Programa Lixo Mínimo

Como bem administrar o lixo de pousadas

27 de setembro de 2004

A jornalista Sílvia de Souza Costa explica como melhorar o desempenho de um estabelecimento hoteleiro pela sustentabilidade


Os três R de uma boa gestão ambiental: reduzir, reutilizar e reciclar
Para se implantar um programa desse tipo em pousadas e restaurantes bastam duas coisas: vontade de fazer e um pouquinho de criatividade


Foto: Sílvia de Souza Costa é jornalista, escritora e empresária,
em tudo coloca a questão ambiental


Folha do Meio – Como surgiu a idéia de escrever este livro? 
Sílvia – A idéia de escrever alguma coisa sobre responsabilidade ambiental destinada a  pequenos hotéis e pousadas surgiu, na verdade, ao escrever um outro livro, chamado ‘Pousada – como montar e administrar’.
Já havia feito outros trabalhos para a Editora Senac Nacional. Naquela altura, estava iniciando no ramo da hotelaria.
Aí fui convidada a produzir um livro com orientações básicas para quem tem um pequeno estabelecimento hoteleiro e quer melhorar seu desempenho ou para quem deseja se iniciar na atividade. Tratava-se de uma demanda de Senacs regionais, que a editora pretendia atender. Minha experiência era praticamente inexistente. A Pousada Terras Altas de Visconde de Mauá, da qual sou sócia, ainda nem havia sido inaugurada, quando começamos a conversar sobre o assunto. Por isso, poderia, no máximo fazer um livro de jornalista, isto é, pesquisar, propor uma pauta inicial, fazer leituras, buscas na Internet, entrevistas, etc., para depois produzir o texto. Eles aceitaram e comecei o projeto.


FMA – E tem um dado importante: as pousadas, em geral, estão num santuário ecológico…
Sílvia – É verdade! A grande parte dos pequenos hotéis e pousadas encontra-se em paraísos ecológicos, áreas de preservação ambiental ou mesmo cidades históricas. Daí me pareceu imprescindível incluir alguma referência, ainda que genérica, sobre cuidados com o meio ambiente e o entorno do estabelecimento.
Para isso, fiz algumas entrevistas específicas e, aos poucos, fui me dando conta de que, para abranger de forma adequada os temas que se colocavam, teria que fazer um outro livro, tratando especificamente desse assunto. Mas, não precisei de muito tempo para perceber que o projeto era excessivamente ambicioso, pois são tantas as especialidades envolvidas, tantas questões a abordar, assuntos tão complexos, que levaria muito tempo e o livro ficaria muito grande.
Pensamos então, as editoras e eu, na possibilidade de fatiar o projeto e tratar de um tema de cada vez, de preferência com o relato de um ou dois casos exemplares. Era preciso apenas encontrar esses casos. Por uma ONG de Visconde de Mauá da qual faço parte (Centro de Estudos da Micro-Bacia do Alto Rio Preto – Cemarp)  fiquei sabendo que o Hotel Bühler, com mais de 70 anos de atividade , tinha desenvolvido um programa de redução de lixo. Naquela altura, início de 2003, já havia completado mais de um ano sem colocar um só saco de lixo no caminhão da Prefeitura. Depois de umas duas ou três conversas iniciais com Norma Bühler, sócia-gerente do hotel e principal responsável pelo projeto, encaminhei um projeto editorial que foi aceito pela Editora Senac e demos início ao trabalho.


FMA – E como realmente começou esse trabalho?
Sílvia – Olha, foi praticamente um ano de encontros semanais, em que Norma me relatava sua experiência, eu anotava, tirávamos dúvidas, e eu ia escrevendo.
O resultado desse trabalho foi o ‘Lixo Mínimo – uma proposta ecológica para hotelaria’, lançado na Bienal de São Paulo, em que pretendemos divulgar essa experiência para que outros possam adotá-la, pois é um programa simples, de custo bastante acessível e de ótimos resultados. Mas o que mais me atraiu, para falar a verdade, foi o fato de essa experiência envolver responsabilidade ecológica e também social, pois os recicláveis, papel e papelão, vidros, plásticos e metais, são doados para a Sociedade Pestalozzi, uma instituição de caridade de Resende, que é o principal município da região. A sociedade transforma a renda obtida com esses produtos em benefícios para os que lá buscam atendimento.


?Nada acontece de uma hora para outra, porque a gente precisa primeiro se reeducar, para dar o exemplo, convencer e até treinar as outras pessoas envolvidas nesse processo, como sócios, funcionários, fornecedores e clientes?



 


Dona Helena Bühler, ao centro, ladeada pela filha Norma e por Sílvia de Souza Costa


FMA – Pelo livro, é possível aprender as técnicas de reciclagem?
Sílvia – O livro apresenta diferentes métodos de reciclagem de lixo orgânico, processos de compostagem, e algumas receitas práticas fornecidas por dona Helena Bühler, a matriarca da família, que continua ativa no hotel, aos 80. Ela recicla latas, velas, sabonetes, cascas de ovo caipira, óleo de cozinha e pequenos objetos  metálicos. Mostramos ainda o possível reaproveitamento local de garrafas de vidro, de garrafas PET, de tampinhas, etc. Não abordamos a reciclagem de plástico, papéis e metais, pois esses recicláveis são doados à Pestalozzi.
 
