Gestão Ambiental - ISO 14000 em debate

Grandes empresas buscam certificado ISO, mas micro e médias empresas estão fora

12 de abril de 2004

Sociedade civil pode participar mais ativamente dos processos de certificação

Francesco de Cicco – Há um entendimento absolutamente incorreto do papel das normas da série ISO 14000. São apenas um primeiro passo na direção de uma consistente e adequada gestão ambiental. Portanto, o certificado ISO 14000 não atesta que a empresa está 100%, que seu sistema de gestão ou produtos não falham em termos de qualidade ambiental. O foco correto, infelizmente, não é feito nem pelas empresas certificadas e a propaganda que fazem muitas vezes colabora para essa falsa expectativa dos consumidores.
Temos uma demanda cada vez maior pela certificação ambiental, mas não ocorreu aquela enxurrada de certificações que se imaginou em 1996, época do lançamento da série ISO 14000. Em razão de ter de atender toda a legislação de cunho ambiental vigente, isso levou muitas empresas a recuar, temerosas de se exporem pois a norma determina que documentem os problemas relacionados ao impacto real e potencial de sua atividade, tendo em vista a responsabilidade civil, administrativa e criminal que poderiam vir a sofrer.
Tasso Rezende de Azevedo – O meio ambiente gira em torno dos interesses difusos, os interessados na atividade da empresa vão além das relações entre clientes e fornecedores, atores suficientes para uma certificação lSO 9000. A relação é muito diferente quando o assunto é meio ambiente, o processo é muito mais complexo. Na área florestal, só a implantação de um sistema de manejo não basta. O bom manejo florestal tem de considerar, de forma equilibrada, o atendimento aos aspectos sociais, econômicos e ambientais, com a certeza de que tal performance não está impactando povos indígenas ou a biodiversidade, por exemplo. Mais: o FSC certifica somente florestas e seus produtos e não as empresas.


Rubens Harry Born – A partir da Rio-92, o debate sobre as questões ambientais se torna público e muito mais amplo. O desafio para assegurar a sustentabilidade passa pela revisão dos padrões atuais de produção e consumo. Um tema central que acabou virando mero capítulo da Agenda 21. Consideremos, também, que o Estado forte e, intervencionista, vem perdendo espaço para as idéias mais liberais de autocontrole. E isso explica, em parte, o surgimento das normas ISO 9000 e ISO 14000. O setor empresarial se organiza, por iniciativa própria e não por comando do Estado, na tentativa de se equipar com instrumentos para mostrar ao mercado/consumidores que tem um alto controle sobre seus sistemas de produção e produtos. Neste espectro, poderíamos ter uma nova combinação e o FSC é exemplo disso, porque percebeu-se que nenhum mecanismo de autocontrole, como é o caso da ISO, daria a credibilidade necessária para uma certificação florestal, que tem de gozar de grande prestígio perante as ONGs e outros segmentos sociais, e não somente perante o cliente direto do produto ou serviço certificado.
O FSC surge, em 1993,  como um mecanismo de controle mútuo, onde os vários atores sociais têm participação garantida, conferindo à certificação florestal os 3Cs – compromisso, confiança e credibilidade. O FSC só conseguiu  incorporar à certificação as questões ambientais, econômicas e sociais porque reuniu, num mesmo espaço de discussão e decisão, representantes de ONGs, de comunidades indígenas e de empresas  para que fizessem um controle mútuo.
Azevedo – Nesse sentido, o FSC é uma certificação mais avançada e eficaz que o sistema ISO, que precisa dar um salto na direção do controle mútuo.
Born – A ISO 14000, está muito focada no consumidor, já a certificação florestal do sistema FSC está voltada para o cidadão. Isso porque beneficia e envolve pessoas que não necessariamente são consumidores diretos dos produtos e matérias-primas daquelas florestas. FSC está além da ISO porque incorpora o interesse difuso, o conceito de cidadão planetário e isso mexe com nosso atual padrão de produção e consumo.
Cicco – Mas a certificação florestal tem que, necessariamente, envolver toda a comunidade, bem como as questões políticas, econômicas e ambientais. O que já não ocorre na área de qualidade, por exemplo, em que os interessados são o cliente e o fornecedor. Logicamente que a certificação ambiental é mais exigente. Se hoje a ISO ainda não está abordando as questões sociais nas suas normas, é porque isso não é um ponto forte no comércio internacional. Quando houver acordo quanto a inclusão das cláusulas sociais nos acordos comerciais, pode ter certeza que a ISO vai começar a elaborar normas de segurança e saúde do trabalho e de responsabilidade social que as empresas vão ter de adotar. Há muito tempo a OMC já se alinhou às questões ambientais e, como decorrência, a ISO elaborou a série ISO 14000. 
Azevedo – Mas não podemos esquecer que a ISO 14000 não dispõe de mecanismos capazes de mensurar se houve diminuição do impacto da atividade produtiva sobre o meio ambiente em razão da certificação ambiental.
 Cicco – A ISO 14000 é um mecanismo básico para a empresa organizar suas ações. A norma ISO cria esse mecanismo de gerenciamento e é isso que o organismo certificador atesta, ou seja, que a empresa tem o compromisso de atender a legislação, não necessariamente que a empresa está atendendo naquele momento ao que manda a lei, porque o atendimento tem que ser verificado pelo órgão de controle e fiscalização ambiental. Ao organismo certificador basta a evidência objetiva de que a empresa assumiu o compromisso com o órgão ambiental, mesmo que naquele momento não esteja cumprindo totalmente o que manda a lei. A certificação ISO 14000 atesta esse acordo e também que a empresa dispõe de mecanismos estruturados para buscar a melhoria contínua. Periodicamente a empresa passará por novas auditorias e aí, sim,  cabe ao organismo certificador verificar se novas metas mais desafiadoras foram alcançadas por ela na área ambiental. Dependendo do grau de desconformidade, é evidente que o organismo certificador deve cancelar o certificado anteriormente emitido. 
Azevedo – A ISO não contempla a performance da empresa, a FSC, sim.
Cicca – A certificação florestal é muito específica, os padrões da ISO têm de atender a todos os setores produtivos, no mundo inteiro, daí suas imperfeições.
Born – É inequívoco que esses instrumentos, ISO, FSC e outros, independentemente do impacto positivo sobre o meio ambiente, sinalizam tendências que os diferentes governos e empresas não podem mais ignorar.
Mas o problema é que a ISO 14000 está sendo incorporada somente pelos grandes grupos econômicos, nacionais e transnacionais. Micro, pequena e média empresas não têm acesso a uma certificação ambiental, apesar de gerarem  muito impacto.
Azevedo – No FSC temos um fundo que subsidia a certificação dos pequenos, porque a certificação não pode ser um instrumento discriminatório. Em principio tem de ser democrática.