Hantavirose

Doença chega ao Distrito Federal

26 de agosto de 2004

Crescimento urbano desordenado é a principal causa da enfermidade. Desde 1993, o Brasil registrou 353 casos, com 161 óbitos

A hantavirose é qualificada como uma doença emergente, com duas formas clínicas principais, a renal e a pulmonar. Trata-se de uma enfermidade aguda, tanto na forma de Febre Hemorrágica com Síndrome Renal (HFRS), como na Síndrome Pulmonar (HPS), sendo a segunda a única encontrada nas Américas. A enfermidade não é específica de nenhum grupo étnico e coincide com a presença e o maior número de roedores portadores do vírus.
Os roedores silvestres são os principais reservatórios dos hantavírus e cada espécie parece ter atração por determinado tipo, de acordo com as pesquisas realizadas por especialistas da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde. No roedor a infecção por hantavírus aparentemente não é letal e pode levá-lo a condição de reservatório do vírus por toda a vida. Nesses animais, os hantavírus são isolados principalmente nos pulmões e rins, mas são eliminados em grande quantidade na saliva, urina e fezes durante longo período.
A infecção humana ocorre, mais freqüentemente, pela inalação de secreções e excreções dos roedores silvestres, mas há casos registrados de ingestão de alimentos e água contaminados, por meio de ferimentos cutâneas, mordeduras de roedor, contato do vírus com a mucosa – como a membrana dos olhos e, acidentalmente, em trabalhadores e visitantes de biotérios e laboratórios. Também existe a possibilidade de transmissão inter-humana.


Expansão urbana
No último mês de maio, a Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde do Distrito Federal notificou o Ministério da Saúde da ocorrência de óbitos por doença febril desconhecida em jovens residentes em São Sebastião, cidade satélite rural com cerca de 70 mil habitantes. A área tem remanescentes de mata e pastagens em grandes propriedades, além de hortas.
Entre os bairros da área urbana há corredores de matas típicas do cerrado. As condições de saneamento básico do local são precárias. Além disto, a região está sendo pressionada pela expansão de condomínios, com características urbanas, que invadem a área rural. Outros três casos, com óbito, ocorridos em outras cidades satélites próximas a matas, também tiveram resultado positivo para hantavirose.
Foram confirmados sete casos, sendo três óbitos, com taxa de letalidade de 43%. Os sintomas mais freqüentes da doença são: febre e dores em 100% dos casos, sede intensa em cerca de 85%, dificuldade para respirar e dor de cabeça em aproximadamente 70%. Até o dia 30 de julho, o Ministério da Saúde havia confirmado sete óbitos no Distrito Federal provocados por hantavirose.
Em São Sebastião, áreas próximas e nas cidades satélites de Paranoá, Ceilândia e Samambaia o governo do Distrito Federal e epidemiologistas do Ministério da Saúde fizeram uma investigação ambiental para capturar roedores silvestres. Foram capturados 497 roedores de oito espécies em cinco prováveis lugares de infecção.
A espécie Bolomys lasiurus, conhecido reservatório para o hantavírus, foi capturada em dois locais, num total de 160 exemplares, 17% deles eram reservatório do hantavírus. Em outra espécie, Calomys callosus, de um total de 257 roedores capturados, apenas dois eram portadores do vírus.


As causas
Com a expansão urbana desordenada, há uma forte pressão sobre as áreas rurais tanto no Distrito Federal como em outros grandes centros urbanos. Evidente que a chegada do homem provoca desmatamentos e altera os hábitos dos animais silvestres. Nestas áreas, grande parte da cobertura vegetal tem sido mantida, mas a ação humana interfere no ambiente e, conseqüentemente, nos animais.
Outra causa para a manifestação da hantavirose é a redução do número de predadores naturais dos roedores silvestres, como cobras e corujas. Com a pouca oferta de alimentos nas matas silvestres, em decorrência da ação do homem, os roedores acabam procurando restos de comida no ambiente doméstico e contaminam o local.


Os cuidados
Para os moradores de áreas rurais ou próximas a matas, os epidemiologias recomendam que não se aproximem de ninhos de roedores. As fêmeas criam os filhotes em galerias subterrâneas e fazem uma espécie de ninho na entrada da toca, utilizado para colocar fezes e urina. A comida dos animais domésticos deve ser trocada diariamente e a vasilha lavada. Além destes cuidados, restos de comida devem ser descartados em sacos plástico vedados e colocados em latões com tampa para evitar a aproximação dos roedores silvestres.
Importante: a qualquer manifestação dos sintomas da doença como febre e dores, sede intensa, dificuldade para respirar e dor de cabeça é fundamental avisar as autoridades sanitárias de sua cidade.


Estatística   da   doença
A Secretaria de Saúde registrou 22 casos de hantavirose no DF. Outras cinco pessoas foram infectadas no entorno.


