Transgênicos

Seminário no Senado recomenda prevenção e precaução com produtos transgênicos

20 de abril de 2004

O que é danoso precisa ser evitado e, diante das dúvidas, há que ter precauções

O seminário “Clonagem e Transgênicos – Impactos e Perspectivas”, promovido pelo Senado Federal, com a presença de autoridades e especialistas na matéria, aprovou um conjunto de sugestões, dentre as quais a de que, na abordagem dos transgênicos deve-se utilizar dois princípios do Direito Ambiental: o da Prevenção e o da Precaução.
O princípio da prevenção afirma que, uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada. Já o princípio da precaução estabelece que, se há dúvida sobre o potencial deletério de uma ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação.
O seminário, realizado no mês passado, reuniu o vice-presidente da República, Marco Maciel, os ministros Bresser Pereira, da Ciência e Tecnologia, e Francisco Turra, da Agricultura, técnicos do ministério do Meio Ambiente e da Embrapa, além de representantes de universidades e de organizações não governamentais.
Os participantes do seminário se dividiram em seis grupos – Biotecnologia e Meio Ambiente; Biotecnologia: Educação, Ciência e Tecnologia; Biotecnologia X Agronegócios; Biotecnologia e Saúde; Biotecnologia e Legislação e Bioética.
A recomendação relativa à utilização dos princípios da prevenção e da precaução, no trato com os transgênicos, foi de iniciativa do grupo de Biotecnologia e Meio Ambiente, mas foi acolhida pelo plenário do evento, que reuniu cerca de 200 especialistas.Recursos humanos
O plenário defendeu a realização de um programa de formação de recursos humanos de alta qualificação para a pesquisa, normatização, testes e fiscalização na área de biossegurança no país, bem como uma urgente discussão sobre mecanismos de captação, gestão e destinação de fundos para a sua efetiva implantação.
Parte expressiva destes recursos poderia ser originada por contribuições da iniciativa privada e das próprias empresas que aufiram ganhos com os Organismos Geneticamente Modificados – OGMs.
O seminário considerou importante “prover a sociedade com informações mais claras e precisas sobre os OGMs, para que cada cidadão possa decidir sobre a conveniência de sua utilização e consumo”.
Considerando que a liberação de OGMs no ambiente pode representar uma intervenção em grande escala nos processos naturais, o seminário recomendou ser imprescindível a apresentação de EIA-RIMA (Estudo de Impacto no Meio Ambiente – Relatório de Impacto no Meio Ambiente) em audiência pública, quando do processo de liberação da produção e do cultivo de OGMs.
Também entendeu necessário o monitoramento independente (feito por instituição ou organização sem vínculo com quem produz, comercializa ou cultiva o OGM em questão) de todo e qualquer OGM liberado no ambiente e de suas conseqüências por um prazo mínimo de cinco anos. Este estudo deve ser financiado pela empresa responsável pela produção, comercialização ou cultivo de OGM.
Embora sem representar posição consensual, o grupo de Biotecnologia e Meio Ambiente discutiu a proposta de que se deva impor restrições ao plantio em escala comercial de OGMs, através de uma moratória por cinco anos ou pelo tempo necessário para que se estabeleça uma base mais sólida para uma tomada de decisão mais segura.


Analfabetos científicos
O seminário considerou fundamental fortalecer o ensino de ciências para as crianças e adolescentes, no ensino fundamental e no ensino médio, com a introdução de conteúdos biotecnológicos nos currículos e a criação de cursos técnicos.
Também achou importante reforçar os cursos de graduação e pós – graduação nas diversas áreas da ciência e, em particular, da biotecnologia.
Embora os participantes do evento não tenham recomendado a criação de novos cursos de biotecnologia, sustentaram que é preciso reforçar os atuais cursos de biologia, agronomia, física e química e buscar dar a eles o enfoque biotecnológico. “O importante – diz a recomendação – é evitar que venhamos a nos tornar analfabetos científicos, uma possibilidade concreta dada a velocidade com que a ciência e a tecnologia estão evoluindo”.
Também foi sugerida a incorporação dos conhecimentos das populações tradicionais aos sistemas de ensino, assim como garantir, a essas mesmas populações, educação científica e tecnológica , preservadas as suas identidades culturais.
O grupo considerou a questão complexa, ao admitir que a educação não pode servir para a aculturação das populações tradicionais.


