O Dia Depois de Amanhã

21 de junho de 2004

Realidade ambiental e ficção em um mesmo filme


Um exemplo, é que possivelmente a Corrente do Golfo que mantêm muitos Portos do norte europeu, como Spitzbergen, livres do gelo no inverno, poderia alterar-se de forma a prejudicá-los e até fechá-los, devido a pequenas quantidades de gelo no mar, proveniente da Groenlândia.
De fato, existem evidências de que isso ocorra. De acordo com alguns estudos, a força da Corrente do Golfo diminuiu em um quinto nos últimos 50 anos.
Esse fenômeno está ligado ao clima, e, embora seja um fato extremo, chamou a atenção dos roteiristas do filme em lançamento.
Se procuram dar seqüência ao trailler, O Dia depois de Amanhã II, deveriam consultar alguns informes recentes do Pentágono.
O filme conclui que o aquecimento global deve “ser visto como uma séria ameaça à establidade mundial e deve ser levado mais a fundo nos debates científicos; deve ser uma preocupação de segurança nacional”.
Outros também compartilham esse mesmo ponto de vista. O professor Sir David King, cientista responsável pelo Escritório de Ciência e Tecnologia do Reino Unido, define o aquecimento global como uma ?ameaça maior que o terrorismo?.
Tony Blair, Primeiro Ministro Britânico, afirma que “não há uma questão mais preocupante a longo prazo e que assole toda a comunidade mundial como esta”. Além disso, também adverte que “não existe uma segurança efetiva se o planeta pode ser devastado por alterações climáticas”.
É provável que o Dia depois de Amanhã seja hoje.
A conferência inter-governamental sobre Mudanças Climáticas,  organizada pelo Pnuma e pela Organização Metereológica Mundial e que envolveu 2000 cientistas-conselheiros de vários governos, concluiu que já se observou alterações consideráveis no clima mundial.
Os impactos podem variar em termos das altas velocidades de ventanias, das grandes quantidades de furacões e tornados, assim como da grande probabilidade de secas e inundações.
 Os pólos terrestres podem ser considerados como um sistema de alerta, um chamado a agir. O ano passado, o Ward Hunt, a maior camada de gelo do Ártico, se rompeu. Ele estava intacto por 3000 anos.
Recentemente passei uns dias nessa região, por convite de Borge Brende, Ministro do Meio Ambiente da Noruega. Me impressionou aquele lugar, onde há 20 anos, uma crosta glacial gigante cobria a região e agora está recuando rumo ao horizonte. Os especialistas na área afirmam que 3,5 km² desta plataforma de gelo derretem anualmente.
 Aprendi que para o urso polar, símbolo do Pólo Norte, está cada vez mais difícil caçar focas, devido aos degelos precoces. Por isso, cada vez menos ursos nascem; e daqueles que estão prestes à chegar ao mundo, muitos nascerão com pesos baixíssimos. Ouvir tudo isso, causa espanto.
Enquanto isso, muitos resorts, situados aos pés das montanhas, como Kitzbuehl, poderão sofrer dificuldades econômicas, devido a pouca neve que vêm caindo.
No Himalaia, nossos cientistas determinaram com precisão 50 lagos que, há alguns anos, não passavam de poças.
Eles se formam rapidamente quando do derretimento das placas glaciais e podem provocar torrentes nos vales, colocando em risco as formas de vida que estiverem em seu percurso.
Existem outras observações urgentes. 2003 foi o terceiro ano mais quentes desde 1861, quando começou-se os registros de temperaturas. Todos os anos mais quentes ocorreram desde 1990.
Munich Re, companhia seguradora, estima que os desastres naturais em 2003 custaram 6 bilhões de dólares.
Muito disso também se relaciona com a água. Faz parte de uma conta catastrófica que começou  em meados do século XX.
A principal arma internacional contra o aquecimento global é o Protocolo de Kyoto. Ele foi firmado em 1997. Nele se expressa que os países desenvolvidos devam reduzir suas emissões de gases estufa em 5,2% para 2010.
Não entrou em vigor. Os EUA rejeitaram sua ratificação. A Rússia, cuja ratificação seria suficiente para torná-lo operacional, ainda não se decidiu. Apesar de impacientes, estamos esperançosos.
Impacientes porque, em última instância, são os mais pobres que estão mais vulneráveis, como o caso do continente africano.
Nós, em países ricos, podemos nos proteger, de certa forma, contra alguns efeitos catastróficos. Os pobres, que são os menos responsáveis por tudo isso, não. Eles precisam de ajuda para adaptar-se. Kyoto, estando em vigor, proporia medidas para fazer isso de forma justa.
Entretanto, devemos ser otimistas. Em meados do século XX, pouco depois do nascimento do computador, ninguém poderia prever os enormes avanços econômicos que ocorreriam, como resultado das telecomunicações e da revolução que a Internet gerou.
Acredito que estejamos no mesmo ponto; com novas estruturas de intercâmbio financeiro e tecnologias que não prejudicam o meio ambiente, que deverão ser desenvolvidas se quisermos lutar contra as alterações climáticas.
O Dia depois de Amanhã desempenha um papel efêmero em termos científicos. Esperamos que aqueles que duvidem dos efeitos das alterações climáticas, não se utilizem disso para desvalorizar as ameaças reais e genuínas que enfrentamos. Mesmo que o filme seja baseado em ficção científica, seu tema central não é.


(*) Klaus Toepfer é diretor executivo do Pnuma e
ex- Ministro do Meio Ambiente da Alemanha