Biossegurança e transgênicos

Senado aprova lei da biossegurança: guerra continuará na Câmara

20 de outubro de 2004

Autorizado o plantio de sementes transgênicas e a utilização terapêutica de células-tronco

Os principais
pontos do projeto
O projeto libera a pesquisa (em laboratório ou no campo), o plantio e a comercialização de plantas geneticamente modificadas (transgênicas), desde que com autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio e do Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS.
Proíbe a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de sementes modificadas de tal forma que produzam grãos estéreis, processo conhecido como “gene terminator”. A pesquisa com esse tipo de semente não está proibida.


CNBS
O Conselho Nacional de Biossegurança – conforme o projeto aprovado – será formado pelos Ministros da Ciência e Tecnologia; do Desenvolvimento Agrário; da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; da Justiça; da Saúde, do Meio Ambiente; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; da Defesa; das Relações Exteriores; do Ministro-Chefe da Casa Civil e do Secretário Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República.
O CNBS instalará seus trabalhos com a presença de pelo menos seis de seus membros e a deliberação se dará por maioria absoluta, ou seja, no mínimo seis votos.


CTNBio
A CTNBio será composta por 27 cidadãos brasileiros de reconhecida competência técnica, de notórios atuação e saber científicos, com grau acadêmico de doutor e com destacada atividade profissional nas áreas de biossegurança, biotecnologia, biologia, saúde humana e animal ou meio ambiente, e terão mandato de dois anos, renovável por até mais dois períodos consecutivos.
A reunião da CTNBio poderá ser instalada com a presença de 14 de seus membros, incluído pelo menos um representante de cada uma das áreas, e suas decisões serão tomadas por maioria dos membros presentes à reunião.


Competência
A CTNBio delibera sobre os Organismos Geneticamente Modificados – OGMs – mas suas decisões podem ser questionadas por meio de recurso ao CNBS, órgão de assessoramento superior do Presidente da República para a formulação e implementação da Política Nacional de Biossegurança – PNB.
O CNBS também pode avocar e decidir, em última e definitiva instância, com base em manifestação da CTNBio, sobre os processos relativos a atividades que envolvam o uso comercial de OGMs e seus derivados, tendo como princípio a proteção zoofitossanitária.


Plantio da safra 2004/2005
O projeto autoriza a produção e a comercialização de sementes de cultivares de soja geneticamente modificada tolerantes a glifosato registradas no Registro Nacional de Cultivares – RNC – e o plantio de grãos de soja geneticamente modificada, também tolerante a glifosato, reservados pelos produtores rurais para uso próprio na safra 2004/2005, ficando vedada sua comercialização como semente.
Há, ainda, a possibilidade de o Poder Executivo prorrogar essa autorização.


Embriões
O projeto proíbe a clonagem humana e a clonagem terapêutica e autoriza o uso de células – tronco embrionárias obtidas a partir de embriões excedentes dos processos de fertilização in vitro (reprodução assistida), desde que sejam inviáveis para implantação, ou estejam congelados há três anos ou mais, ou já estejam congelados na data da publicação da lei e completem três anos de congelamento.
Torna obrigatória a autorização dos genitores e veda a comercialização desse material biológico, criminalizando sua prática.
Rótulos
Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGMs ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos. Tudo conforme o regulamento.


Crimes e penas


O projeto dispõe de um extenso capítulo penal, definindo diversos crimes ambientais e fixando penas para eles, que vão a até oito anos
de reclusão e multa.


São os seguintes:
1) Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5º do projeto, reclusão de um a três anos, e multa.


2) Praticar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião humano, reclusão de um a quatro anos e multa.


3) Realizar clonagem humana: reclusão de dois a cinco anos e multa.


4) Liberar ou descartar OGM no meio ambiente, em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização: reclusão de um a quatro anos e multa. Se o crime é culposo, a pena será de dois a quatro anos de reclusão e multa. A pena será agravada de um sexto a um terço, se resultar dano a propriedade alheia; de um terço até a metade, se resultar dano ao meio ambiente; da metade até dois terços, se resultar lesão corporal de natureza grave em outrem; e de dois terços até o dobro, se resultar a morte de outrem.


5) Produzir, armazenar, transportar, comercializar, importar ou exportar OGMs ou seus derivados, sem autorização ou em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização: reclusão de um a dois anos e multa.
6) Utilizar, comercializar, registrar, patentear e licenciar tecnologias genéticas de restrição do uso: reclusão de dois a cinco anos e multa.







 Fotos  –  Wilson Dias/A Br


MP autoriza plantio de soja transgênica
Conforme a Folha do Meio anunciou desde julho, não haveria tempo para o Congresso resolver o impasse e o governo não tinha outra opção


Milano Lopes, de Brasília


Foto: Presidente Lula reluta mas assina a MP da soja transgênica


O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva venceu sua relutância e assinou a Medida Provisória nº 223, publicada no Diário Oficial de 15 de outubro corrente, autorizando o plantio de sementes de soja transgênica para a safra 2004/2005. Como muitos produtores rurais, sobretudo do Rio Grande do Sul, já haviam iniciado o plantio, eles agora terão assegurado o financiamento pelos bancos oficiais e a cobertura do seguro contra frustração de safra.
A MP passou ao largo de questões polêmicas como
os poderes da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio – para autorizar a pesquisa e comercialização de soja transgênica, ou a pesquisa com embriões para a cura de doenças, objeto de projeto de lei recentemente aprovado pelo Senado e enviado ao exame da Câmara, limitando-se a autorizar o plantio da soja transgênica para a próxima safra.


