Patrimônio em perigo

Barragem ameaça o Salto do Itiquira

19 de abril de 2004

Erros e enganos deixam empresários, a Femago e a própria Secretaria do Meio Ambiente de Goiás sob suspeita. Houve negligência na aprovação da obra


De repente, as águas da cachoeira, que atraem anualmente mais de 200 mil turistas só de Brasília, e as do rio Itiquira começaram a aparecer sujas e barrentas, do Parque Municipal até a barra do rio Paranã. A causa: a construção de uma barragem de terra dentro da Fazenda Minas Gerais, propriedade da Agropecuária Manibu Ltda, a apenas 3,7 Km do Salto. A surpresa: a obra foi licenciada pela Fundação de Meio Ambiente (Femago) e outorgada pela Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado de Goiás, sem exigência de apresentação de Estudo de Impacto Ambiental e do respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Eia-Rima).


O projeto da empresa diz que a barragem, a ser utilizada para irrigação de uma área de 250 hectares, fica em “área rural largamente utilizada na atividade agrícola” e que não tem “nenhuma unidade de conservação em sua área de influência”, alegando que o Salto de Itiquira fica a 10 km da obra. Medição efetuada a pedido da Promotoria de Justiça de Formosa, constatou que a distância entre o empreendimento e o Parque Municipal é de apenas 3.700 metros.


Erros e enganos
Os erros e enganos não páram por aí. Um relatório feito pela Embrapa-Cerrados põe em dúvida os argumentos da Agropecuária no que se refere ao reservatório planejado para ter capacidade de 300 mil metros cúbicos “sem reabastecimento”, pois levando em conta o tamanho da área a ser irrigada, a diferença teria que ser retirada da vazão do ribeirão Bahu, tributário de 40% do ribeirão Itiquira, o que significaria um impacto significativo no volume da cachoeira. O relatório aponta ainda o perigo, de conseqüências imprevisíveis para a população usuária dessas águas, da contaminação por agrotóxicos e produtos químicos na fonte do ribeirão Bahu.


Em outro relatório, Luiz Fernandes Marques, engenheiro florestal do Ibama, afirma que toda a região é considerada área de preservação permanente, sendo duvidosa a legalidade de qualquer atividade no local. Na verdade, na região está localizado o divisor de água entre as bacias Amazônica, do Prata e São Francisco, com centenas de nascentes que formam pequenos córregos, em uma área de proteção permanente. Áreas de Preservação Permanente são aquelas em que há vegetação ao longo de qualquer curso d’água, ao redor das lagoas e reservatórios naturais ou artificiais, ao redor das nascentes, no topo dos morros, montanhas e serras, nas encostas, nas restingas e bordas de tabuleiros ou chapadas e em altitudes superiores a 1.800 metros.

Erro primário da Femago
Apesar de contrariar a legislação ambiental, o empreendimento foi licenciado pela Femago, que chegou a cometer o erro primário de confundir “bacia do Paranã”, com “bacia do Paraná”, quando a área está dentro da bacia do Araguaia-Tocantins, sub-bacia do Paranã. Ao mesmo tempo, desprezou normas federais e estaduais e dispensou a apresentação do Eia-Rima, mesmo sabendo da fragilidade do Cerrado, um dos ecossistemas brasileiros mais ameaçados pela ação do homem.


Além da questão ambiental, a região de Itiquira e o complexo turístico composto pela cachoeira fazem parte do Patrimônio Cultural brasileiro, que deve ser protegido, de acordo com a Constituição Federal, pelo poder público e por toda a comunidade.


Desautorizada e preocupada com a degradação ambiental do patrimônio sob sua responsabilidade, a Secretaria do Meio Ambiente de Formosa recorreu ao Ministério Público, que entrou com uma ação civil pública contra a Agropecuária Manibu, a Femago e a SEMARH, pedindo a suspensão das obras. O juiz Carlos Magno Rocha da Silva deferiu liminar suspendendo o empreendimento.


O juiz determinou a suspensão imediata de qualquer atividade no local para a construção da barragem até a realização do Eia-Rima, sob a coordenação da Femago e SEMARH, por entender que, mesmo já agredida a mata ciliar do ribeirão Bahu, o estudo irá avaliar a viabilidade ambiental do projeto e “descobrir medidas mitigadoras e compensatórias para os danos ao meio ambiente”. Determinou, ainda, a suspensão temporária da licença de instalação e dos efeitos de outorga pelos dois órgãos até que, pela conclusões dos estudos, possam ser tomadas “deliberações seguras e legais”. O juiz estabeleceu multa de R$ 200 mil por dia à Agropecuária Manibu, caso sua decisão não seja cumprida.