Mobília certificada

Você ainda vai ter uma

14 de abril de 2004

A certificação florestal é uma nova e criativa maneira de evitar que outras árvores tenham o destino do jacarandá e do pau-brasil

Na sala de estar da minha casa há duas cadeiras de jacarandá. Quando recebo visitas, costumo comentar sobre seu estilo anos 60, e também sobre as qualidades da madeira. Com o tempo, porém, notei que a maioria dos meus convidados nunca havia visto um jacarandá. Desconhecem a cor, o desenho e a textura da madeira que já foi a mais famosa do País.


É possível ver jacarandá em reservas da Mata Atlântica e na ornamentação de cidades como Brasília. Mas ele figura no Apêndice I da Cites (Convenção Internacional que regula o comércio de espécies ameaçadas de extinção), o que significa que é ilegal exportá-lo. Isso se houvesse oferta. A exploração insustentável levou-o à extinção comercial. Minhas cadeiras são herança paterna, provavelmente de uma safra tardia da madeira tão cobiçada.


A certificação florestal é uma nova e criativa maneira de evitar que outras árvores tenham o destino do jacarandá. Ela parte do princípio de que as florestas são um importante recurso natural e econômico que pode ser manejado de maneira sustentável. Algo com que muitos concordam, mas poucos contribuem para tornar realidade. Sem prejuízo dos papéis regulador e fiscalizatório do Estado, a certificação acredita que o mercado pode contribuir para esse objetivo.

Moda ou marketing?
Até há pouco, a certificação florestal era vista como moda de ambientalistas e de algumas empresas que queriam obter um diferencial de marketing para seus produtos. Bem intencionada, mas marginal. Não iria impactar o mercado de maneira significativa para proteger as florestas.


Isso mudou, e mudou muito. As maiores empresas de papel e celulose do mundo (entre as quais as brasileiras) estão buscando certificar suas plantações. Os produtos certificados já despertam interesse de grandes empresas como a Colombia Forest Products (principal vendedor de compensados nos Estados Unidos), Turner Construction (a maior construtora norte-americana) e B&Q (maior rede de “faça-você-mesmo”da Inglaterra). A lista cresce todo dia: a Home Depot, o maior varejista de produtos de madeira dos EUA, acaba de anunciar que dará preferência a produtos certificados.


No mundo todo há 16 milhões de hectares certificados, dos quais três milhões pertencem à sueca Assi Doman, maior proprietária de terras privadas do mundo. Detalhe importante: no momento em que este artigo for publicado, esses números e outros que cito abaixo no texto estarão defasados, porque mudam diariamente. Para maior.


Existem entre 3.500 e 4.000 produtos de madeira certificados no mercado. Eles vão desde palito de dentes a carvão para churrasco, passando por aplicações mais nobres como móveis e instrumentos musicais. A Price Waterhouse estima que, nos Estados Unidos, o mercado para produtos de madeira certificados crescerá entre 100% e 150% ao ano nos próximos anos. Atualmente ele representa 1% do mercado norte-americano e 5% do mercado de alguns países europeus.


Manejo florestal
O grande impulso para que a certificação florestal fosse encarada com seriedade foi a criação, em 1993, do Conselho de Manejo Florestal, mais conhecido pela sigla em inglês FSC (Forest Stewardship Council). A diferença entre o FSC e outras entidades que também querem incentivar o manejo correto das florestas é sua representatividade. Ele é organização independente, composta por representantes da indústria madeireira, entidades certificadoras privadas e ONGs ambientalistas (entre as quais o WWF e o Greenpeace) e sociais. Antes do FSC havia uma proliferação de selos verdes, alguns sérios, outros não, mas nenhum que contasse com a participação de todos os setores envolvidos.


O FSC não certifica diretamente as empresas madeireiras, mas estabelece critérios para a certificação. Cabe a certificadores privados credenciados pelo FSC (no Brasil, Rain Forest Alliance, SCS e SGS) aplicar esses critérios e decidir se uma exploração florestal deve, ou não, ser certificada. Como a certificação é um ato voluntário, os governos não precisam ser envolvidos. Os produtos produzidos com madeira certificada podem utilizar o selo do FSC, que está se tornando rapidamente conhecido em todo o mundo.

Como obter a certificação
Para obter a certificação, é preciso assegurar que:


a) A integridade do ecossistema seja preservada;
b) A exploração da floresta não ultrapasse a capacidade de regeneração;
c) Espécies e hábitats ameaçados sejam protegidos;
d) Produtos químicos e dejetos sejam controlados;
e) Os direitos dos trabalhadores e das populações tradicionais sejam observados.


As primeiras estatísticas mostram que 68% da floresta tropical nativa certificada (1,5 milhões de hectares) estão na África, 30% na América Latina e 2% na Ásia. No entanto, dois terços da área africana são provenientes de uma única floresta na Namíbia.


Uma vantagem da América Latina é a diversificação de fornecedores. A África conta com apenas quatro florestas certificadas. A América Latina já tem 37, o que representa 61% do total mundial, o que representa mais empresas, mais produtos e maiores oportunidades de fazer negócios. De fato, sob vários aspectos a América Latina parece ter assumido a liderança do processo de certificação: o continente responde por apenas 9% do comércio internacional de madeira tropical nativa, mas já oferece 30% da madeira certificada.


É um sinal de que nosso continente está se adaptando aos novos tempos. Isso é estratégico. Com o esgotamento dos estoques no Sudeste Asiático e instabilidade política da África, a América Latina poderá tornar-se o principal fornecedor da matéria-prima. O mercado madeireiro internacional e seus capitais deverão voltar-se para nosso continente, estejamos preparados ou não.


Pinus e eucaliptos
Tudo o que foi dito até aqui referia-se às florestas tropicais nativas, como a floresta amazônica. Agora vamos falar de florestas de pinus, eucalipto e teca, setor no qual a América Latina também está bem. Essas florestas servem para a produção de papel e também para a construção e mobiliário e podem ser plantadas (caso do Brasil) ou naturais. A Suécia possui quase nove milhões de hectares certificados e a Polônia, dois milhões. O Brasil está em terceiro lugar. Temos 572 mil hectares certificados. As maiores plantações certificadas no Brasil pertencem à Mannesman (235 mil hectares) e Klabin (218 mil hectares).


No Brasil é possível comprar desde cabo de vassoura até uma casa completa construída com madeira certificada, conhecida como “casa Z”. Há “casas Z” em exposição em Niterói (RJ) e Itacoatiara (AM) , além da recém-inaugurada sede local do WWF em Corumbá (MS). Em Niterói e Itacoatiara as prefeituras estão utilizando madeira certificada para equipamentos urbanos (bancos de praça e outros).


Apesar de vários esforços – e muito discurso – as florestas continuam desaparecendo a um ritmo assustador. Cerca de 12 milhões de hectares somem para sempre todos os anos, ou, como gostam de comparar os ambientalistas, 37 campos de futebol por minuto. São números da FAO, órgão da ONU que cuida da agricultura e alimentação. Para reverter esse quadro, é necessário ampliar significativamente o número de parques e reservas. A certificação pode ser outra importante ajuda. Uma idéia recente, que está tendo acolhida acima das espectativas. Móvel de jacarandá, desculpe, você não pode comprar, exceto antiguidade. Móvel certificado, acredite, você ainda vai ter um.