Raymundo Garrido - Entrevista

A água e a meteorologia

27 de setembro de 2004

O ciclo hidrológico é um gigantesco percurso que a água faz pela evaporação, condensação, pelas chuvas, depois escoando e se infiltrando no solo para novamente evaporar


Folha do Meio – Qual a importância do binômio Recursos Hídricos e Meteorologia? Raymundo Garrido – A gestão de recursos hídricos, para não cometer uma falha de omissão, deve abordar o comportamento do ciclo hidrológico em toda a sua extensão. O ciclo hidrológico, esse gigantesco percurso das águas, implica considerar as águas que se evaporam, que se condensam e se precipitam, a fração que escoa e a que se infiltra no solo, e o fechamento do circuito com a evaporação novamente. Não vai longe no tempo, no Brasil ainda havia uma grande distância entre hidrólogos e hidrogeólogos. Davam-se as costas. Felizmente, o casamento entre esses dois conjuntos já foi solenizado e já deu rebentos. Os planos diretores de bacias, tanto quanto o Plano Nacional de Recursos Hídricos, os sistemas de emissão de outorgas, uns mais outros menos, já consideram a relação importante que guardam entre si as águas superficiais e as subterrâneas. Mas a Meteorologia ainda não entrou para a família da gestão hídrica, pelo menos na medida do desejável. À exceção do Ceará, que sempre procurou confrontar as previsões da FUNCEME com os estoques de seus reservatórios, a Meteorologia no Brasil foi sempre lembrada como um serviço público, de boa qualidade, diga-se, que diz no noticiário da TV e nos jornais onde e quando vai chover nos dias a seguir, sempre em termos de parâmetros de grande escala, além de anunciar as expectativas de temperatura máxima, média e mínima e a umidade relativa do ar observada. FMA – Mas o que é um meteorologista? Garrido – É o técnico que estuda, monitora e interpreta o comportamento do tempo e do clima. Mas para o gestor de recursos hídricos, o meteorologista é o técnico que consagra suas horas de trabalho à gestão da água e do clima. A Meteorologia é o conjunto de conhecimentos científicos sobre a fração das águas dita meteórica, no contexto do ciclo hidrológico. E isto não é por acaso, antes serve para consolidar, na condição de transiente que a água ostenta, o balanço geral do ciclo hidrológico. Sendo assim, para esse profissional, o que a Meteorologia diz que vai acontecer em termos de precipitações é de essencial importância para se contabilizarem em grandes números os prováveis aportes das vazões superficiais e das vazões de recarga natural de aqüíferos. E serve também para a adoção de providências na bacia hidrográfica quando for dada a informação de que a quadra chuvosa vai se retardar, ou vai ser menos intensa, ou mesmo não virá naquele ano. Portanto, o gestor de recursos hídricos tem que estar familiarizado não só com vazões de rios, estoques de águas subterrâneas e muitos outros conceitos das ciências da Terra, mas também tem que ter antenas ligadas nas questões de tempo e clima. FMA – E que diferença existe entre tempo e clima? Garrido – O tempo, atmosférico neste caso, reflete não mais do que o estado momentâneo da atmosfera de determinada região. Esse estado é caracterizado pelo que a Meteorologia define como “elementos do clima”, que são: a temperatura, a pressão, a umidade, a velocidade e direção dos ventos e as precipitações, seja de chuvas, granizo ou neve. Por outro lado, o clima é o conjunto de todas as variações possíveis do tempo atmosférico em uma região ao longo de um tempo suficientemente longo para caracterizar as amplitudes de variação de seus elementos, ou seja, da temperatura, pressão, umidade, ventos e precipitações. FMA – Como é que “conversam” entre si a Gestão de Recursos Hídricos e a Meteorologia? Garrido – A Meteorologia é um campo vasto do conhecimento científico. Para o gestor de recursos hídricos, que tem a função de solucionar problemas que se relacionam com tempo e clima nas bacias hidrográficas, o interesse principal está no campo da Meteorologia Sinótica. Uma vez conhecidos os mecanismos básicos dos diversos sistemas formadores de chuvas, objeto da Sinótica, a convivência entre o gestor de recursos hídricos e o meteorologista entra em outra sintonia. A conseqüência mais imediatamente visível é a melhoria da qualidade da decisão tomada na bacia, propiciada pela disponibilidade de um “arsenal” de instrumentos mais robusto para uso do gestor. É esta a interface de interesse. FMA – Quais são os sistemas formadores de chuva e que comportamento eles costumam ter? Garrido – Há vários. Vamos citar apenas dois entre os de maior interesse para a gestão de recursos hídricos no Brasil: as Frentes Frias e a Zona de Convergência Intertropical. As frentes frias resultam do permanente movimento de colossais correntes de ar frio e seco movendo-se dos pólos em direção ao equador terrestre, em contraste com gigantescas correntes de ar quente e úmido movendo-se em sentido contrário. O fenômeno da frente fria propriamente dito se dá quando uma corrente de ar frio e seco que procede do Pólo Sul (em nosso hemisfério) vence uma massa de ar quente e se intromete por baixo desta, fazendo-a subir. Assim, a frente fria é uma zona onde o ar frio substitui o ar quente. Elas se movem à razão de 35 km/hora e, no Brasil, entram pelo extremo sul, oriundas da Patagônia, sobem em geral até o Nordeste, quando sobem, e se desviam para o Atlântico, sobre o qual se dissipam. Trata-se de um sistema formador de chuvas importante que responde pela precipitação elevada das regiões as quais sobrevoam.


