Polêmica no ar

Aeronáutica quer abater aves próximas aos aeroportos. Ibama diz que só pode abater se forem extintos os focos de atração das aves

15 de abril de 2004

Pilotos enfrentam “roleta russa” ao decolarem e aterrissarem no meio de urubus e quero-queros



O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) reconheceu, em 95, com a aprovação de uma resolução (com força de lei), a necessidade de restringir o uso de áreas próximas a aeroportos às atividades que não representem perigo à operação das aeronaves. Mesmo assim, os lixões continuaram a se multiplicar longe dos centros urbanos e perto dos aeroportos. Em todo o Brasil, o urubu, rastreador de restos de comida em estado de putrefação e portanto principal beneficiado da falta de tratamento dos dejetos urbanos e da presença dos lixões, tem sido apontado como o causador número um de colisão entre aeronaves e pássaros no país.

Salvador
Como medida de prevenção, em Salvador, o Centro de Recursos Ambientais da Bahia entrou com pedido junto ao Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), de abate de urubu, nas proximidades do Aeroporto Luís Eduardo Magalhães. O pedido está em fase de estudo por técnicos do Centro de Pesquisa para Conservação de Aves Silvestres (CEMAVE), que darão o parecer final da questão e fornecerão embasamento técnico à decisão final do presidente do IBAMA.

Aeroporto cercado por lixões
O aeroporto soteropolitano é cercado hoje de 11 lixões e apenas um deles se localiza em Salvador. O restante pertence aos municípios vizinhos e para serem eliminados dependem da boa vontade dos políticos locais. Como o IBAMA só libera o abate caso sejam feitas ações conjuntas de extermínio de focos de atração, a Prefeitura Municipal de Salvador tem duas opções a seguir: a mais arriscada: os pilotos aprenderem a dividir com os urubus o espaço aéreo. A mais sensata, mobilizar os vizinhos para abraçar a causa.


Perigo à vista: aeroporto de Salvador está congestionado de aviões e urubus


A lei que restringe a utilização de áreas próximas aos aeroportos não passou nem perto dos ouvidos dos soteropolitanos. O Aeroporto Luís Eduardo Magalhães, construído longe do centro da capital baiana, para evitar risco na operação das aeronaves, hoje sofre com a interferência humana na vizinhança. O crescimento desordenado destas áreas trouxe um fator de risco para os aeroportos: a proliferação de urubus devido a quantidade de lixo não tratado a céu aberto.
Na mesma medida em que cresce a cidade no local, aumenta também o número de urubus, nas proximidades do aeroporto e o risco de colisão desta ave com os aviões.
Enquanto aviadores trabalham sob eminente perigo no aeroporto baiano, podendo a qualquer momento, colidir aeronaves com um ou um bando de urubus, o Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) estuda a possibilidade de abater parte da avifauna, atraída ao Aeroporto pelos depósitos de lixos a céu aberto localizados na vizinhança.
O espaço aéreo do aeroporto baiano congestionado de aeronaves e urubus ainda não foi motivo suficiente para que acontecesse a liberação do pedido de abate do Centro de Recursos Ambientais da Bahia. “Enquanto o Governo Municipal não se comprometer a exterminar todos os focos de atração de urubus próximo ao aeródromo, o IBAMA não irá liberar a matança”, conta Mônica Koch, técnica do Centro de Pesquisa para Conservação de Aves Silvestres (CEMAVE) e responsável pelo parecer técnico do processo que irá embasar a decisão do presidente do IBAMA neste caso.
O processo contempla apenas o lixão de Canabrava e desconsidera outros focos de atração, localizados em municípios conurbados com a capital baiana e também vizinhos do aeroporto, segundo técnicos da CEMAVE. A explicação dada por técnicos do governo baiano é que não se pode interferir na política de outras cidades e por isso se encontram de mãos atadas.


Cemave: solução está na disposição final do lixo urbano


Casos como o de Salvador não são reros no país. A todo instante, um piloto corre perigo de vir a topar pela frente com um urubu ou um bando deles e, na melhor das hipóteses, ter o equipamento danificado. Nos dias quentes, a probabilidade aumenta. O cheiro exalado pelo lixões seduz os urubus e estes, por sua vez, com grande quantidade de proteína animal disponível proliferam-se com mais rapidez. Na mesma medida em que aumenta o número de aterros sanitários e lixões, cresce a população destes pássaros nas redondezas dos aeroportos. “E, a longo prazo, a tendência é piorar. Já existem espécies com duas estações reprodutivas ao ano, ao invés de uma. Isto significa que a oferta alimentar dos urubus está atingindo, cada vez mais, patamares mais altos enquanto a miséria e falta de saneamento no país continuam sem solução. O brasileiro, com a globalização, adquiriu hábitos alimentares de primeiro-mundo e continua a tratar seu lixo como um país de terceiro-mundo”, conta Mônica Koch, técnica do CEMAVE, que não vê saída para o excesso populacional dos urubus, a não ser pela disposição final adequada do lixo urbano.

Quero-quero
Além do urubu, outros pássaros têm contribuído para aumentar os incidentes nos aeroportos. O quero-quero, em Porto Alegre, ocupa o primeiro lugar na lista de pássaros atingidos por aeronaves na capital gaúcha. Ele habita as áreas pantanosas que cercam os dois aeroportos locais. Os transtornos oferecidos por este pássaro à segurança dos vôos se deve principalmente à falta de planejamento na época da construção das pistas de pouso. Mônica tem observado problemas semelhantes em outras localidades, como aeródromos próximos às lavouras, banhados, ou na rota de migração de aves.

