E cresce, sem qualquer tipo de controle, o volume de resíduos não biodegradáveis da produção industrial e pós-consumo que, simplesmente, são largados nos chamados “lixões”. Dados do IBGE indicam que 88% de nossos resíduos sólidos urbanos não recebem qualquer tipo de tratamento, sendo simplesmente jogados em vazadouros a céu aberto. Note-se que o Brasil produz 90 milhões de toneladas/ano de lixo.


Cenário paradoxal
Tecnologias de controle ambiental, métodos de reciclagem de resíduos sólidos e efluentes líquidos, linhas de produtos ambientalmente viáveis e processos de produção mais limpos já são uma realidade, mas os custos de implantação não causam qualquer impacto positivo sobre a ganância da maioria dos donos do capital. Poucas empresas nacionais e corporações multinacionais têm sistemas de gerenciamento ambiental realmente confiáveis nas suas linhas de produção. Mais: existem diferenças, às vezes gritantes, em relação ao grau de restrição da legislação ambiental entre estados e municípios e de eficiência de atuação de seus respectivos órgãos de controle e fiscalização ambiental.
E, neste cenário de paradoxos, temos que considerar a certificação e rotulagem ambiental como os novos instrumentos de regulação do mercado mundial. Por um lado, eles colocam em evidência os produtos que cumprem com a qualidade exigida pelo mercado e, por outro, discriminam as empresas que não podem adaptar-se aos novos parâmetros ambientais.


Sem panos quentes
“Inicialmente, a série ISO 14000 foi uma tentativa da Europa de criar uma barreira alfandegária que dificultasse, ao máximo, a entrada no continente de produtos vindos da América do Sul e Sudeste Asiático. Essa certificação ambiental é baseada em diretrizes muito generalistas e até critérios obscuros, que estão longe de assegurar o resultado esperado, o de efetiva co-responsabilidade da indústria na proteção ao meio ambiente. Hoje há uma proliferação de certificados ISO e não dá para colocar panos quentes numa situação facilmente constatável em nosso país: há  empresas certificadas pela ISO 14000 que não atendem nem mesmo aos requisitos de uma licença ambiental”, diz uma fonte que preferiu não se identificar. O comentário merece ser levado a sério porque o depoente participou de toda a fase de elaboração da ISO 14000,  esteve presente nas reuniões decisórias do TC-207 e atualmente dirige a área ambiental de uma megacorporação de diretrizes muito avançadas na área ambiental.  
Certificações são mecanismos de proteção da produção e do consumidor mas, também, funcionam como barreiras não tarifárias ao comércio internacional, assegurando que os países do Norte continuem em vantagem absoluta, mantendo, assim, sua hegemonia econômica. Os países do hemisfério Sul são os mais prejudicados por essas regulamentações, uma vez que as normas, selos e rótulos em geral exigem um processo caro para serem implementados, o que dificulta – quando não inviabiliza por completo, como no caso dos negócios de pequeno e médio porte – a exportação de produtos. Com isso, não se está apoiando o tosco raciocínio que manda que se permita aos países subdesenvolvidos manter maiores níveis de poluição, a fim de que possam alcançar o estágio de desenvolvimento de muitos países do Norte.


Hoje há uma proliferação de certificados ISO
e não dá para colocar panos quentes:
há  empresas certificadas pela ISO 14000 que
não atendem nem mesmo aos requisitos de
uma licença ambiental”


Análise do ciclo de vida do produto – Conceito conhecido internacionalmente pela sigla  LCA – Life Cycle Assessment, no entanto, é muito mais abrangente do que o estudo de equilíbrio de energia, pois compatibiliza os impactos ambientais decorrentes de todas as etapas que envolvem o produto: desde a sua concepção mercadológica, planejamento, extração e uso de matérias-primas, gasto de energia, transformação industrial, transporte, consumo até seu destino final, ou seja, o acompanhamento da vida de um produto é feito de seu “berço ao túmulo”.


ISO  14000 – É a sigla da International Organization for Standardization, fundada em Genebra (Suíça), em 1946. Atualmente mais de 100 países, incluindo o Brasil, participam da discussão e elaboração das normas ISO de especificação técnica nos mais diversos campos. A série ISO 9000, lançada em 1987, é um guia de diretrizes para o desenho e a documentação de processo e práticas de qualidade nas empresas.
A série ISO 14000, que não está concluída e cuja versão das normas finalizadas pode ser adquirida, em português,  junto à ABNT, visa estabelecer normas e ferramentas para a gestão ambiental nas empresas, focalizando, principalmente, os seguintes aspectos: sistemas de gerenciamento ambiental corporativo, rotulagem de produto, análise completa do ciclo de vida e políticas de desenvolvimento sustentável e de proteção ambiental.


Sistema de  gerenciamento ambiental (SGA) – É o pré-requisito principal da gestão ambiental na empresa. Trata-se da formulação de uma política ambiental que reflita o compromisso da alta direção da empresa com o meio ambiente, assim como a criação de uma estrutura e de mecanismos para tratar de sua implementação. A política ambiental da empresa se define em ações de curto, médio e longo prazos, isto é, o encaminhamento do controle ambiental é realizado desde a concepção de um produto/projeto até a eliminação de todos os resíduos gerados ao final de sua vida útil.


TC-207 – Com base nas recomendações do Grupo de Consultoria Estratégica sobre Meio Ambiente (SAGE) da ISO, que estuda estratégias para ampliar os padrões internacionais de ecoeficiência dos produtos, foi instalado, em 1993, um Comitê Técnico, o TC-207, dentro da estrutura da ISO, para a elaboração de uma série de normas ambientais, a série ISO 14000. As cinco primeiras normas foram lançadas oficialmente em setembro de 1996.