EL Niño: como se dá o fenômeno e seus reflexos


O mapa-mundi  ilustra com cores a
temperatura média das águas oceânicas ao longo de muitas décadas, como que a indicar um elemento (a temperatura) característico de clima


FMA – E como se comporta a Zona de Convergência Intertropical?
Garrido – A Zona de Convergência Intertropical – ZCIT é uma banda de nuvens que arrodeia o globo terrestre paralelamente ao equador. Ela é formada pela confluênca dos ventos alísios do hemisfério norte com os ventos alíseos do hemisfério sul. O mecanismo é de fácil compreensão: a convergência faz com que o ar quente e úmido se eleve, levando consigo a umidade do oceano para os altos níveis da atmosfera, formando as nuvens ditas da ZCIT. Sucede que a ZCIT se movimenta deixando as latitudes norte, em torno de 12 graus entre agosto e setembro, para se organizarem em latitudes sul até o mês de maio, onde habitualmente se precipitam, desde que haja condições favoráveis. Em determinados anos, a ZCIT chega a latitudes mais meridionais que em outros. A mais meridional das latitudes a que ela pode chegar lhe confere, no Brasil, um perímetro que corresponde, em projeção sobre o solo, a aproximadamente o mesmo perímetro do Polígono das Secas. A ZCIT pode “derramar” entre 300 e 800 mm por ano de chuvas, o que pode ser muita água para outros países, mas é pouco para uma região com quase 3000 horas de sol por ano como o semiárido brasileiro. Em outras palavras, a evaporação se encarrega de tomar de volta uma significativa parcela dessas precipitações.


FMA – Além desses, há outros formadores de chuvas?
Garrido – Sim. Interessa ver de perto os sistemas formadores de chuvas no Nordeste, dado tratar-se da região mais seca do País. Por exemplo, os Vórtices Ciclônicos de Ar Superior – VCAs são sistemas de nuvens periféricas a um círculo e que giram no sentido horário, sendo causadores de chuvas. Normalmente, formam-se sobre o Atlântico e se deslocam de leste para oeste, estacionando em geral sobre o continente, nos meses de janeiro e fevereiro. O Recôncavo Baiano, por exemplo, é um centro habitual desse círculo que pode ter em torno de 700 km de raio, fazendo com que as nuvens que se circunscrevem ao mesmo estejam bem distantes do litoral, dentro e fora do continente. Nesse caso, as nuvens podem se precipitar no oeste baiano e pernambucano, e onde mais elas estiverem concentradas em sua disposição periférica à geometria do vórtice. Um outro sistema é o das Linhas de Instabilidade, que são bandas de nuvens do tipo cumulus, que se organizam em forma de linhas, daí a denominação que tomam.
As linhas de instabilidade costumam-se formar durante o verão no hemisfério sul, ao sul do Equador, sendo provocadas pela grande quantidade de radiação solar com que a zona equatorial é bombardeada. Esse bombardeio se dá principalmente na parte da tarde, quando a convecção é máxima, criando condições e provocando chuvas. As linhas de instabilidade são reforçadas, também, pela proximidade da ZCIT. Há, ainda, as ondas de leste – OL, os Sistemas de Brisas do Atlântico que umedecem a franja litorânea, e outros sistemas formadores de chuvas sobre o território brasileiro.