Distrito Federal
                        
Confirmados                Curas/em tratamento                Mortes
São Sebastião          13                                       8                                   5
Ceilândia                   2                                        1                                    1
Paranoá                     3                                        2                                   1
Sobradinho                1                                       ?                                  1
Lago Sul                    1                                       ?                                  1
Recanto das Emas     1                                        1                                  ?
Brazlândia                  1                                       ?                                  1
Total                        22                                      12                                 10


Goiás


Cristalina                    2                                        1                                    1
Pirenópolis                 1                                       ?                                   1
Santo Antonio do Descoberto1                           ?                                   1
Valparaíso                  1                                        1                                   ?
Total                           5                                        2                                   3
Total Geral                27                                    14                                  13


Corujas, gaviões e carcarás
na luta contra os ratos
Técnicos apostam no instinto selvagem de predadores para combater a hantavirose


Da redação
Uma das armas mais eficientes para combater a hantavirose é a busca do reequilíbrio ambiental onde houve, por
qualquer razão, o desequilíbrio ecológico. No Distrito Federal, o mutirão contra os ratos silvestres é tão forte que estão sendo convocados para esta tarefa predadores naturais dos roedores: corujas, gaviões e carcarás recolhidos pelo Ibama. Esses caçadores serão libertados em áreas consideradas críticas para ajudar na luta contra o avanço da hantavirose na capital federal. Os técnicos apostam no instinto selvagem dos três caçadores naturais dos roedores silvestres. Quem administra esta tropa de choque é o veterinário Georges Cavalcanti, curador da sessão de aves do Jardim Zoológico de Brasília. São oito filhotes de corujas-de-igreja, dois gaviões-carijós e um carcará que terão um programa de treinamento especial para cumprir a nobre missão. Durante o programa, as aves serão soltas em recintos fechados e largos para aprimorarem o instinto caçador. Seguindo o exemplo na natureza, terão que brigar por ratos vivos para matar a fome.


O veterinário Georges Cavalcanti aposta principalmente nas corujas-de-igreja para o sucesso da experiência. Os ratos, que são transmissores da hantavirose, são presas prediletas no cardápio dessas aves, capazes de abocanhar os roedores à noite guiadas apenas pelos ouvidos. Os mesmos ratos silvestres também fazem parte da dieta dos carcarás e dos gaviões, que caçam ainda pequenos mamíferos e aves, répteis e insetos. “O interessante e muito importante – explica Georges Cavalcanti – é que os predadores não correm risco de serem infectados pelo vírus que já matou sete pessoas no DF e três no Entorno do DF, pois “o processo de digestão no estômago das aves é poderoso. Os ácidos matam todos os parasitas, inclusive o hantavírus”.


Ibama em ação
Os técnicos do Ibama também entrarão em ação e uma das prioridades do órgão é soltar as aves onde estão as principais áreas com focos da doença, como a cidade satélite de São Sebastião. “Antes disso – informa o chefe do Núcleo de Fauna da Gerência do Ibama, Ênio Cardoso – nossos técnicos farão um levantamento para evitar que ocorram desequilíbrios ambientais na região. Serão avaliadas as relações dos predadores com o meio ambiente para que não falte comida. ”Esperamos que esses animais formem casais e comecem a se reproduzir para tentar equilibrar o ecossistema”, salienta Cardoso. “A verdade é que a ação destrutiva do Cerrado, como desmatamentos e queimadas, afastou os predadores naturais da região e assim os ratos se multiplicaram” explica Ênio Cardoso.
Não será fácil restabelecer o equilíbrio do ambiente e, apenas com muito esforço, talvez ele possa ser restabelecido só a médio prazo, pois a primeira data de reprodução das aves soltas é prevista para uns seis meses. Sempre é muito difícil reconstruir a fauna de uma região.


Os inimigos naturais dos ratos


    CORUJA-DE-IGREJA (Tyto alba)
Os roedores são as principais fontes de alimento da coruja-de-igreja, ou
 suindura, que é capaz de apanhar um rato vivo em total escuridão, guiada apenas pelo ouvido. A coruja-de-igreja gosta de ficar em torres, sótãos e galpões e tem como principal característica a cabeça branca em forma de coração. Sua voz é esganiçada e forte, lembrando um tecido rasgado com força. Ela vive também nas cidades, sobretudo nos jardins das casas.


 


GAVIÃO-CARIJÓ
(Rupornis magnirostris)
O gavião-carijó mede uns 36cm e tem asas compridas e largas e cauda curta, usadas para planar em espaços abertos. Caça, além de roedores, grandes insetos, lagartixas e pequenas cobras.


 


CARCARÁ (Polyborus plancus)
Há nove espécies de carcará. É um tipo de gavião que come tudo o que encontra, por isso é chamado também de limpa-estrada. Tem cara vermelha e manchas claras nas pontas das asas. Alimenta-se de filhotes de aves e roedores.