Resgatando o passado pelo ecoturismo

12 de abril de 2004

Aldeia indígena de Roraima utiliza o turismo como forma de recuperar a história e as tradições milenares do povo macuxí


No contato dos brancos com os índios, o mundo dito civilizado sempre levou a melhor. Uma história conhecida de todos e, que no Brasil, começou a ser contada em 1500 com a vinda dos portugueses. Desde então, o processo de aculturação indígena passou a ser tema recorrente na memória do país.
A aculturação é um caminho sem volta para a maioria das tribos brasileiras. No momento em que a cultura branca se torna presença efetiva entre as comunidades indígenas, o esquecimento das próprias tradições torna-se uma mera questão temporal. A luta para preservar a cultura é perdida dia-a-dia com a inserção de novos valores.
Ao longo de muito tempo, os índios macuxí, da fronteira de Roraima com a Guiana Francesa, abandonaram a tradição de seu povo para viver de acordo com os hábitos do homem branco. Como sempre, longe de incorporar apenas a parte positiva da nova cultura, os macuxí passaram a sofrer também com os problemas econômicos e com as doenças contagiosas.
De tribo indígena, a comunidade se transformou em uma parcela marginalizada da população brasileira. Porém, o anseio de ter uma vida mais confortável não os fazia pensar na possibilidade de abandonar o tão almejado conforto do mundo moderno. O retorno completo às próprias tradições já não parecia mais possível.


“O turismo é uma forma de resgatar a cultura de um povo”
Mardônio Botelho


O resgate da história
Entretanto, desde 1998, os macuxí deixaram de ser um exemplo de tribo aculturada para viver uma alternativa diferente de resgate do passado. Em meados daquele ano, a Maloca da Raposa, formada pelos macuxí, foi a primeira tribo indígena a participar de uma oficina do Programa Nacional de Municipalização do Turismo.
A idéia de levar a atividade turística foi do estado de Roraima. Seria uma forma de promover o desenvolvimento sócio-econômico da maloca e, ao mesmo tempo, incentivar o resgate cultural dos macuxí. O estado solicitou então a ajuda da Embratur para trabalhar o tema com a tribo.
Porém, o projeto de turismo indígena só teve início porque os macuxí compraram a idéia. Segundo a filosofia do Programa Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT) da Embratur,  só é possível implementar o projeto na região que deseja trabalhar com a atividade.   
 Já no primeiro evento do PNMT na maloca, cerca de 36 índios, inclusive de comunidades vizinhas, se inscreveram para participar. Todos queriam aprender um pouco mais sobre o assunto e entender como a atividade poderia beneficiar a região.
Para a supervisora de projetos estratégicos da Embratur, Ingrid Luck, que participou da oficina, os índios mostraram ter uma visão muito clara do que significa o turismo. “No início do trabalho, eu percebi que o índio entendia a necessidade de existir um preparo local para receber o turista”, afirma a supervisora. 
Os participantes também apontaram quais os atrativos que os índios poderiam mostrar para quem fosse conhecer a aldeia. Além das belezas naturais da região, como a Serra do Cristal e o Lago Caracaranã, eles começaram a pensar que a cultura do povo macuxí poderia ser um grande foco de interesse turístico.
Os índios concluíram então que a pajelança, o artesanato, as danças, o idioma macuxí … enfim, todas as tradições locais, seriam o atrativo turístico. Segundo o moderador da oficina na Maloca da Raposa, Mardônio Botelho, o turismo é uma forma de resgatar a cultura indígena. “Quando alguém visita uma aldeia quer ver o diferente. Ninguém vai para conhecer um exemplo de tribo aculturada, que já esqueceu a próprios hábitos”, explica Mardônio.


Os dois lados
da moeda
No entanto, quem participou da oficina também demonstrou preocupação com os malefícios que o turismo poderia levar à região. Os principais pontos negativos apontados por eles seriam as doenças infecto-contagiosas e o modo como os agentes de turismo venderiam a imagem da tribo. Os índios temiam que a cultura macuxí fosse distorcida para fins lucrativos.
Mardônio Botelho explica que o medo dos índios é natural. “Se o turismo não for bem trabalhado, as consequências podem ser desastrosas para a comunidade”, alerta. Botelho diz que é importante o envolvimento dos líderes locais e de toda a população em geral nas atividades turísticas.
“Se a comunidade está envolvida e preparada para receber o turista, os impactos são menores do que em uma população desarticulada”, esclarece ele. Por isso, desde o começo da implantação do projeto na Maloca da Raposa, foi incentivada a criação de uma liderança local para tratar do assunto.
Depois da primeira oficina, os técnicos do PNMT já voltaram à aldeia para continuar o trabalho de desenvolvimento do turismo. Hoje, a maloca recebe visitantes durante os finais de semana. As índias mostram a culinária macuxí e o artesanato para quem visita o local. Outras opções são a pesca, o banho no lago e os passeios a cavalo pela serra.


Programa incentiva o resgate da cultura brasileira


Não é só nas aldeias indígenas que o resgate cultural é incentivado e visto como atrativo para o fortalecimento do turismo. Para o PNMT, a tradição do povo precisa fazer parte das gerações atuais para que a atividade turística não acabe. E isso vale para qualquer região do país.
Porto de Galinhas, um paraíso do litoral pernambucano, é a localidade pioneira do Programa. Foi lá que a coordenação do PNMT deu início a implementação da idéia de um turismo sustentável e voltado para a vocação regional. Tudo começou em 1995 e, a partir desta data, o turismo em Porto já se desenvolveu bastante.
Segundo a gerente de projeto do PNMT, Tatiana Espíndola, o preparo de Porto para receber o turista mudou muito nos últimos anos. “Se antes, por exemplo, o turista chegava na praia e era assediado por 20 jangadeiros, hoje ele  já encontra uma estrutura muito mais organizada. Ele contrata a Associação dos Jangadeiros de Porto, que passa o trabalho para o primeiro da fila. Assim o turista não é incomodado e todos têm a oportunidade de ganhar dinheiro”, explica Tatiana.
A meta do Programa para este ano é incentivar o desenvolvimento das atividades artesanais e a vocação cultural nos municípios turísticos. Para mobilizar a comunidade, o PNMT vai estar realizando oficinas de capacitação profissional para artesãos e cozinheiros.
Um curso já está marcado para acontecer em Cáceres, no Mato Grosso. Com vocação para a pesca, o município tem o peixe como o grande atrativo da culinária regional. Neste ano, o PNMT vai realizar um curso com um grande cozinheiro para preparar os profissionais da região.
“Queremos que, depois do curso, os turistas possam dizer: ‘Em Cáceres, come-se um dos melhores peixes do Brasil’. O nosso objetivo é o fortalecimento de tudo o que a região tem de bom para oferecer. “Até porque, ao expandir o turismo municipal, quem sai ganhando são os habitantes da própria região”, explica Tatiana Espíndola. E os turistas, é claro, também.