FMA – E o fenômeno do El Niño? Como se dá e qual seus reflexos?
Garrido – Bem, o Fenômeno El Niño Oscilação Sul ocorre na época do Natal. Daí seu nome. Ele resulta do aquecimento acima do normal da superfície das águas do Pacífico oriental, sobretudo no litoral do Equador e Peru. A expressão Oscilação Sul é indicativa da alteração na pressão do ar na superfície entre a Austrália e a Polinésia Francesa. Quando a pressão está alta nessa distante região, está baixa no Pacífico oriental e vice versa. Constatou-se que os dois comportamentos são partes de um mesmo fenômeno, pois durante o El Niño, ou seja, quando as águas da superfície do Pacífico ao lado da costa sulamericana se aquecem, as pressões nessa mesma região se tornam mais baixas, e as pressões sobre a Indonésia e norte australiano se tornam mais elevadas, justamente onde a temperatura da água superficial se reduz. Fora da ocorrência do El Niño, a temperatura das águas superficiais na costa peruana é mais baixa, refletindo sua condição normal, e a temperatura das águas superficiais na Polinésia, e daí até a Austrália, são mais altas, refletindo também a sua condição normal.


FMA – Quais são e por que seus efeitos devastadores?
Garrido – Quando o fenômeno se manifesta, aparecem muitas vezes seus efeitos devastadores: secas na Indonésia, no leste australiano, na Nova Guiné e no Nordeste do Brasil. Ao mesmo tempo, a ocorrência do El Niño faz com que as chuvas sejam torrenciais e acima da média na região Sul-Sudeste do Brasil durante o verão e o outono, aumentem as tempestades tropicais no Golfo do México, ocorram invernos menos frios no norte dos Estados Unidos e oeste canadense, e se reduza o número de furacões que se formam no Atlântico.


Saiba de onde vem  o nome dos furacões


FMA – E qual o interesse dos gestores da água em relação ao El Niño?
Garrido – Ora, há muito interesse das entidades e órgãos gestores de recursos hídricos diante de informações tão valiosas como essas. Veja, se o El Niño se prenunciar em determinado ano, o que ocorre a partir de mais ou menos setembro, para alcançar seu ponto culminante no dia de Natal, então a operação dos reservatórios, principalmente no Nordeste, já se deve cercar de cautelas. Sem exageros, porque pode ser que o prenúncio do El Niño não passe de um simples alerta e o fenômeno não chegue a se materializar.
Esse tipo de alarme-falso também pode acontecer, pois setembro é a época do ano na qual a temperatura do Pacífico Equatorial mais se eleva, podendo gerar confusão na interpretação do parâmetro. Ao mesmo tempo, como providência no campo da gestão dos recursos hídricos, no Sul-Sudeste do Brasil os sistemas de alerta contra inundações redobram a atenção para as possibilidades de pesados e longos aguaceiros.
No caso da operação de reservatórios, a ANA, o Operador Nacional de Sistemas – ONS, que se ocupa do setor elétrico, as entidades e órgãos gestores estaduais do Nordeste e mesmo os comitês de bacia, devem se mobilizar para rever os planos de utilização dos reservatórios sobre cujos desempenhos têm responsabilidade, direta ou indireta.


FMA – Por que um fenômeno que ocorre no Pacífico afeta regiões tão distantes? Por que chove mais no Sul-Sudeste e nada no Nordeste quando o El Niño se manifesta?
Garrido – O mecanismo é o seguinte: quando as águas do Pacífico na costa sul-americana se aquecem, o produto da evaporação se eleva e forma correntes convectivas que se deslocam a grandes alturas em sentido de oeste para leste ou de oeste para sudeste. Essas correntes se interpõem justamente na passagem das frentes frias, barrando-as.
Ao serem impedidas de avançar em seu caminho para o Norte e Nordeste, as frentes frias não encontram outra saída senão a de se precipitarem estrondosamente no Sul-Sudeste, quando não marcham para o Atlântico, onde se dissipam. E o Nordeste fica à mercê da Zona de Convergência Intertropical, que produz menores quantidades de chuvas e cujo deslocamento em direção ao semiárido brasileiro depende do di-pólo térmico do Atlântico.
Esse di-pólo térmico funciona assim: quando a temperatura da superfície do mar no Atlântico Sul é inferior à normal (28oC) e, opostamente, a superfície do mar no Atlântico Norte é superior aos mesmos 28oC, este di-pólo é favorável a que a ZCIT se movimente para o sul, abaixo do equador e se reorganize no Norte e no Nordeste do Brasil onde, havendo condições propícias, se precipita. Mas se as correntes convectivas do fenômeno El Niño formarem a sua “cortina” atmosférica sobre o semiárido, os efeitos do di-pólo podem ser inibidos e a área que se espera chuvosa pela ação da ZCIT padece de uma seca severíssima.


