Lixo tóxico

Lixo high-tech é novo vilão do meio ambiente

19 de abril de 2004

Pilhas, baterias de celular, embalagens de agrotóxico, remédios vencidos: o lixo que mata

Os prejuízos causados ao meio ambiente pela disposição final incorreta de acumuladores, como baterias de celular, só chegou ao conhecimento do brasileiro comum porque a televisão resolveu abordar o assunto. O “boom” da telefonia celular, que recentemente atingiu a marca de 10 milhões de telefones habilitados, foi o gancho propulsor das diversas reportagens realizadas a respeito desse lixo high-tech e da necessidade de reciclá-lo. Elegeram a bateria do celular como personagem principal dessas matérias. Com todas as atenções voltadas para ela, em pouco tempo passou a ser a grande vilã da natureza e não apenas o acessório essencial ao funcionamento da telefonia móvel.


Tudo isso seria verdade se não fosse por um motivo. A bateria de celular não é o único item que contém metais pesados nocivos à saúde humana. Há uma série de outros acumuladores que precisam do mesmo cuidado quando esgotada a sua funcionalidade de produzir energia e que há muito tempo vem impactando o meio ambiente. São eles: pilhas “botão” (para relógios, calculadoras), pilhas comuns (lanternas, máquinas fotográficas, brinquedos, gravadores portáteis), baterias de filmadoras, de hospitais etc.


Bioacumulativos
Esses acumuladores têm sido misturados ao lixo doméstico cujo destino são os lixões e aterros sanitários. Nesses locais ficam expostos à ação do sol e da chuva, podendo explodir e vazar metais tóxicos no meio ambiente. Daí para contaminar os cursos d’água ou as águas subterrâneas é um pulo. Ao chegar no ser humano, os riscos de acarretar problemas renais, no sistema nervoso central e até provocar o câncer são grandes. Por serem bioacumulativos, esses metais não são eliminados pelo organismo e as seqüelas por eles deixadas são, na maioria das vezes, irreversíveis.


Trata-se de um assunto muito grave e pouco discutido pelos técnicos do governo federal. Só esse ano é que o Ministério do Meio Ambiente elaborou uma resolução, com força de lei, aprovada dia 30 de junho último, para definir os procedimentos de reutilização, reciclagem, tratamento e disposição final de pilhas e baterias. Enquanto isso, foram descartados no meio ambiente em torno de 800 milhões de pilhas por ano e só no estado de São Paulo, ou seja, em torno de 450 toneladas.


A resolução
De acordo com a resolução, os fabricantes terão prazos para reduzir o potencial tóxico das pilhas e baterias, fixar esclarecimentos nas embalagens a respeito do efeito tóxico das mesmas e respeitar as normas técnicas para incineração e reciclagem dos metais pesados. Na desobediência das determinações estão previstas penalidades, conforme já disposto na Lei de Crimes Ambientais.


O diretor comercial da Ericison no Brasil, Anderson Teixeira, acredita que o sucesso de uma campanha desse tipo depende da participação da população e para isso torna-se necessário informá-la. “Por desconhecer o perigo oferecido pelas pilhas e baterias é comum a cena de crianças desmontando baterias ou com pilhas na boca”, acrescenta ele.


Casos citados por Anderson acontecem com freqüência. O próprio coordenador do grupo de trabalho que elaborou a resolução e técnico do MMA, Guilherme Alves Bruno, lembra de ter brincado, na infância, com mercúrio ao desmontar uma lâmpada. “Por ter uma cor interessante, qualquer criança fica tentada a manusear o líquido”, conta ele. Aliás, foi pela beleza e luminosidade do Césio 137 que várias pessoas, em Goiânia, viveram o terrível drama do acidente nuclear há 10 anos. Só que para descobrir a quantidade de metais tóxicos absorvidos pelo organismo não bastam os exames de rotina. O mais consagrado dos testes é feito nos Estados Unidos, a partir da análise de fios de cabelo e custa caro. “Quando o acúmulo chega a níveis intoleráveis, a pessoa já desencadeou uma série de doenças”, afirma Bruno.


