Controle das Organizações não Governamentais

Senado impõe restrições às ONGs

22 de julho de 2004

Projeto aprovado no Senado agora vai à Câmara e faz cinco exigências para o funcionamento das ONGs

1 – Antes de iniciar suas atividades no Brasil, a ONG prestará esclarecimentos sobre suas fontes de recursos, linhas de ação, tipos de atividades, modo de utilização de seus recursos, política de contratação de pessoal, nomes e qualificação de seus dirigentes;
2 – A ONG prestará contas ao Ministério Público, anualmente, dos recursos recebidos por intermédio de convênios ou subvenções de origem pública ou privada, inclusive doações, independentemente da prestação de contas aos respectivos doadores;
3 – É vedado ao estrangeiro, sem visto permanente e residência no país, atuar como dirigente de ONG;
4 – Somente terão acesso a convênios, incentivos sob forma de auxílios financeiros ou subvenções, financiamentos, favores fiscais ou transferências orçamentárias as ONGs que, antes da vigência da lei, tiverem uma das seguintes qualificações mínimas obrigatórias: título de utilidade pública e certificado de entidades de fins filantrópicos.
5 – Ressalvada exclusivamente a exceção constitucional que beneficia as entidades beneficentes de assistência social, será exigida, a partir da vigência da lei, nas atividades de fomento às ONGs, sua qualificação como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP.


Ação entre amigos
Os senadores aprovaram um substitutivo de autoria do senador César Borges (PFL-BA) que aproveitou a maior parte do texto do projeto oriundo da CPI das ONGs, (PLS n 7, de 2003) desconsiderando outro projeto, (PLS n 246, de 2002) de iniciativa do senador Mozarildo Cavalcanti (PPS-RR) que presidiu a Comissão.
O senador, considerado um crítico ácido das ONGs, comemorou a aprovação do projeto, afirmando que “muitas ONGs nada mais são do que uma ação entre amigos. Recebem verbas de ministérios e estatais, sem licitação, sem comprovação de competência, contratam funcionários sem concurso público e atuam no País sem qualquer controle ou fiscalização.”


ONGs condenadas
Segundo o senador,  pelo menos sete ONGs são suspeitas de fraude com o dinheiro público. Elas foram condenadas pelos auditores do TCU: a Paca e a Cunpir (Rondônia); a Uniacre (Rio Branco); a Kaneguatin (Maranhão); a Civaja (Amazonas); a Pro-Vida e a SDC (Brasília).
Conforme o senador, duas ONGs foram constituídas por parentes de funcionários da Funasa, órgão do Ministério da Saúde, que recebiam recursos e não os aplicavam adequadamente. Cavalcanti disse que o TCU também detectou inúmeras outras ONGs, “algumas até constituídas por parlamentares para receber recursos e aplicá-los indevidamente.”
O senador leu reportagens publicadas recentemente pelos jornais “O Globo” e “O Estado de São Paulo”  informando que, no ano passado, alcançou R$ 1,3 bilhão o total de repasses feitos pelos diversos órgãos governamentais às ONGs. Este ano, estima-se que as transferências de recursos públicos, geralmente através de convênios, alcançarão R$ 2,0 bilhões.
O senador Mozarildo Cavalcanti afirmou que as ONGs têm uma bancada de mais de 30 parlamentares e  “sua principal trincheira fica no Ministério do Meio Ambiente, onde ocupam  cargos importantes.” Além de dominarem a assistência aos índios, as ONGs estariam adquirindo medicamentos sem concorrência e contratando indiretamente servidores sem concurso público.
“Meia dúzia de pessoas funda uma ONG – diz Mozarildo – registra-a no cartório e já está habilitada a receber recursos, mediante convênio com qualquer ministério.” O exemplo da ONG Ágora, criada por representantes do PT, foi citado pelo senador José Jorge (PFL-PE). Segundo o parlamentar, “a Ágora, que atuou ou atua em Brasília, recebeu R$ 850 mil, mas prestou contas com 39 notas falsas, informando, posteriormente, ter ocorrido um erro de contabilidade. Contabilidade não tem relação com nota fria.”
Com o Ministério do Trabalho, a Ágora conseguiu um convênio com R$ 7,5 milhões, e o dinheiro, que deveria ser liberado em duas parcelas, foi pago em uma só, e três dias após a assinatura do convênio.


O universo das ONGs


Estimativas indicam que há, no Brasil, cerca de 250 mil ONGs e outras entidades que  constituem o chamado Terceiro Setor. Deste total, 29 mil ONGs estão cadastradas pelo Governo Federal e, em conseqüência, aptas a receberem recursos públicos, mediante diversas formas de transferências voluntárias.
São 20 mil as entidades chamadas de utilidade pública. Sete mil têm certificação de assistência social, sendo 4.862 distribuídas na área de assistência social, 1.149 na área de saúde, 736 em educação e 253 em outras áreas.  Embora recentemente criadas, já passam de duas mil as Organizações da Sociedade Civil Públicas – Oscips – a cuja categoria todas as ONGs que pretendam ter acesso aos recursos públicos deverão pertencer, segundo o projeto de regulamentação das atividades dessas organizações, aprovado pelo Senado e remetido ao exame da Câmara dos Deputados.
Não há uma definição estrita de como deve ser uma Organização Não-Governamental, a não ser a forma genérica que o próprio nome anuncia. Em virtude dessa flexibilidade, é possível criar ONGs para as mais diversas finalidades, embora elas se concentrem nas áreas de assistência social, saúde, educação, meio ambiente e assistência aos indígenas.


As boas ONGS


Os próprios integrantes da CPI que investigou a atuação das ONGs  salientaram, no relatório final que apresentaram, a existência de organizações que desempenham, e bem, o seu papel na sociedade e, portanto, devem ser apoiadas.
A Amarribo, – Amigos Associados de Ribeirão Bonito – na cidade de São Paulo, já conseguiu, nos últimos três anos, a destituição de 23 prefeitos e cinco vereadores. A fórmula foi a cartilha “O Combate à Corrupção nas Prefeituras do Brasil”,  lançada há um ano, cujo êxito fez com que a primeira edição logo se esgotasse, levando a ONG a lançar uma segunda edição.
Em 2002, depois que foi denunciado por ter desviado R$ 100 mil por mês dos cofres públicos, o prefeito de Ribeirão Bonito, Antônio Sérgio Mello Buzzá, foi destituído. A partir da instalação da Amarribo, mais 40 ONGs foram criadas com o mesmo objetivo: denunciar a corrupção praticada por prefeitos e vereadores.
A Amailha, uma ONG criada por um grupo de amigos de Ilhabela, no litoral de São Paulo, já impediu a venda de uma praça pública e  a construção do terceiro pavimento de um conjunto habitacional, que contrariava uma lei municipal. A defesa do meio ambiente, em um recanto muito freqüentado por turistas, é outra preocupação da ONG, que já entrou em conflito com o prefeito Manuel Marcos de Jesus Ferreira em várias ocasiões.
Desde que o Fórum de Girau do Ponciano começou a atuar, caíram sensivelmente os níveis de corrupção dessa cidade de 30 mil habitantes, situada a 160 quilômetros de Maceió, capital do Estado de Alagoas.  Os 15 amigos que se reuniram e criaram a entidade, já conseguiram o afastamento do prefeito José Aurélio Oliveira, determinado pelo Tribunal de Justiça do Estado. Pelo menos 172 laranjas participaram do esquema de corrupção que resultou em um desfalque de quase R$1 milhão na prefeitura de Girau do Ponciano.