FMA – E o fenômeno La Niña?
Garrido – O La Niña produz efeitos exatamente inversos aos do El Niño. No caso do La Niña, as águas do Pacífico leste ficam mais frias do que o normal – e as pressões mais altas – e as águas da região da Polinésia ficam mais aquecidas do que o normal – e as pressões mais baixas.
Já foi possível se observar que os efeitos do La Niña no Brasil foram inversos aos do El Niño, com excesso de precipitações no Nordeste e chuvas abaixo da normal no Sul e Sudeste. Nas demais regiões do Brasil, as alterações foram menos sensíveis a não ser pela grande variabilidade observada em relação à temperatura e às precipitações.


FMA – Então, com o domínio da informação meteorológica, fica mais fácil se prever o que vai acontecer com reservatórios, rios…
Garrido – Diria que fica menos difícil. A Meteorologia opera com base em cálculos probabilísticos que resultam da compreensão dos fenômenos físicos da atmosfera.
O Brasil avançou muito, cientificamente, neste campo do conhecimento. Mas vale destacar que probabilidade não é sinônimo de certeza.
São inúmeras as instituições brasileiras que têm dado uma valiosa contribuição à interpretação do comportamento da atmosfera, e as previsões são, a cada dia, mais certeiras, porém nunca absolutamente precisas.
E a evolução das comunicações, as tecnologias usada nos satélites, a informática tudo isso são ferramentas que aumentam a credibilidade das informações. Imagina o que a rede de metereologia evita de acidentes, de mortes e de catástrofes prevenindo contra os terríveis furacões, tornados que acontecem no Caribe e nos Estados Unidos.


FMA – Que instituições brasileiras lidam com a Meteorologia contribuindo para a gestão da água?
Garrido – São muitas as entidades que se ocupam do problema. As principais são o Instituto Nacional de Meteorologia – INMET e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE. Mas há algumas dezenas de instituições estaduais voltadas para a previsão de tempo e clima, a maior parte integrando os órgãos e entidades de gestão de recursos hídricos desses estados, corroborando a tendência atual de se promover a articulação do gerenciamento hídrico com a Meteorologia.


FMA – Uma curiosidade: como é dado o nome aos furacões? Basta eles surgirem nos céus já ganham nome?
Garrido – Verdade. É uma história interessante. A Organização Meteorológica Mundial – OMM recebe sugestões dos países afetados, por isso a sugestão de nomes são em inglês, francês e espanhol. É mantida permanentemente uma lista de 23 nomes que é renovada a cada seis anos, expurgando-se alguns e entrando outros. Mantido sempre o total em 23, por ordem alfabética. No do mês de setembro foram o Ivan, o Jeanne e o Karl.


FMA – E como começou essa história?
Garrido – Esse costume de dar nome aos furacões começou durante a primeira metade do século 20. Como os países mais afetados eram do Caribe, normalmente os técnicos e o povo costumavam dar o nome do santo do dia em que o furacão acontecia. Era uma forma de identificar o fenômeno e, se tivesse outro a caminho, as pessoas já se preveniam de um e de outro. Também a comunicação por código, teletipo ou rádio ficava mais fácil e inteligível.
O Centro Nacional de Furacões, dos Estados Unidos, somente aceitava batizar estas  perturbações atmosféricas com velocidade de deslocamento superior a 62 km/hora.
Durante a Segunda Guerra, os oficiais americanos que se ocupavam das previsões do tempo davam os nomes de suas mulheres ou namoradas aos furacões.
Pouco antes de 1950, o Exército americano passou a adotar o alfabeto fonético para comunicações por rádio. A partir daí, os furacões passaram a chamar-se Alfa, Baker, Charlie etc.
Em 1951, voltaram informalmente os nomes femininos com a publicação do livro Storm, de George Stewart. Seu personagem principal era um meteorologista que acompanhou uma tempestade desde o nascimento, tendo-a batizado de Maria.
A partir de 1953, o uso de nomes femininos foi oficializado e perdurou até 1978, quando as feministas, em campanha, protestaram contra a associação de nomes femininos a fenômenos de destruição. Foi quando apareceu o critério de centralizar-se na OMM a lista de 23 nomes que perdura até hoje.