Muitas questões
permanecem sem resposta


cSão realmente idôneos e eficazes nossos mecanismos de controle sobre os organismos certificadores,  aqueles que executam a auditoria nas empresas?
cA qualidade ambiental do setor produtivo pode, realmente, ser melhorada através da certificação ISO 14000?


Mais: para se obter a certificação ambiental, um dos requisitos é que a empresa atenda a todos os dispositivos legais da região onde mantém atividade, mas e se essas leis forem por demais amenas ou incompatíveis com o ritmo de degradação local? Resposta: mesmo assim a empresa consegue obter um certificado ISO 14000 porque a norma se limita a um comando, a de que a companhia deve atender à legislação vigente, não importando o teor ou rigor da mesma.
É lamentável,  verdadeiro, mas não é público: um bom número  de empresas brasileiras já perdeu seus certificados ISO 9000 quando, passado algum tempo, foram  re-auditadas. Seus sistemas de gestão da qualidade estavam aquém do resultado alcançado da primeira certificação.
Por hora, nenhum certificado ambiental foi cancelado entre nós, mas em razão disso podemos afirmar que está tudo as mil maravilhas nas empresas certificadas pela ISO 14000?   
Não há dúvida que, por toda a parte do mundo, a principal motivação das empresas para a certificação ambiental ISO 14000 é de cunho estritamente econômico. Hoje, quem, em sã consciência no mundo dos negócios,  pode ficar fora do mercado global? Mas essa motivação econômica parece estar longe de atender o elenco de mudanças radicais necessárias para reverter o quadro de degradação ambiental.


Evolução da certificação ISO 14000 no Brasil
Ano                   N0 . de certificados
1996                           10
1997                           33
1998                          101
1999                          149 (cômputo até nov/99)


Fonte: INMETRO


Distribuição dos certificados ISO 14000 por setor


 


 



Fonte: INMETRO – Números de nov/99
Petroquímico                33
Eletroeletrônico            18
Automotivo                 16
Quimico e farmacêutico 16
Eletromecânico              9
Serviços                       9
Mineração                    8 


Estados com maior número
de certificados ISO 14000


SP  64
MG 18
RJ 13
RGS 13
BA 12
AM 9
SC 5
Fonte: Inmetro


SUMMARY
ISO 14000 – Environmental Production through Production Control


Year after year the number of entrepreneurs grows at a steady rate in Brazil.  These entrepreneurs claim to be introducing an environmental feature into the management of their business undertakings.  According to the latest Inmetro survey, in November of last year, Brazil recorded the existence of 149 1SO 14000 certificates.  Conservative estimates made by Inmetro itself indicated that 1999 would close with the issuing of no more that 165 such certificates.  (See accompanying report)
Inmetro estimates for the year 2000 that Brazil will reach a total of 500 ISO 14000 certificates.  In comparison, Japan, the world leader in issuance of ISO certificates, has detained more than 2000 such certificates and Germany, the leader among Western European countries, 1000 certificates; Brazil places only 200th in the rankings.
Even the Greeks and the Trojans would agree that the present system of production and consumption of industrialized goods adopted by modern civilization is having an enormous negative impact on the environment.  We are currently jeopardizing our present quality of living, not to mention that of generations to come.  
Presently, there are a large number of emissive sources that spew huge amounts of pollutants into the environment.  And with no control mechanism in place, the amount of non-biodegradable residues produced by industrial production and post-consumption is increasing.  These types of residues are simply being deposited into our ever-growing “Garbage Dumps”.  Figures from IBGE show that 88% of solid urban residues do not receive any type of treatment before being dumped into sewer systems.  Brazil produces 90 million tons of such pollutants per year.


The Paradox 
Environmental control technology, methods of recycling solid wastes and effluent liquids, lines of environment-friendly products, and cleaner, more viable production processes are already being used, but are not highly attractive for most large industry owners due to their high implementation costs. Few national enterprises and multinational corporations actually have reliable environmental management systems in place.
There exist, however, startling differences between the degree of restriction of environmental legislation between states and municipalities and the efficiency in the enforcement of environmental control and fiscalization by the respective institutions.
Given this apparent paradox, we should regard environmental certification and labeling as new ways of regulating the world market.  On one hand, certificates and labels indicate a specifically-defined quality level set by the market.  On the other hand, such certificates and labels serve to discriminate against enterprises that do not or cannot adapt to these environmental parameters.


Being Straightforward about the Issue
“The ISO 14000 certificate was initially a European attempt to create a customs barrier that would make the entrance of products from South America and Southeast Asia as difficult as possible.  The bases and criteria for this type of certification are quite general and rather obscure. The certificate does very little to guarantee effective industrial co-responsibility in protecting the environment as was hoped for.  Today, there is a proliferation of ISSO 14000 certificates and there seems to be no easy remedy for solving such a common situation in our country. The reality is that many of the enterprises with ISO 14000 certification do not come anywhere close to meeting the necessary requirements for an environmental license, ” says an anonymous source. This comment, coming from a person who has participated in all steps of the elaboration of ISSO 14000, was present at TC-207 meetings and is presently head of an environmental department of a megacorporation of directors highly involved in the environmental field, is serious.
Certification is a mechanism designed to protect industrial production and consumption, but it can also function as a non-tariff barrier in international commerce by ensuring that countries of the Northern Hemisphere maintain their economic homogeneity and therefore dominance.  Countries of the Southern Hemisphere are the most discriminated against by these types of regulations due to the fact that the norms, seals and labels, in general, are expensive to obtain, particularly in the case of small and medium-scale transportation, making the exportation of goods even more difficult.  Given this, an end to the crude reasoning that encourages higher pollution levels in developing countries would ultimately allow developing countries to attain levels of development similar to those of their Northern neighbors.