Plano decenal para Bacia do São Francisco
24 de maio de 2004O maior mérito do plano é propor um pacto de integração entre União, estados e municípios
Esperança é mais que lenitivo. É energia positiva para suportar adversidades. Deve ser este o principal sentimento dos menos possuídos e, principalmente, dos “sem voz” – justamente aqueles que ainda não nasceram ou, então, entes da natureza que não sabemos ouvir – em relação a revitalização do São Francisco. E o que acontece agora para avocar os generosos rio e santo de mesmo nome? Nasce um plano e renovam-se esperanças. Trata-se de proposta de um plano decenal cuja elaboração foi requerida à ANA – Agência Nacional de Águas pelo Comitê da Bacia há seis meses e que contou com a valiosa contribuição do GEF/São Francisco, consultores e sociedade.
Entregue ao comitê, à ministra Marina Silva e ao ministro Ciro Gomes, no início de maio, a proposta (que brevemente estará no site www.ana.gov.br) deve ser submetida, com naturais modificações, à reunião plenária do Comitê da Bacia do São Francisco a ser realizada na primeira semana de julho.
Pacto de integração
O maior mérito do plano é o de propor um referencial de princípios, diretrizes e estratégias como fundamentos, para harmonização dos diferentes interesses concretos entre estados e entre usuários, bem como de demandas difusas e até subjetivas da sociedade por uma recuperação hidroambiental da bacia. Neste contexto, existe uma importante proposta para a constituição de algo como um “pacto de integração” entre a União, os estados e o DF pelo qual, dentro de parâmetros negociados, as unidades federadas receberiam daquela a delegação para gestão da água do rio São Francisco em suas respectivas jurisdições. Isso significa que cada estado, cumprindo o compromisso de liberar para o próximo, a jusante, quantidade e qualidade de água pré-estabelecidas, teria grau de liberdade para estabelecer política integral de uso da água, seja da calha (água de domínio da União) ou dos afluentes (domínio estadual).
Para manter-se atualizado, o plano deverá ser revisado periodicamente e, para isso, deve ser entendido como um processo aberto de construção permanente.
Essa a grande diferença de outros planos que ficaram desatualizados ao término da elaboração e nunca saíram das prateleiras. Sendo aberto e dinâmico, esse plano, além de tornar-se espaço permanente de discussão, vai gerar motivação para articulações, negociações e atualizações que lhe darão o indispensável sentido de continuidade. Neste sentido, para sua legitimidade e eficácia, o Comitê da Bacia deverá assegurar que a aplicação de recursos da União, Estados e municípios, se realize sob suas diretrizes.
Agendas de
sustentabilidade
Com a perspectiva de descentralização, integração e democratização espera-se que o plano, sem perda da condição emblemática do rio São Francisco, reforce o conceito de bacia como o amplo espaço onde se dão os impactos da degradação. Os rios são resultantes do que ocorre na bacia. O rio não é um ente autônomo.
Essa compreensão amplia o espaço para uma efetiva e indispensável participação da sociedade e no plano federativo, dos municípios (e comunidades) onde as pessoas vivem e onde se realizam todas as atividades econômicas e de qualquer outra natureza. São elas que promovem a degradação ambiental e será por meio delas, principalmente, que se fará a revitalização da bacia.
Propõe-se construir agendas de sustentabilidade. Isso enseja a oportunidade de fortalecimento de processos de mobilização social para geração de agendas locais (comunitárias, municipais) no conceito já consagrado da Agenda 21.
Da mesma forma, poderia estimular agendas de sustentabilidade setoriais; por exemplo, entre os agricultores que degradam o solo pelo manejo inadequado provocando erosão, num processo difuso e que só será revertido pela adoção de práticas conservacionistas na respectiva atividade produtiva. Isso significa transformar um agricultor em “produtor de água”, que eliminando ou reduzindo a erosão, conserva solo e água.
O plano parte do pressuposto que o processo de desenvolvimento da bacia, de modo geral, tem sido insustentável, mesmo que tenha gerado resultados econômicos demandados pela sociedade.
Nobres funções
Hoje é a mesma sociedade que requer mudanças via revitalização, que será entendida de várias maneiras, tendo sempre como referência o objetivo central de aumentar a quantidade e melhorar a qualidade da água. Amplia-se, assim, a possibilidade de que a água cumpra suas múltiplas e nobres funções.
Por tudo isso, é fundamental reconhecer que, sendo uma agenda aberta e com objetivos bem definidos, deve ser estimulada, apoiada e bem acolhida por toda a sociedade. Esse é o desafio maior: mudar nossa “cultura centralizadora” e praticar a verdadeira gestão democrática das águas.
Afinal, instituições gerenciam recursos hídricos e, no contra-ponto, gente cuida de água.
“A revitalização da bacia tem como
objetivo aumentar a quantidade e melhorar a qualidade da água, ampliando assim a possibilidade de que ela cumpra suas múltiplas
e nobres funções”
Romano: “Eis o grande desafio: mudar nossa cultura
centralizadora e praticar a verdadeira gestão democrática das águas. Afinal,
instituições
gerenciam recursos hídricos e, no contraponto, gente cuida de água”.