Omissão

Culpa da Petrobras não anula culpa do Estado

12 de abril de 2004

Depois da porta arrombada, governos estadual e federal foram consertar a fechadura

As autoridades estaduais, quase uma semana depois do acidente, ainda pareciam isentas de culpa. O biólogo Mário Moscatelli, gerente do Programa de Manguezais da Secretaria Estadual de Meio Ambiente chegou a pedir um boicote à Petrobras para melhorar o controle ambiental.
No dia 24 de janeiro, à tarde, uma surpresa: os ministérios públicos Federal e Estadual deram um prazo de cinco dias para o presidente da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente-FEEMA, Axel Graal, explicar se o órgão tinha um plano de emergência para acidentes ambientais na Baía de Guanabara e dizer como são fiscalizadas as empresas poluidoras da Baía.
As respostas da FEEMA serão confrontadas com as explicações fornecidas pela Petrobrás aos ministérios públicos. “O que está se constatando é que se houvesse um plano de emergência, o acidente não teria assumido essas proporções”, disse o promotor Sávio Bittencourt, sub-coordenador da Equipe de Meio Ambiente do Ministérios Públicos Estadual. A Folha do Meio Ambiente pública uma explicação técnica do promotor de que a culpa da Petrobras pelo acidente não anula a culpa do Estado pela omissão, no cumprimento do dever de fiscalizar. (página 20)
Assim o Estado deixava sua posição só de vítima. No dia 25, o Jornal do Brasil trazia na primeira página, com destaque “vazamento traz à tona descaso total com a Baía”. E como manchete do caderno da Cidade “Óleo mancha o poder público”. E como entre-título: “Estado admite que não tem como fiscalizar todas as empresas que poluem a Baía de Guanabara”.
Depois de uma semana do derramamento de óleo, o governo Anthony Garotinho anunciava que a Baía de Guanabara terá um plano contra a poluição. E promete que os órgãos de Meio Ambiente vão atuar juntos para impedir que ocorram novos acidentes como o da REDUC.
Mas ainda há um grande nó para a justiça e os ministérios públicos Estadual e Federal desatarem. Por que o acidente durou quatro horas e trinta e cinco minutos? Até agora não há nenhuma resposta plausível.


Pacto pela Baía de Guanabara


Em parceria com 18 ONGs, a Petrobras vai assinar um pacto ambiental para o desenvolvimento de projetos de recuperação da Baía de Guanabara. Entre os projetos, dois são de suma importância: o de recuperação das áreas de manguezais atingidas pelo vazamento de óleo do dia 18 de janeiro e o de substituição da pesca predatória na baía por fazendas de criação de peixes e crustáceos.
Diretores da Petrobras e respresentantes das ONGs se reuniram dia 15 de fevereiro para discutir o texto final do pacto. As ONGs impuseram algumas condições para firmar a parceria, como a punição dos responsáveis pelo acidente, a criação de uma força-tarefa parmanente para fazer frente a acidentes, a contratração de uma auditoria externa independente e o pagamento imediato de multas devidas aos órgãos ambientais.
De uma maneira geral a Petrobras concordou com as condições das ONGs e foi além: o presidente Phillipe Reichstul anunciou uma reforma total na Superintendência de Meio Ambiente e na gestão ambiental da empresa.


Paradoxo de prêmios e acidentes


Milano Lopes


Desde 1972, quando explodiu um reservatório de GLP na Refinaria Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, a Petrobras vem se destacando como uma colecionadora de acidentes. Paradoxalmente, ao mesmo tempo, vem acumulando prêmios por excelência ambiental.
 Nos anos 70 e 80 somente no Terminal Almirante Barroso, em São Sebastião, em São Paulo, foram registrados mais de 80 derramamentos de óleo no mar.
Em 1975 o petroleiro grego Tarik lançou 5 milhões de litros de óleo combustível no mar.
Em 1978 o navio liberiano Brazilian Marina, contratado pela Petrobras, derramou 6 mil metros cúbicos de óleo na praia de São Sebastião, São Paulo.
Em 1983, um rompimento de duto entre Santos e Bertioga, em São Paulo, provocou o vazamento de 1,5 milhão de litros de óleo.
Em 1984 aconteceu a tragédia de Vila Socó, em Cubatão, São Paulo: um vazamento de gasolina, seguido de incêndio, destruiu uma favela inteira matando 98 pessoas.
Quatro anos depois, em 1988, uma nova tragédia: um incêndio destruiu a plataforma central de Enchova, na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro, matando 32 trabalhadores.  No mesmo ano a Petrobras enfrentou mais dois acidentes ambientais: o rompimento de um duto na Refinaria de Paulínia, em São Paulo, espalhando 100 mil litros de óleo combustível na região. Na Baía de Todos os Santos, na Bahia, 700 mil litros de óleo diesel vazaram durante a operação de carregamento do petroleiro Neuza.
No ano seguinte, em 1989, mais três acidentes: vazamento de 150 mil litros de óleo do petroleiro Japurá, no Terminal Almirante Barroso, em São Sebastião, São Paulo; mancha de óleo de 18 quilômetros atribuída ao petroleiro Felipe Camarão, na Baía da Ilha Grande, no Rio de Janeiro; e vazamento de 50 toneladas de óleo cru do petroleiro José do Patrocínio, em Angra dos Reis, Rio de Janeiro.
Em 1992, o rompimento do tanque de lastro do navio grego Theomana, operado pela Petrobras, provocou o vazamento de 200 toneladas de óleo no mar.
Em 1997, 600 mil litros de óleo cru de um duto da Refinaria Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, vazaram provocando uma mancha de óleo no mar.
É o mesmo duto que, dia 18 de janeiro de 2000, derramou um milhão e 292 mil litros de óleo, provocando o maior desastre ecológico na Baía de Guanabara desde o acidente com o Tarik, em 1975.
O paradoxo é que a Petrobras, considerada uma das cinco maiores poluidoras da Baía da Guanabara, é, ao mesmo tempo, uma grande investidora em qualidade ambiental.
Somente para os projetos ambientais do gasoduto Brasil – Bolívia a empresa destinou R$ 34 milhões. Investe na manutenção do Projeto Tamar, de proteção às tartarugas e recentemente recebeu o Prêmio Top de Ecologia, da Associação Brasileira de Dirigentes de Vendas – ABDV – , pelo programa de gestão ambiental da Frota Nacional de Petroleiros – Fronape.
Em 1996 ganhou o Prêmio Empresa Prevencionista do Ano da Associação Brasileira para a Prevenção de Acidentes, e vem se empenhando em obter para todas as unidades produtivas o certificado ISO 14001, relativo à gestão ambiental.


