É hora de varrer as omissões

12 de abril de 2004

Sávio Renato Bittencourt S. SilvaPromotor de Justiça Ainda nos saudosos bancos acadêmicos, na Universidade Federal Fluminense, tivemos a oportunidade de ler um romance de Gabriel Garcia Marques que muito nos impressionou. Chamava-se “Crônica de uma Morte Anunciada”  e versava sobre um homicídio cometido numa cidade pequena, onde todos ficaram sabendo antecipadamente que os assassinos matariam… Ver artigo

Sávio Renato Bittencourt S. Silva
Promotor de Justiça


Ainda nos saudosos bancos acadêmicos, na Universidade Federal Fluminense, tivemos a oportunidade de ler um romance de Gabriel Garcia Marques que muito nos impressionou. Chamava-se “Crônica de uma Morte Anunciada”  e versava sobre um homicídio cometido numa cidade pequena, onde todos ficaram sabendo antecipadamente que os assassinos matariam a vítima, por força de uma questão de honra de uma mulher.
Nesta obra esplendorosa, o autor demonstra a desídia dos responsáveis pela cidade, que julgavam que sua autoridade bastava para evitar o homicídio. O delegado, por exemplo, ao saber que havia um plano para que a vítima fosse morta, foi até os pretendentes homicidas e retirou as facas que carregavam, voltando em seguida, tranqüilo, para seu jogo de carteado. A auto-suficiência da referida autoridade acabou por não impedir que o homicídio ocorresse, já que os assassinos voltaram em casa, pegaram outras facas na cozinha e voltaram a perseguir a vítima, matando-a.
Passaram-se os anos e nos vemos diante de história triste, muito parecida com a do romance citado. Assistimos pasmos a “Crônica do Desastre Anunciado”, que fulminou parte significativa da vida existente na Baía de Guanabara. Pesquisamos o histórico da relação da REDUC com o Estado do Rio de Janeiro e constatamos que existem há décadas dutos de combustível  não licenciados cruzando a Baía de Guanabara. Descobrimos que a REDUC assinou dois termos de ajustamento com o Estado, em 1991 e 1994, sem que se tenha comprovado, ou ao menos questionado, seu cumprimento. A descontinuidade administrativa entre governos sucessivos e as conveniências econômicas desenvolvimentistas decretaram uma tragédia ambiental sem precedentes.
Agora, na correria que se seguiu ao acidente, temos pautado a conduta investigatória do Ministério Público Estadual, em conjunto com a Procuradoria da República, com a maturidade institucional que o momento exige. Resta-nos exigir a reparação do dano ambiental e apuração criminal. Contudo, a principal tarefa legada pela tragédia anunciada é a de criar neste momento histórico condições para que a omissão estatal seja varrida para sempre de nossa vida pública.


Pesquisamos o histórico da relação da REDUC com o Estado do Rio de Janeiro e constatamos que existem há décadas dutos de combustível  não licenciados cruzando a Baía de Guanabara


Da arte de matar biguás


Nada fala mais alto que a imagem do biguá mumificado pelo óleo negro e asqueroso do descaso e da negligência empresariais.Mas de nada adiantaria tal imagem se não fosse vista pelos milhões de brasileiros e brasileiras desse nosso mundo globalizado