Como é em outros países
Nos Estados Unidos e na Europa, nesta com exceção do Reino Unido, todos os países contam com leis que regulamentam a coleta seletiva de pilhas e baterias. As pilhas de “botão”, por exemplo, sofrem sérias restrições nos países do primeiro mundo. Os fabricantes tiveram que reduzir a quantidade de mercúrio nas pilhas sob pena de não poder mais comercializá-las naqueles países. No Brasil, iniciativas como a do ex-deputado federal e atual Secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo, Fábio Feldman, fracassaram no Congresso. O projeto de lei de Feldman, que exigia a impressão, nos rótulos de pilhas e baterias, de esclarecimentos sobre a toxicidade dos metais pesados presentes nesses acumuladores não passou na Comissão de Economia da Câmara dos Deputados por ser considerada onerosa aos fabricantes.


Nos EUA
O programa americano de coleta seletiva de pilhas e baterias já conta com 22 mil postos de coletas nos EUA que vão desde lojas de departamento até órgãos públicos. Todo sistema de coleta, transporte, armazenamento, reprocessamento e publicidade é pago pela licença de uso do selo da RBRC (Rechargeable Battery Recycling Corporation), afixado nas baterias. O valor da licença varia de acordo com a porcentagem de cádmio presente no elemento.


No Japão
No Japão, a empresa Yokohama Metal mostrou que é possível ganhar dinheiro com o lixo tecnológico. A empresa extraiu, só no ano passado, 50 quilos de ouro, 1 tonelada de prata e 20 mil toneladas de bronze de 3 milhões de carcaças de telefones celulares, além de ter recuperado o metal pesado das baterias. No Brasil quando se fala em responsabilizar os fabricantes sobre o destino desse material tóxico o que se ouve é chiadeira e quando muito, a promessa de fazer alguma coisa. Interessados em lucrar cada vez mais num mercado pouco competitivo, os fabricantes não vêm priorizando o meio ambiente.


Ciclo perigoso
Até agora, nenhuma propaganda dos fabricantes e revendedores de celular sequer mencionou o que fazer com a bateria usada e o que não se deve fazer de jeito nenhum: jogá-la no ambiente. Segundo estimativas do Ministério do Meio Ambiente, nos últimos quatro anos onze toneladas de pilhas e baterias foram tratadas como lixo doméstico, o suficiente para poluir uma área de onze mil metros quadrados em média, segundo o professor do Departamento de Química da Universidade de Brasília, Jurandir Rodrigues de Souza. O professor explica também que, com a chegada das chuvas, esse material é levado aos cursos d’água ou se infiltra na terra e contamina os lençóis freáticos, terminando por retornar às casas das pessoas, na forma de água e alimentos.


Descarte de baterias: todos sabem da gravidade do problema, mas as soluções são tímidas e isoladas


O que se tem visto são projetos isolados como o do bairro Riviera de São Lourenço de Bertioga/SP. Naquela comunidade as pilhas exauridas são encapsuladas em peças de concreto e depois usadas em obras da própria localidade. Tal técnica, inédita no Brasil e no mundo, foi desenvolvida pela Associação Brasileira de Cimento Portland – ABCP.


Outra solução foi oferecida pela cidade de Curitiba. Na capital paranaense, as pilhas e baterias são recolhidas e enviadas aos fabricantes. O restante, o que não pôde ser reciclado, é depositado no aterro industrial próprio para resíduos tóxicos, que consiste em grandes caixas feitas com cimento, areia e água. Esse processo conhecido por encapsulamento impede o vazamento dos resíduos tóxicos no meio ambiente.


A matéria completa você encontrará na edição de julho da Folha do Meio Ambiente