Carvoarias e siderúrgicas são co-responsáveis pelo mesmo crime
20 de outubro de 2004Beneficiadas pela venda de carvão produzido ilegalmente, empresas poderão ser penalizadas com multas e os custos de recuperação das áreas degradadas em Minas e Goiás
Foto: Para o Dr. Ricardo Rangel de Andrade, em Goiás, nestes últimos anos, a situação só
piorou e, devido a complexidade do caso, só agora o Ministério Público está
em condições de entrar com o processo contra as siderúrgicas
Este exemplo de ação conjunta entre os dois estados que usufruem dos benefícios de uma mesma bacia hidrográfica é iniciativa dos coordenadores da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente da Bacia do Rio São Francisco em Minas Gerais, Luciano Badini Martins, e do Centro de Apoio Operacional da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Goiás, Ricardo Rangel de Andrade.
A ação será resultado de um trabalho iniciado pelo promotor goiano, a partir do levantamento que detectou devastação da quase a totalidade do Cerrado de Goiás. Os pontos comuns entre os dois estados, além de terem áreas na bacia hidrográfica do rio São Francisco, é a venda da quase totalidade do carvão vegetal ilegal de Goiás para siderúrgicas mineiras e o elevado grau de desmate das áreas com este tipo de vegetação – quase 100% em Goiás e 50% em Minas.
“A opção foi por uma ação civil, pois a criminal esbarra na fragilidade da legislação brasileira. Na lei ambiental brasileira, o réu primário e com bons antecedentes não vai para a cadeia”, diz Badini. A Lei de Crimes Ambientais 9605/98, prevê 12 tipos de crimes e até dois anos de pena máxima e o transportador de carvão ilegal recebe pena pecuniária ou prestação de serviço. Assim, o processo se extingue sem recuperação de danos ao meio ambiente.
Existem três opções de ação contra degradação ambiental – ação civil pública, que se caracteriza pela exigência de recuperação de áreas degradas e compensação pelo dano ambiental; ação penal e criminal, que esbarra no aspecto brando da lei contra crimes ambientais e privilegia a recuperação ou compensação dos danos ambientais, em detrimento da pena de prisão, e a ação de improbidade administrativa, que cabe aos órgãos de controle do meio ambiente, como IEF, Ibama etc.
O inquérito que trata da derrubada de matas nativas de Goiás e venda de carvão para siderúrgicas mineiras foi iniciado em 1998 pela 15ª Promotoria de Justiça, a partir de denúncias diretas e pela imprensa. “Devido à complexidade do caso e por fatos ambientais ocorridos neste período, somente agora estamos em condição de entrar com o processo contra as siderúrgicas”, diz Ricardo Andrade.
Para o promotor goiano, o envolvimento de muitos proprietários rurais, carvoeiros, transportadores, siderúrgicas e intermediários no desmatamento de áreas nativas, na produção e no uso de carvão vegetal, mostra esta complexidade.
Outras dificuldades são a ocorrência de fatos como a interrupção da distribuição do selo verde em Goiás, em 1999, simplesmente porque os órgãos ambientais do estado não providenciaram a produção do material. “Em seis anos, a situação florestal em Goiás só piorou”.
Selo verde
Depois de 14 anos, o IEF sepultará o selo verde. Criado para tentar controlar a derrubada de matas nativas para a produção de carvão vegetal em Minas Gerais e utilização em siderúrgicas de ferro gusa, será substituído por um novo sistema, no final de outubro.
O pedido de desmate de árvores nativas ou reflorestadas será inserido num programa por meio da Autorização para Exploração Florestal – APEF e um técnico do IEF irá ao local conferir a existência da área mencionada no pedido. A autorização gerará um crédito de extração, a ser gradativamente abatido pelo desmate e confrontado com as compras de carvão pelas siderúrgicas.
As siderúrgicas terão de informar as compras pela Guia de Controle Ambiental – GCA entregue aos transportadores. Assim, será possível confrontar as informações deste documento com as da nota fiscal entregue pelo produtor ao transportador.
“O acompanhamento do IEF incluirá ainda o perfil e a capacidade de produção das siderúrgicas, pois possuímos a capacidade produtiva de todas as siderúrgicas mineiras. A partir da relação de 3m3 de carvão para produzir uma tonelada de gusa e da saída deste produto final, saberemos se o montante de carvão vegetal adquirido e registrado no sistema confere com o volume de ferro gusa produzido”, diz o diretor geral do IEF-MG, Humberto Caldeira. Segundo ele, Minas 6 milhões de toneladas de gusa/ano, o que deveria resultar em 18 milhões de m3 de carvão. Mas, em 2003, o IEF recebeu a informação das siderúrgicas de um consumo de 11 milhões de m3. Esta checagem permitirá a identificação de defasagem nas informações, o que pode significar o caixa dois destas empresas.