SUMMARY
Pollution in Guanabara Bay
A sad chronology of an announced catastrophe


It is like having a dream and a nightmare all in the same night.  The images are antithetical.  The dream is full of illusions; the nightmare is full of realities.  Think of the reality of this: an oil spill of 1.3 million liters of hot oil from a single duct at the Petrobras Duke of Caxias Oil Refinery (REDUC).  It happened on January 18th, and by January 20th (on St. Sebastian Day), more than 1000 tons of oil had contaminated one-fifth of the area (377 km2) of Guanabara Bay.
What is even worse is that this catastrophe might have been avoided.  In December 1999, in an audit of the administration of PDBG, Deputy Carlos Minc, President of the Environmental Defense Commission of the Legislative Assembly of the State of Rio de Janeiro-ALERJ, pointed out that of the 455 enterprises who are among the largest polluters of Guanabara Bay, only a few were being properly monitored, this following the dismantling of the State Foundation of Environmental Engineering (FEEMA).  In the same document sent to the Tribunal of State Accounts, Minc confirmed that in the past three years, sixteen oil leakages from petroliferous terminals had been reported and that this high incidence of leakages was obviously due to negligence.
On January 24th, the Folha of São Paulo newspaper reported that Petrobras had known for at least the last three years that the ruptured duct presented serious structural problems.  One week after the spill, Governor Anthony Garotinho told the Jornal of Brasil newspaper that the State (of Rio de Janeiro) was unable to adequately monitor the 400 enterprises that dump polluting debris into the ocean because its environmental agencies could not afford to undertake such expensive supervision.  The “Folha do Meio Ambiente” checked to see if Governor Garotinho had, at the beginning of his term a year ago, received a complete written report of the current state of the State’s environmental agencies.  The report, created by technical experts and specialists, featured the exclusive participation of Professor Elm Amador, a well-respected scholar, who holds a doctorate pertaining to the involvement of environmental agencies in Guanabara Bay.


Even worse news
On January 22nd, the extent of the disaster was made known to the general public.  Newspapers provided considerable coverage of the accident in an attempt to prove that Petrobras had indeed underestimated January 18th’s oil spill.  Philippe Reichstal, President of Estatal, had just announced the previous day that the oil spill was two and a half times the size that it was originally thought to be; that is, involving 292 million liters, almost 1.3 thousand tons of oil.  The worst came from the correcting of yet another detail regarding the accident.  Only after four hours, and not after thirty minutes as was first reported, did Petrobras realize that there was a serious problem with one of its connection lines at the Ilha D’Agua Terminal.
After being informed about the accident’s seriousness, Jose Sarney Filho, Environment Minister said, “This could well result in the largest environmental fine yet, somewhere close to R$50 million.”  Sarney Filho was waiting for the result of IBAMA’s inquiry that could easily fall under the  Federal Public Ministry’s jurisdiction by stating that Estatal be charged according to the Environmental Crimes Act, that foresees imprisonment up to five years in such a case. If this were to happen, the State would be let off the hook.
On January 25th, the Jornal do Brasil ran as one of its first-page headlines:  “Tone of indifference regarding oil spill in Guanabara Bay”, “Oil tarnishes public’s power” appeared as a headline under the newspaper’s City section, and yet another sub-heading referred to the incident:  “The State admits its inability to monitor pollution-producing enterprises in Guanabara Bay”.
A week following the Petrobras oil spill, Governor Anthony Garotinho announced that an anti-pollution project would be created for Guanabara Bay, and promised that environmental agencies would work together to prevent such accidents from happening again.
On the same day, IBAMA fined Petrobras R$51.05 million for the damage caused by the 1.3 million-liter oil spill in Guanabara Bay.  This was the largest and most expensive fine ever issued in Brazil.  Nonetheless, a big question remains unanswered in many peoples’ minds. Why did the accident on January 18th go undetected for nearly five hours?  The answer to this question is now left up to Federal and State ministers to figure out.  For the time being, no reasonable answer has been provided.