FURACÕES MAIS DEVASTADORES


Os furacões mais fortes dos últimos anos no Atlântico e Caribe:
CAMILLE (1974) – Devastou os estados norte-americanos de Mississippi e Louisiana , matando 259 pessoas. Tinha a categoria cinco (máxima).
FIFI (1974) – País mais atingido foi Honduras, causando cerca de 10 mil mortes.
DAVID (1979) – Atingiu a República Dominicana e a costa leste dos EUA, causando mais de duas mil mortes. Teve categoria quatro.
HUGO (1989) – Causou mais de US$ 7 bilhões de prejuízos, teve a categoria quatro, deixou 50 mortes e atingiu a ilha de Montserrat, Ilhas Virgens, Porto Rico e o leste dos EUA.
ANDREW (1992) – Varreu os subúrbios de Miami, causou um prejuízo de mais de US$ 25 bilhões, matou 26 pessoas e é considerado o mais devastador da história dos EUA.
MITCH (1998) – Com ventos de até 290km/h, varreu a Nicarágua e Honduras. Matou mais de 10 mil pessoas e teve
categoria cinco.
IVAN (2004) – Seus efeitos estão sendo combatidos para melhor avaliação


INMET, INPE e ANA na gestão da metereologia


FMA – E por que alguns nomes são expurgados da lista?
Garrido – As listas de 23 nomes se repetem. Por exemplo: a lista de 1989 voltará em 2007. Como em 89 o furacão Hugo varreu terrivelmente a Flórida, ele foi eliminado da lista. Em 2007 entrará na letra H, no lugar do Hugo, o Humberto. Por que isso? Porque quando um furacão é muito violento, a pedido do país mais afetado o nome é retirado da lista. A lista deste ano de 2004 é basicamente a mesma lista de nomes de 1998, porém com uma alteração: para a letra M, o nome Matthew entrou no lugar de Mitch, que causou enorme destruição na América Central naquele ano de 98. Aliás, o Ivan que acabou de criar sérios problemas para Cuba e Flórida pode ter o mesmo destino de Mitch e de Hugo, esse varreu a Flórida em 89 e foram eliminados da lista.


FMA – Que programas têm sido úteis para a gestão da água?
Garrido – Há vários. Vamos dar destaque ao Programa de Monitoramento de Tempo, Clima e Recursos Hídricos-PMTCRH, resultado do esforço conjunto do Ministério da Ciência e Tecnologia, dos Governos Estaduais, atuando através de Núcleos Estaduais de Hidrometeorologia, que têm aliado o conhecimento científico e técnico da Meteorologia às aplicações práticas de interesse da gestão do uso da água de mananciais superficiais e subterrâneos. A vantagem desse programa reside no atendimento a demandas específicas de cada estado, uma vez que os núcleos são  estaduais. Essa circunstância tem levado à produção de informações mais específicas e mais precisas também, em face de um melhor conhecimento que se tem produzido, nas diversas regiões do Brasil, sobre o comportamento dos sistemas formadores de chuvas, essenciais para  a previsão da dinâmica de vazões em rios e de estoques em aqüíferos e em reservatórios superficiais.
Deve-se destacar o papel do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial – INPE, que foi decisivo na produção e difusão do conhecimento científico no campo da hidrometeorologia.


FMA – Que outras entidades contribuem para  aperfeiçoamento da meteorologia?
Garrido – Centenas, talvez mais de um milhar. Vamos nos referir à mais tradicional e de maior envergadura institucional. Trata-se da Organização Meteorológica Mundial – OMM, que é uma organização intergovernamental com 187 membros, estabelecida em 1950, como sucedânea da Organização Meteorológica Internacional – OMI, criada e instalada em 1873. A Organização Meteorológica Mundial – OMM tornou-se a agência especializada da ONU para estudos sobre tempo e clima, hidrologia operacional e ciências geofísicas correlatas, abordando estudos de casos.
A OMM tem dado uma inestimável contribuição ao gerenciamento dos recursos hídricos. Os grandes temas de sua atuação estão contidos em quatro programas que são: World Weather Watch Programme; World Climate Programme; the Atmospheric Research and Environment Programme; e  the Hydrology and Water Resources Programme.
Esses programas têm sido objeto de debates pelo mundo afora, sempre aliando o conhecimento científico produzido a aplicações práticas em todo o mundo, pois, não custa lembrar, os problemas de tempo e clima não conhecem fronteiras.


