Política de Saneamento

Guerra de siglas trava projeto de saneamento ambiental

27 de setembro de 2004

A discórdia está no texto elaborado pelo Ministério das Cidades que dá autorização para a formação de consórcios municipais.

Sem acordo
A última tentativa de acordo foi realizada recentemente em Brasília, quando 16 secretários estaduais de saneamento se reuniram com o titular da Secretaria Nacional de Saneamento, Abelardo de Oliveira Filho, na busca de uma solução que contemplasse alterações substanciais no texto em discussão no interior do governo.
Os secretários sugeriram que se abandonasse a fórmula dos consórcios municipais, dando-se prioridade ao que dispõe o art. 25 da Constituição, que trata dos Estados Federados, o qual, na visão dos secretários, daria aos estados poderes para definir formas de associação com os municípios.
Os secretários alegam que o governo pretende trocar um sistema que já funciona de forma estruturada, como o das companhias estaduais, por outro ainda não testado como os consórcios.
Os estados também condenam um dispositivo do ante-projeto que obriga os municípios a manterem planejamentos de oito anos para os investimentos em água, esgoto, drenagem e resíduos. Os secretários estaduais temem que essa diretriz municipalista acabe desmontando o atual esquema das empresas estaduais de água e esgoto. A pulverização do planejamento dos sistemas de saneamento, segundo os estados, terá duas grandes inconveniências: primeiro, compromete o subsídio cruzado, instrumento que usa a arrecadação de cidades mais ricas para investimentos nas mais pobres; segundo, deixará de fora centenas de municípios, sobretudo os menores, claramente impossibilitados de montar qualquer estrutura de planejamento.
Apoiando os Secretários de Saneamento, a Associação Brasileira de Concessionárias Privadas de Saneamento observa que a centralização do planejamento nos municípios vai dificultar a tomada de decisão, lembrando que a maioria das prefeituras sequer possui planos diretores.
Os argumentos dos secretários estaduais de saneamento aparentemente não sensibilizaram o Ministério das Cidades, que confirma o envio, em breve, ao Congresso, de um projeto de lei permitindo a criação de consórcios por iniciativa dos Municípios, sob o argumento de que a intenção é melhorar a relação entre as municipalidades e os prestadores de serviço, sem que haja intenção de prejudicar as companhias estaduais.
Segundo o ante-projeto, tanto em sistemas isolados quanto nos integrados, a companhia prestadora de serviço de saneamento será obrigada a firmar um contrato de concessão com a definição das políticas de investimentos, tarifas e subsídios, obrigação que envolverá tanto as empresas estatais, criadas pelos municípios, como as privadas.


Municípios de acordo
Apoiada pela Frente Nacional de Saneamento Ambiental, a   Assemae apoia firmemente o texto elaborado pelo Ministério das Cidades, mas reivindica que a regulação dos serviços seja feita por conselhos municipais deliberativos.
No texto anterior do ante-projeto, esses conselhos tinham inclusive o poder de definir tarifas, mas uma forte pressão das entidades empresariais levou o governo a modificar essa posição, transformando os fóruns em órgãos consultivos. Contudo, até agora o governo não sinalizou se concorda com a reivindicação das prefeituras.
Enquanto os setores envolvidos não chegam a um acordo, o tempo vai passando e as outras prioridades do governo não sendo encaminhadas ao Congresso.  Se não for encontrada uma solução para a pendência, o que pressupõe um acordo entre estados, municípios e empresas privadas, o projeto da nova Política Nacional de Saneamento Ambiental pode chegar morto ao Congresso, repetindo o fracasso do PL 4147, que ficou engavetado durante seis anos durante a administração do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso.


“A Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente – Abema considera inaceitável o artigo 34 que dispõe sobre a criação de um Conselho Nacional de Integração de Políticas de Saneamento Ambiental – CONISA composto apenas por representantes do Governo Federal. Este conselho pode ser criado, mas não como ente definidor da política de subvenções e subsídios federais ao saneamento básico. Para isto deve ser um colegiado aberto aos entes federados e à sociedade civil, garantindo o controle social”.
Alexandrina Sobreira, presidente da Abema


A ameaça do esgoto não tratado


Dos 4,5 milhões de metros cúbicos de esgoto coletados nos 535 municípios banhados pelas bacias costeiras do Sudeste, apenas 1,1 milhão de metros cúbicos, cerca de 25%, recebem tratamento adequado.
A informação é do Atlas do Saneamento, lançado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – a partir de dados coletados pela Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – PNSB – elaborada no ano 2000.
Segundo o Atlas, na Bacia do rio Paraíba do Sul, principal fonte de água para a região metropolitana do Rio de Janeiro, o percentual de esgoto derramado sem tratamento é de 85%, o que constitui séria ameaça aos 13,5 milhões de habitantes daquela região que concentra 10% do PIB nacional.
A Bacia do Rio da Prata, que inclui uma das principais fontes de abastecimento de água da cidade de São Paulo, recebe cerca de 2,4 milhões de metros cúbicos de dejetos não tratados, o que correspondia, no ano 2000, a quase 40% dos dejetos coletados.
Um cruzamento de informações da PNSB, da Fundação Osvaldo Cruz e do Ministério da Saúde constatou uma grande incidência de doenças transmitidas pela água contaminada. As cidades pernambucanas de Recife, Jaboatão dos Guararapes, Camaragipe e Olinda, apresentaram elevados índices de leptospirose no ano 2000, como resultado direto das inundações que afetaram aqueles Municípios de 1998 a 2000.
O IBGE comparou os dados de 1989 e do ano 2000 relativos ao esgotamento sanitário, concluindo que, nesse período de onze anos, não houve praticamente melhoria representativa no quadro: se em 1989 47,3%  dos municípios possuíam esse serviço, em 2000 o percentual era de apenas 52,2%, o que mostra a urgência da implantação de uma política nacional de saneamento ambiental.