Um mutirão pelas nascentes
26 de agosto de 2004A luta dos habitantes de um condomínio em Brasília para salvar uma Area de Preservação Ambiental
O trator chegou rasgando uma vereda de 300m, enquanto os moradores se posicionaram para defender a APA
O trator rasgara uma vereda de uns 200 a 300 metros de comprimento na mata quando os agentes da Polícia Florestal chegaram e, com o testemunho de alguns repórteres e cinegrafistas, deram voz de prisão ao desmatador. A alguns metros da área devastada alguns macacos, atraídos pela movimentação, pulavam de galho em galho e faziam a festa dos cinegrafistas, a essa altura pouco interessados nas seis nascentes que formam o córrego Cabeceira do Mato Grande, na área do mesmo nome, que integra a bacia do São Bartolomeu.
Inicialmente arrogante com os moradores do condomínio, a ponto de qualificar de “pirralha” uma jovem advogada local que contestava o documento que ele brandia e denominava de “licença para desmatar da Secretaria de Meio Ambiente”, o pretenso proprietário da área mudou de atitude com a chegada da imprensa para, finalmente, pedir ajuda profissional à própria advogada que destratara, quando convocado a prestar depoimento na Delegacia do Meio Ambiente.
A advogada simplesmente perguntara a razão pela qual ele precisava de um trator, se o documento da Secretaria, que ele brandia, era uma mera contestação a um pedido para desmatar 60 metros quadrados para a construção de uma guarita de 50m² e, mesmo assim, em APA criada por lei federal. Por passe de mágica, o tratorista sumira.
Histórico
A ligação do Quintas Bela Vista, situado na área da Escola Fazendária, com a APA é parte da própria história do Bela Vista, desmembrado no início dos anos 80 de terras particulares da Fazenda Taboquinha.
Os primeiros moradores do local foram o americano Everett Lee Hundley e o ex-piloto de Stock Car, Paulo Guaraciaba, que possuía apenas uma pequena parcela de seu sitio na área do condomínio. Lee, ex-morador do Rio de Janeiro, um dos pioneiros da informática no Brasil, comprou diversos lotes após receber permissão dos antigos proprietários da fazenda no sentido de trazer parte das minas de água para abastecer o novo condomínio.
Everett Lee Hundley, pioneiro de informática no Brasil, foi um dos primeiros moradores do local e fez questão de proteger as encostas nuas com pinus
Em uma época em que praticamente ninguém falava em meio ambiente no Brasil, Lee montou o seu sítio, protegeu as encostas nuas com pinheiros, “para lembrar do meu país” explicava, ao mesmo tempo em que cercou e protegeu a área das nascentes com vegetação nativa. Velho recorte de jornal guardado por ele, datado de 1982, comprova a sua luta quase solitária em defesa da mata e das nascentes.
Guilherme Lee Hundley, atual proprietário da Pine Tree Farm, o pequeno sitio formado por Lee, costuma recordar do dia em que, ainda menino, viu, apavorado, o pai se sentar em frente a um trator, desafiando a coragem de um dos desmatadores que se propunha a lotear os mananciais.
A luta ambiental de Lee influenciou os moradores. As nascentes se transformaram em símbolo de luta do Bela Vista, que quer ser reconhecido oficialmente e receber água tratada da Caesb, até mesmo em reconhecimento aos anos de trabalho de conservação ambiental.
A APA foi criada em 1986, após diversos convites a técnicos do governo para conhecer e proteger a área. Uma década depois o Ibama passou a sua administração para a Semarh que, de forma desastrada, na opinião de alguns proprietários de lotes e casas do condomínio, respondeu a uma consulta do Sr. Freire de modo ambíguo. Foi isso que levou-o a rasgar uma estrada em uma APA na esperança de depois – quem sabe? – lá no final da vereda capinar uma pequena área de 60 m² e transformá-la na cunha que abrisse caminho para a posse definitiva e o loteamento da áreas próximas às nascentes. Como costumam fazer, às escondidas, todos desmatadores e assassinos de florestas desse país.