FMA – E a ANA tem dedicado o espaço à meteorologia na gestão dos recursos hídricos?
Garrido – E nem poderia ser diferente. Ao administrar uma rede hidrometeorológica, a ANA demonstra estar atenta ao assunto.  Além disso, é freqüente entre as entidades da Administração Pública a busca do trabalho em parceria.
Assim, a ANA, o INMET, tanto quanto o INPE e os organismos estaduais que atuam no campo da Hidrometeorologia, estão sempre se avistando para extraírem os benefícios do trabalho cooperativo. Isto não bastasse, a ANA tem reservas intelectuais no campo da Meteorologia. Cito, como, exemplo, o Engenheiro Francisco Viana, Superintendente de Outorga, cuja versatilidade profissional já lhe permitiu, em passado recente, ter dirigido a FUNCEME.


FMA – O que acha do bombardeamento de nuvens para provocar chuvas?
Garrido – O tema é controvertido e ocuparia toda uma entrevista. A semeadura de nuvens pela borrifação de substâncias que provocam a precipitação certamente aumenta o volume de precipitação onde já choveria naturalmente, em formações de cumulus nimbos, por exemplo.
Portanto, pode-se dizer que a nucleação de nuvens do tipo cumuliforme faz chover mais. Entretanto, a chuva artificial é mais necessária onde não chove nada ou onde chove muito pouco.
As inúmeras experiências de nucleação de nuvens que existem no mundo não dão clara evidência nem de sucesso nem de fracasso do método.
Mas é forçoso reconhecer que se é difícil prever com absoluta segurança o comportamento dos sistemas meteorológicos, fica mais difícil ainda “colocar cabresto” nesses complexos sistemas.


 Glossário



DI-PÓLO TÉRMICO DA SUPERFÍCIE DO ATLÂNTICO – É um conjunto binário formado por regiões do oceano, no caso enfocando as regiões do Atlântico Norte e Atlântico Sul, cujas temperaturas da superfície do mar (TSM) são simétricas em relação à temperatura normal, que é 28oC. Por exemplo, quando a temperatura no Atlântico Norte está a 29oC, isto é, um grau centígrado acima da normal, e a temperatura do Atlântico Sul está a 27oC, ou seja, um grau centígrado abaixo da normal, está formado o di-pólo térmico favorável a que a Zona de Convergência Intertropical – ZCIT se desloque para o hemisfério sul. A diferença para mais ou para menos pode ser de um grau ou mais do que um, ou ainda menos do que um. O que importa é a simetria em relação à TSM. Em outras palavras, o essencial é a simetria em relação aos 28oC.


CORRENTES CONVECTIVAS – São correntes de ar que promovem a convecção, isto é, o movimento interno organizado dentro da própria camada de ar, produzindo o transporte vertical de calor.


CUMULUS, CUMULUS NIMBUS, CUMULIFORME – A expressão vem do Latim (Cumulus=Massa; Nimbus=Chuva). São nuvens de desenvolvimento vertical, com tendência a terem formas definidas, de grandes proporções, extensas e com alturas que podem vencer toda a troposfera. São portanto, do tipo cumuliforme, isto é dotadas de grandes massas, em contraste com as estratiformes, que são nuvens mais leves que não têm tendência a formas definidas nem são dotadas de grandes alturas.


FUNCEME – Fundação Cearense de Meteorologia foi criada pela Lei Estadual 9.618 (18/09/72), vinculada à Secretaria da Agricultura. Hoje é vinculada à Secretaria de Recursos Hídricos, dedicando-se à pesquisa científica, tecnológica e à realização de estudos sobre recursos hídricos e superficiais.


METEOROLOGIA SINÓTICA – É o campo do conhecimento meteorológico que se ocupa da descrição, análise e previsão de tempo. Até a primeira metade do século XX era desenvolvida empiricamente, com base nos dados simultâneos de estações de observação. Hoje, desenvolve-se com base no conhecimento científico, principalmente da Meteorologia Dinâmica. Também pode ser referida como sinótica atmosférica.


ONDAS DE LESTE – OL – Esse sistema é constituído por ondas que se formam no campo de pressão atmosférica entre os trópicos e se deslocam de leste para oeste. No Brasil, as ondas de leste vêm das proximidades da África e quando encontram condições favoráveis, se precipitam no Nordeste.


VENTOS ALÍSIOS – São o encontro de ventos dos dois hemisférios. Os alísios são fortes correntes de ar que chegam a cobrir cerca de um terço da superfície da Terra.