Caturrita
A caturrita apresenta séria resistência às alterações verificadas no sistemas ecológicos, parecido com a do urubu. Com o desmatamento da região onde habitava, a caturrita não foi extinta como aconteceu com outras espécies. Pelo contrário, hoje é considerada praga para as lavouras do Rio Grande do Sul e perigo às operações de vôo. Antes, ela construía seu ninho em arbusto de 1,5 m. Hoje é capaz de reproduzir em árvores de 30 m o que, para o seu predador natural, a cobra, é inatingível. A facilidade de se adaptar às mudanças gerou desequilíbrio na cadeia de alimentação, com excesso de caturritas na natureza.


Urubus na pista
Mas de todas as ocorrências de colisão, a com o urubu apresenta maiores dificuldades de redução de registros. Eles são numerosos e a sua multiplicação está associada ao crescimento desordenado das cidades, uma situação fora de controle em quase todas metrópoles brasileiras. O urubu também não se intimida com qualquer predador. A utilização da falconaria (falcão) para espantar outros pássaros não obteve resultados satisfatórios no caso deles. Métodos como canhões de gás que irritam a mucosa das aves, espantalhos visuais, equipamentos que emitem sons do predador ou da espécie agonizando são inócuos no caso dos urubus, por que estas aves não se concentram na superfície dos aeródromos, passando a maior parte do tempo a sobrevoar as pistas de pouso e decolagem.


As características peculiares do urubu vêm mobilizando grupos de estudo, setores da sociedade e órgãos governamentais com intuito de reduzir a freqüência de incidentes aéreos causados por essa ave. Apesar de no Brasil, até hoje, ter-se registrado apenas uma vítima fatal e duas com lesões graves decorrentes de colisão desta natureza, a importância da matéria tem merecido destaque na mídia. “Se algumas providências não forem tomadas, podemos atingir uma situação-limite e até irreversível”, conta Capitão Magalhães, técnico do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos do Ministério da Aeronáutica (CENIPA).


O urubu, principal alvo destes estudos, quando atravessa a rota de um avião, pode ocasionar um prejuízo material na ordem de 1 milhão, sem falar, é claro, na possibilidade de perdas humanas. O impacto entre uma aeronave em processo de decolagem com uma ave de aproximadamente 1,5kg, equivale a uma batida de sete toneladas, ou melhor, sete fuscas. Na equação que calcula a transferência de impacto, a velocidade do equipamento tem efeito multiplicador do peso da ave, que é insignificante em relação ao tamanho e massa do avião.


Riscos permanentes
O desenvolvimento do setor de transporte aéreo, o aumento da frota de aviões e de rotas e horários de vôos, são motivos de preocupação por parte dos setores envolvidos com as medidas de prevenção de acidentes aeronáuticos. “A partir do momento em que temos um céu congestionado, obstáculos e adversidades naturais, corremos mais riscos do que antes”, explica o militar.


Omissão dos responsáveis
“Se a discussão sobre o abate do urubu persistir por muito tempo, acidentes fatais podem acontecer neste intervalo, antes de se chegar a uma conclusão plausível”, teme Magalhães. Para o capitão, o embargo de atividades poluidoras como o lixão está previsto na Lei de Crimes Ambientais. “Se o governo não os proibiu é porque houve omissão de órgãos competentes ou então, faltou fiscalização suficiente para notificar os responsáveis”.


Como extrapola a competência do Ministério da Aeronáutica a decisão sobre a matança de urubus, Magalhães aposta num trabalho compartilhado para a solução do problema. Desde de 95, o CENIPA e o CEMAVE vêm atuando juntos. Técnicos destes órgãos levantaram dados sobre a avifauna de todos os aeroportos do país. Hábitos, espécies, reprodução e quantidade de aves por metro quadrado, entre outros elementos, foram identificados pelos especialistas, a fim de permitir uma melhor compreensão do comportamento dos pássaros e também, de melhorar as condições de segurança nos aeroportos. “Mas até o momento ainda não ficou definido quem responderá perante a justiça, em caso de mortes em acidentes aéreos provocados por colisão com pássaro”, comenta Magalhães. Numa eventualidade deste tipo, parentes da vítima poderão acusar tanto o governo municipal, estadual e federal “Todos eles serão responsabilizados, visto que não aplicaram ações corretivas a tempo de prevenir a catástrofe”, conclui o capitão.


Mais informações:
Cemave: (61) 233-3251


Teleacre
Urubus cortam ligações telefônicas


Dez municípios do Acre estão há cerca de um mês com a comunicação dificultada pela ação de urubus nas torres da Teleacre, a empresa que controla a telefonia fixa no Estado. Os urubus vêm usando as torres para construir os ninhos ou pousam num dispositivo chamado dipolo prejudicando a propagação do sinal. Além disso, de tanto bicar os cabos, eles acabam por parti-los ao meio. As cidades de Xapuri, Capixaba e Senador Guiomard são as mais prejudicadas e chegam a ficar até seis horas sem comunicação telefônica com o resto do País, principalmente à noite. Os técnicos da Teleacre ainda não descobriram o que atrai os urubus às torres. Encarregado de coordenar uma “operação anti-urubu”, o engenheiro eletrônico Aber Derze, gerente de manutenção da Teleacre, esteve em Rondônia – onde ocorreram problemas parecidos – para coletar informações sobre como afugentar as aves. A primeira medida já foi tomada: foram espalhadas bandeirolas vermelhas pelos andaimes das torres, nos ponto preferidos pelos pássaros. O próximo passo é adquirir buzinas que soam automaticamente a cada dez minutos. “Se nada disso der certo, diz um técnico, somente espingarda para resolver o problema”.