Ubiracy Araújo*



Nesta questão do derramamento de 1,3 milhão de litros de óleo na Baía da Guanabara, pela Petrobras, uma coisa é certa: o papel da imprensa foi fundamental e quiçá decisivo para apressar a tomada das primeiras decisões concretas e tendentes a corrigir o incorrigível.
É claro que temos as leis, os seus aplicadores e as instituições responsáveis por toda essa parafernália burocrática, entretanto nada fala mais alto que a imagem do biguá – antes brilhante – mumificado pelo óleo negro e asqueroso do descaso e da negligência empresariais.
Mas de nada adiantaria tal imagem se não fosse vista pelos milhões de brasileiros e brasileiras desse nosso mundo globalizado.
A partir daquela visão a sociedade e as organizações começaram a sua movimentação para tentar salvar o possível, mas sempre com a imagem do biguá presa ao fundo da retina, denunciando que por mais que se faça, muito não poderá ser feito, pois o acidente foi inexorável com milhões de vidas aquáticas e sub aquáticas da fauna e da flora.
A pressa da Petrobras em pagar a multa – sem recorrer como afirmou o seu presidente – não pode ofuscar a adoção de outras medidas igualmente urgentes, afinal a Constituição determina que  as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Superada a fase do pagamento da multa – sanção administrativa – temos que ficar atentos para a aplicação das sanções penais, agora fartamente amparadas pela Lei de Crimes Ambientais e, sobretudo, para a recuperação dos danos.
E nisto a imprensa e a sociedade civil hão de ter, mais uma vez, um papel de enorme relevância. 
Afinal, não basta a especialista anglo-saxã contratada pela Petrobras afirmar que o acidente foi de médio porte. Também não é  justificável a demissão do Chefe da Fiscalização do Ibama – profissional sério e competente – por não ter avisado que a Petrobras teria direito a desconto se pagasse a multa à vista: o que é necessário e urgente é que não tenhamos mais caranguejos escalando o último galho das plantas sufocadas do manguezal ou biguás morrendo asfixiados pelo dólar negro da ganância e da subserviência. 
    
* Vice-presidente para a região centro oeste do IDPV – Instituto “O Direito por um Planeta Verde”. Representante para o GO, TO e DF do IBAP – Instituto Brasileiro de Advocacia Pública; Sócio Fundador do IPANEMA – Instituto de Pesquisas Avançadas em Economia e Meio Ambiente. Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB-DF; Procurador do IBAMA, atualmente cedido ao Ministério Público Federal.


 


Dois anos da Lei de Crimes AmbientaisMilano Lopes


Ao completar dois anos de vida, no dia 12 de fevereiro corrente, a lei de crimes ambientais (Lei n0 9.605, de 12 de fevereiro de 1998) confirmou a velha máxima de que, embora importante e indispensável, a legislação precisa ser apoiada pelo governo e pela sociedade para sair da letra fria e saltar para a realidade. Ou seja, a lei de crimes ambientais ainda precisa “pegar”, se bem que a sua aplicação máxima no caso do derramamento de óleo na baía da Guanabara já foi um bom exemplo.
Decorridos dois anos de sua vigência, a lei enfrenta os problemas estruturais do meio ambiente no país: a insuficiente estrutura operacional das agências de meio ambiente, tanto da União (Ibama) como dos Estados; a quase inexistente fiscalização dos crimes ambientais, tanto nas regiões mais remotas como nas grandes cidades, a reduzida participação popular na identificação e na denúncia de crimes ambientais e a discreta, para não dizer fria, cobertura da mídia.
Poucas Estados criaram e operam as ouvidorias ambientais, apesar de todos reconhecerem ser um instrumento importante para unir governo e sociedade na denúncia dos crimes ambientais.
As companhias de policiamento ambiental foram organizadas em poucos Estados. São estruturas independentes da Polícia Militar, essenciais ao trabalho tanto de prevenção como de repressão dos crimes ambientais.
As pesadas multas impostas pela legislação vem sendo contornadas pelos infratores utilizando brechas da própria legislação. Assim, muitos infratores, especialmente empresas, fogem da multa recompondo o meio ambiente danificado. Ocorre que o fazem com atraso, muitas vezes provocando danos irreparáveis.
A mega-multa de R$ 51 milhões aplicada à Petrobras pelo vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo combustível na baía da Guanabara, teve um “abatimento” de 30%, ou R$ 15,3 milhões porque a lei faculta essa vantagem a quem pagar a multa antes do prazo.
Os infratores continuam praticando, virtualmente impunes, todos os crimes ambientais, tais como captura, e conservação em cativeiro e comercialização de animais silvestres, construção em solo não edificável, desmatamento ilegal, queimadas, lançamento de resíduos sólidos, poluição atmosférica, hídrica e sonora, supressão de vegetação, entre outros.