FMA – Como um hotel pode reciclar seu lixo?
Sílvia – O lixo orgânico (restos de comida, papéis sujos, cascas de fruta, grama cortada, cinzas de lareira, etc.), que constitui em torno de 50% dos resíduos sólidos, pode ser totalmente reciclado, por processos de decompostagem, e transformado em excelente adubo.
Além disso, garrafas tanto de vidro como PET podem ser usadas para preencher blocos de concreto ou formar canteiros na horta. Cascas de ovo caipira viram uma nutritiva farinha de cálcio, sabonetinhos usados são reaproveitados como sabão líquido em máquinas de lavar, óleo de cozinha transforma-se em sabão em barra, velas são recicladas e novamente utilizadas, latas pintadas de várias cores tornam-se charmosos vasos, que podem adornar  escadas ou paredes.
Enfim, são muitas as possibilidades de reduzir, reutilizar e reciclar – os famosos 3 R.


FMA – Essas experiências das pousadas podem valer também para um restaurantes, lojas ou condomínios? 
Sílvia – Praticamente todas as técnicas podem ser adotadas tanto por hotéis, quanto por restaurantes, lojas, condomínios ou mesmo residências. A reciclagem do lixo orgânico requer pelo menos uma varanda ao ar livre ou um pequeno pátio. Mas para adotar um programa de redução de lixo, em qualquer lugar, basta querer… Depois, é preciso se informar, tomar conhecimento do básico e dar início ao processo.
O que a gente tenta ajudar com o livro. Nada acontece de uma hora para outra, porque a gente precisa em primeiro lugar se reeducar, para dar o exemplo, convencer e até treinar as outras pessoas envolvidas nesse processo, como sócios, funcionários, fornecedores, clientes entre outros.
E também deve-se levar em conta que o que funciona muito bem, de uma determinada maneira, em um local, pode não alcançar os mesmos resultados em outro lugar. Por isso, é preciso observar, adaptar, aperfeiçoar práticas e métodos. É um aprendizado constante.


FMA – E os custos para colocar essa experiência em prática?
Sílvia – O principal fator na implantação de um programa desse tipo é a vontade de fazer e um pouco de criatividade. Aliás. essas duas coisas são fundamentais para qualquer profissional e, especialmente para micro-empresários, como costumam ser os proprietários de pequenos hotéis e pousadas. Não se trata de nada muito complicado, nem muito caro. E o mais interessante: o programa pode ser implantado aos poucos, o que contribui para diluir os custos iniciais.


FMA – Qual o primeiro passo?
Sílvia – Um primeiro passo, que não custa nada, é separar o lixo, para que se possa avaliar o volume que se produz de cada tipo de lixo. A partir daí, buscar um destino adequado para cada tipo. Outra coisa bem simples é incorporar o conceito de pré-ciclar, isto é, reduzir já na hora de abastecer o hotel, dando preferência a produtos com menos embalagens ou a fornecedores comprometidos com práticas sustentáveis. E uma outra coisa que não pode ser esquecida: os turistas são pessoas cada vez mais bem informadas, exigentes e preocupadas com a preservação ambiental.
Por isso, a adoção de um programa desse tipo beneficia, sem dúvida, a imagem do estabelecimento, o que é um benefício adicional para os negócios e para a região onde o hotel está localizado.
 
FMA – Carlos Minc (PT-RJ) determinou, pela Lei dos Resíduos Sólidos, o fim dos lixões a céu aberto. É possível aplicá-la?
Silva – Essa lei foi aprovada 2003, pela Assembléia do Rio, portanto sua abrangência é estadual. Seu artigo 11o concede o prazo de um ano para que todos os municípios do Rio  incluam ‘em seus diagnósticos ambientais e planos diretores’ áreas para ‘destinação final de seus resíduos sólidos urbanos industriais e/ou não industriais’. A gente sabe que, na prática, deve ser necessário mais que um ano para que os municípios coloquem entre suas prioridades a construção de aterros adequados e controlados. E será preciso um pouco mais de tempo para fazer o projeto, obter a verba, até entrar em funcionamento. Mas sem dúvida a aprovação da lei é um importante primeiro passo, uma sinalização, um marco legal. Até porque, ela se baseou muito, como nos disse o próprio Minc, nas experiências do Rio Grande do Sul, um dos estados mais avançados, ao lado do Paraná, em matéria de políticas públicas para resíduos sólidos.
Ou seja, a Lei é um texto que teve como ponto de partida uma outra lei, aplicada com muito sucesso, que foi debatida e analisada por várias ONGs e especialistas do Rio, e que depois foi, naturalmente, discutida e aprovada pela Assembléia fluminense. Não é fácil,  mas o fim dos lixões tem que ser prioridade de todos, tanto do ponto de vista ambiental quanto de saúde pública.


Não se pode esquecer que os turistas são pessoas cada vez mais bem informadas, exigentes e
preocupadas com a
preservação
ambiental. A adoção de um programa desse tipo só beneficia a imagem do
estabelecimento