Hidropirataria na Amazônia
20 de outubro de 2004Jerson Kelman
Foto: Cerca de 70% da água que é retirada dos rios é utilizada
na irrigação porque, como regra, é necessária uma grande quantidade de água para produzir uma pequena quantidade do produto final. Por exemplo, são necessários cerca de mil quilos de água para produzir um quilo de grãos.
Jerson Kelman é presidente da ANA
Se, por hipótese, todos os seis bilhões de seres humanos que habitam o planeta fossem convencidos a beber apenas água engarrafada do rio Amazonas, seria necessário utilizar o volume médio por ele despejado no mar durante apenas 1,5 minuto para atender toda a demanda diária mundial. Entretanto, como a maior parte da humanidade não consome água engarrafada, o volume despejado em menos de dois segundos seria suficiente para abastecer todas as garrafas de água de mesa consumidas no mundo, ao longo de um dia, cerca de 360 milhões de litros. Portanto, “tamanho não é documento”, pelo menos no que diz respeito à vantagem comparativa entre diversas fontes de água de mesa. O que, sim, constitui “documento” é a existência de certos elementos químicos nas águas minerais. E neste quesito a água do Amazonas não é excepcional, se comparada às fontes existentes em todo o mundo.
Água é insumo de processo produtivo, tanto na agricultura como na indústria. Cerca de 70% da água que é retirada dos rios é utilizada na irrigação porque, como regra geral, é necessária uma grande quantidade de água para produzir uma pequena quantidade do produto final. Por exemplo, são necessários cerca de mil quilos de água para produzir um quilo de grãos. Ou, para cada quilo de frango, dois mil quilos de água. Como o custo do transporte rodoviário, ferroviário ou aquaviário de dois mil quilos de água é, em geral, superior ao preço de venda de um quilo de frango, não há viabilidade econômica da exportação de água para esta finalidade, e para outras assemelhadas.
Apesar disto, já ocorre comércio de água entre países. É o caso, por exemplo, do acordo para exportação de 50 bilhões de litros por ano da Turquia para Israel, por meio de navios supertanques, cada um com capacidade de transporte de, pelo menos, 200 milhões de litros, ao preço de aproximadamente R$ 0,002 por litro.
Será que poderíamos entrar na competição e vencer os turcos na venda? Afinal, levaria menos de 5 minutos de descarga do rio Amazonas para encher os 250 navios que transportariam toda a água transacionada ao longo de um ano, no valor de R$ 100 milhões.
Será que poderíamos tomar partido da abundância hídrica da Amazônia para ofertar um significativo desconto já que, no caso específico, o custo de oportunidade da água é nulo?
Lamentavelmente a resposta é não. O Brasil não seria páreo para a Turquia porque o custo de transporte do Brasil para Israel supera o da Turquia em mais de R$ 0,002 por litro (ou R$ 2,00 por tonelada). Em outras palavras, mesmo que o Brasil decidisse doar a água, ainda assim seria mais vantajoso para Israel comprar da Turquia.
Não se pode dizer que Israel esteja pagando barato. Afinal, ao custo de R$ 0,002 por litro é possível transformar água do mar em água potável, por meio do processo de dessalinização. É de se supor que a opção de Israel pela importação de água, em vez da dessalinização, decorra do desejo de manter boas relações com um país de grande importância estratégica na região.
Como não temos países vizinhos carentes de água e localizados a curta distância do rio Amazonas, não é economicamente verossímil que a abundância hídrica da região venha a contribuir diretamente para reforço de nossa balança comercial, pelo menos, digamos, nos próximos vinte anos. Entretanto, não se deve descartar a hipótese da questão hídrica vir a ser utilizada como disfarce para outras cobiças sobre a região, particularmente, com relação ao uso comercial da biodiversidade.
Existem, sim, navios que usam água do rio Amazonas como lastro. Neste caso temos que nos preocupar com a operação de lavagem de tanques, que pode poluir o rio, e com a eventual introdução de espécies exóticas, como o mexilhão dourado.
Carste ameaçado
Da redação
Em primeiro lugar, você sabe o que é carste? Talvez pouquíssimos saibam. Alguns já ouviram falar. Para quem não sabe, vamos dar uma explicação bem simples: o carste é caracterizado por uma região com grande número de cavernas, vegetação com grandes árvores, rica fauna e lagoas de cor azul devido à presença de carbonato de cálcio. O patrimônio cárstico mineiro encontra-se ameaçado pela atividade de exploração do calcário, matéria-prima do cimento e da cal e pelas atividades agropecuárias. Localizado na região de Arcos, Pains e Matozinhos. A região também apresenta uma riqueza arqueológica, explorada inicialmente por P.W. Lund, no século XIX, que escavou centenas de grutas entre Lagoa Santa e Cordisburgo, identificando animais extintos como o famoso tigre-dente-de-sabre. Muitas dessas cavernas abrigam ainda pinturas rupestres gravadas nos paredões de calcário por homens pré-históricos e são objeto de pesquisa de cientistas da UFMG.
O patrimônio cárstico mineiro encontra-se ameaçado pela atividade de exploração do calcário, matéria-prima do cimento e da cal e pelas atividades agropecuárias
A Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda) propõe uma normatização da exploração do calcário e das atividades agropecuárias na região para impedir a destruição desse patrimônio ambiental e arqueológico. Entre outras medidas propostas estão: zoneamento econômico/ecológico do paredão cárstico e seu entorno, visando definir as áreas onde podem ser exercidas atividades econômicas e as destinadas à preservação; negociar a compensação ambiental prevista em lei para todos os empreendimentos licenciados após julho de 2000, visando ampliar a Estação Ecológica de Corumbá, em Arcos, e criar novas unidades de conservação e emergencialmente mudar a atual forma de licenciamento da atividade mineradora feito pelo Copam.
Desde o dia 23 de agosto o site da www.amda.org.br deu início a uma campanha para assegurar o maior número de adesões à luta pela preservação do patrimônio cárstico. A nova seção virtual será composta por um texto de apresentação, onde estarão disponíveis links para envio de mensagens às autoridades ambientais para que procedam ações de conservação e proteção do patrimônio, painel de fotos, artigos e trabalhos científicos, mapas, relação de outros site sobre o assunto e informações sobre licenciamento ambiental.