Repetição
Repetindo o texto das medidas provisórias anteriores, que autorizaram o plantio da soja transgênica nas safras de 2002/2003 e 2003/2004, a nova MP  simplesmente exclui da vedação legal (lei nº 10.711, de 5 de agosto de 2003) “as sementes da safra de soja geneticamente modificada de 2004, reservadas pelos agricultores para uso próprio.”
O art. 3º mantém a exigência da assinatura, pelos produtores, do Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta, o qual terá de ser firmado até 31 de dezembro próximo, e entregue nos Correios, nas agências do Banco do Brasil e da Caixa Econômica, para que os interessados tenham acesso a empréstimos e financiamentos de instituições integrantes do Sistema Nacional de Crédito Rural.
O art. 5º da MP veda o plantio e a comercialização de sementes relativas à safra de grãos de soja geneticamente modificada de 2005, na expectativa de que até outubro do próximo ano a nova legislação, que depende apenas de apreciação da Câmara, esteja em pleno vigor, liberando em definitivo a utilização da soja transgênica.
Segundo a MP, “os produtores de soja geneticamente modificada, que causem danos ao meio ambiente e a terceiros, inclusive quando decorrente de contaminação por cruzamento, responderão, solidariamente, pela indenização ou reparação integral do dano, independentemente da existência de culpa.” Porém o art. 7º autoriza, para a safra 2004/2005, o registro provisório de variedade de soja geneticamente modificada, no Registro Nacional de Cultivares, beneficiando a variedade Roundup, produzida pela Monsanto. Isso evita que os produtores rurais utilizem sementes contrabandeadas da Argentina. Contudo, essa semente não poderá ser comercializada, até que entre em vigor legislação específica que disponha, em definitivo, sobre a matéria.


Quem perde, quem ganha


A edição da MP nº 223, autorizando o plantio de soja transgênica, utilizando as 200 mil sacas de sementes em poder dos produtores rurais do Sul e do Centro-Oeste, resultou em evidente derrota para a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
No final de setembro, a ministra havia obtido o compromisso do Presidente de que não assinaria a MP.  No início de outubro corrente, em nova conversa com Lula, Marina recebeu a informação de que, diante da inviabilidade da aprovação do projeto de lei da biossegurança pelo Congresso, não haveria outra solução a não ser a MP.
Tratava-se – disse-lhe Lula  na ocasião – de preencher um vazio jurídico e evitar que os agricultores iniciassem um processo de desobediência civil, plantando a soja transgênica mesmo com a proibição, como, aliás, já haviam iniciado.
Marina esteve pela terceira vez com Lula um dia antes da assinatura da MP, quando recebeu a informação oficial de que a nova legislação entraria em vigor no dia 15 de outubro.
O lado vencedor foi o Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, que por mais de uma vez havia manifestado ao Presidente da República sua preocupação com a possibilidade dos produtores rurais desafiarem abertamente o governo, plantando soja transgênica, sem que nada pudesse ser feito.
Insistir na proibição – disse o Ministro da Agricultura ao Presidente  Lula – seria um duplo transtorno: primeiro, o governo sofreria com a desobediência civil, segundo estaria tentando impedir a produção de mais de cinco milhões de toneladas de soja, causando enormes prejuízos aos produtores rurais. Diante disso, mesmo constrangido, Lula assinou a MP 223.


A batalha
transfere-se para Câmara


Enquanto parlamentares da Comissão de Agricultura da Câmara já iniciaram uma articulação em favor do texto da Lei de Biossegurança aprovado no Senado, parlamentares ligados à área ambiental querem modificar o projeto, como o líder do Partido Verde na Câmara, Edson Duarte, da Bahia.
O deputado afirmou que o texto do Senado “representa um retrocesso para o País”. Os verdes estão fechados em torno da aprovação do uso de embriões humanos em pesquisas com células – tronco, dispositivo que foi introduzido no Senado, mas adiantam que irão lutar para diminuir o poder concentrado na CTNBio, na tentativa de restabelecer o que havia sido aprovado na Câmara.
Um dispositivo obrigava a comissão a ouvir os órgãos técnicos do governo sobre o impacto ambiental de projetos envolvendo transgênicos.
Já os integrantes da Comissão de Agricultura alimentam a expectativa de que a Câmara ratifique o texto do Senado. O presidente da Comissão, deputado Leonardo Vilela (PT-GO), considera o texto do Senado melhor do que o aprovado na Câmara.
Ainda na esfera política, é esperada uma reação do Ministério do Meio Ambiente, cuja titular, senadora Marina Silva, não gostou do projeto aprovado pelo Senado. A intenção da ministra é levar os deputados a rejeitarem as alterações feitas pelos senadores, restabelecendo o texto inicialmente votado pela Câmara.
No âmbito das ONGs, o Instituto de Defesa do Consumidor – Idec – e a organização Greenpeace também pretendem influenciar os deputados para que rejeitem os poderes que os senadores concederam à CTNBio, que eles consideram excessivos.