Jornalismo científico
Em relação à educação não – formal, foi aprovada recomendação para que sejam criados mecanismos que levem ao desenvolvimento do jornalismo científico e a especialização de jornalistas, nas universidades e nos institutos de pesquisa.
Foi lembrada a importância da educação científica nos espaços fora das escolas, como os museus. A educação à distância também foi mencionada, sendo proposta a maior utilização das televisões educativas para a tarefa de educar cientificamente o cidadão e informá-lo sobre os mais recentes avanços, assim como a utilização da Internet.
Em relação à formação de recursos humanos, o seminário sugeriu que sejam oferecidos cursos relacionados com a biotecnologia para pequenos agricultores, cooperativas e outras associações, e reforçar os conhecimentos de biossegurança de todos aqueles que de alguma maneira estejam envolvidos com a questão.


Tecnologias alternativas
O grupo responsável pelo tema Biotecnologia e Saúde sugeriu a criação de um centro de referência com competência científica e técnica para atuar no controle de acidentes gerados por agentes físicos, químicos e biológicos e a regulamentação da ação de serviços de genética humana quanto à validação dos resultados de exames específicos, como doenças monogênicas e teste de paternidade.
Foi aprovada recomendação para que a regulamentação da biotecnolgia na área de saúde animal seja menos restritiva do que em humanos, em face de existirem, na área animal, condições de maior competitividade.
Também foi sugerido incentivo a novas tecnologias alternativas para produção de vacinas, biofármacos e medicamentos, assim como a formulação de proposições ou exigências para que a introdução de novos produtos biotecnológicos no mercado brasileiro seja precedida de experimentos realizados no país, financiados pelos órgãos e empresas de origem.


Rotulagem obrigatória
O grupo de trabalho que examinou o tema Biotecnologia e Legislação sugeriu que todos os produtos geneticamente modificados tenham rotulagem obrigatória, indicando claramente ao consumidor sua natureza, ainda que tenha concluído que a rotulagem, por si só, não substitui os testes de segurança.
O grupo propôs também a criação de centros depositários nacionais e de um Comitê Nacional de Bioética, além de ampliar o debate com a sociedade, no sentido de esclarecer sobre essa matéria.
Sugeriu também que sejam feitas campanhas de divulgação em escala nacional, com o propósito de esclarecer os consumidores, em linguagem acessível, sobre o significado da biotecnologia e os princípios éticos dessa atividade.
Propôs, finalmente, a revisão e o aperfeiçoamento da lei 8.974, de 1995, que trata da biossegurança, no sentido de definir o papel da CTNBio, órgão vinculado ao ministério da Ciência e Tecnologia, tendo em vista definir um papel mais eficaz ao Poder Legislativo.
O grupo que examinou as questões de bioética concluiu que os organismos geneticamente modificados “podem apresentar soluções para problemas de bem estar de indivíduos e populações, bem como de uso do meio ambiente”, mas, ao mesmo tempo, advertiu que “tais organismos podem representar problemas de biossegurança”.
As duas constatações refletem o nível e a natureza do debate realizado pelo seminário, com as duas correntes se digladiando, cada uma procurando sustentar seu ponto de vista.
Foi, igualmente, um reflexo da insegurança e da divisão que existe entre as próprias autoridades federais em relação à efetiva utilização dos OGMs, com o ministério do Meio Ambiente defendendo uma atitude mais conservadora, de aguardar os resultados de estudos sobre a ação dos OGMs no meio ambiente, e os ministérios da Agricultura e da Ciência e Tecnologia sustentando a necessidade de seguir adiante com a produção e a comercialização dos transgênicos.