O Ministério Público e a tutela do Meio Ambiente
20 de outubro de 2004Ana Rita de Figueiredo Nery
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
As lições do artigo 225 da Constituição Federal, de tão familiares e correntes, pouco expressam o que foi a consolidação do meio ambiente como ramo do direito e objeto de tutela jurisdicional.
Com efeito, em sua gestação, a proteção ambiental, que hoje é ordem do dia nas diversas ciências, enfrentou a dificuldade de se sobrepor a uma ótica patrimonial e individualista, quando o Estado ainda engatinhava nos seus deveres de promoção dos valores constitucionais e não apenas de mantenedor da ordem pública. É também neste período de construção do Estado Social de Direito que o Ministério Público passa de sensor a agente da tutela do meio ambiente e de outros direitos indisponíveis. Conforme destaca o professor Gustavo Tepedino, este “deixa de atuar simplesmente nos momentos patológicos, em que ocorre a lesão a interesse público, sendo convocado a intervir de modo permanente, promovendo o projeto constitucional e a efetividade dos valores consagrados pelo ordenamento”. Por que, então, a despeito de tantas potencialidades, o parquet1 ainda tropeça nas próprias pernas?
A par de questões relativas a conjunturas políticas, e descabendo aqui um rol casuístico do descaso que historicamente acomete o tratamento de interesses difusos no Brasil, destaquemos dois entraves fundamentais. Inicialmente, numa perspectiva funcional, nota-se que a atividade do Ministério Público ainda é precipuamente voltada para a jurisdição contenciosa, isto é, para a solução de litígios. Com isso, deixam-se de lado importantes instrumentos extrajudiciais de fiscalização e prevenção tais como recomendações e inspeções, os quais, se apresentam mais condizentes com as irregularidades de menor potencial lesivo bem como com as peculiaridades dos centros urbanos (poluição visual, sonora, lixo, saneamento etc.).
Em outra vertente, esta de caráter material, a vocação do Ministério Público muitas vezes se encontra tolhida pela dificuldade de confirmação da força normativa da Constituição que, posto se reflita em outros ramos do direito, se acentua na tutela do meio ambiente dado seu caráter imaterial, difuso e prognóstico. Decorrem daí limitações à capacidade processual do Ministério Público e o aproveitamento acanhado da Ação Civil Pública, como se não fossem meros instrumentos a serviço da realização da função social da propriedade, da dignidade da pessoa humana e da solidariedade constitucional.
Numa fase em que a necessidade de tutela do meio ambiente já se encontra cristalizada na sociedade, mostra-se necessário um empenho do Ministério Público na atividade de interpretação constitucional com vistas a se conferir maior eficácia às ferramentas que já lhes foram dadas pelo legislador. Importa, ainda, que tais teses sejam bem recebidas pelos tribunais, sob pena de a proteção ambiental ser conduzida por políticas públicas pontuais ou ser privilégio das catástrofes de maior apelo social. Criatividade: é disso que Ministério Público e o meio ambiente mais precisam nesse momento.
(*) Ana Rita de Figueiredo Nery é estudante de Direito da Universidade do Estado do RJ e pesquisadora da FAPERJ
parquet – Expressão francesa
referente a vaga juridicamente usada para significar Ministério Público, em alusão ao assento que seus membros possuem junto aos tribunais e que denota o poder de iniciativa dessa instituição