Justiça pela revitalização do Velho Chico

Promotores de sete estados se unem em defesa da bacia do rio São Francisco

21 de outubro de 2004

Minas Gerais, DF, Goiás, Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco se unem para salvar a bacia do rio São Francisco de uma crescente degradação


Foto: Luciano Badini Martins: “As ações dos promotores nas diversas comarcas e nos diversos estados da bacia do São Francisco devem ser integradas, pois a natureza e o meio ambiente não podem esperar”


Uma das centrais de preocupação está na área do Ministério Público, com a criação da Promotoria Interestadual da Bacia do Rio São Francisco, que inclui Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Goiás e Distrito Federal – apesar de não banhados pelo rio, estes dois últimos estados possuem 6,7% de sua bacia hidrográfica, pois abrigam afluentes.
A proposta do Ministério Público é realizar ações integradas de defesa do rio em toda a sua bacia hidrográfica. Assim, em cada estado, uma coordenação cuida de várias promotorias, que, por sua vez, têm ações interligadas para averiguarem denúncias e proporem ações baseadas na legislação ambiental.
E esses braços se entrelaçam em ações interestaduais dentro da bacia.
O coordenador da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente da Bacia do Rio São Francisco em Minas Gerais, promotor Luciano Badini Martins, ressalta que as ações dos promotores nas diversas comarcas desses estados devem ser integradas, “pois a natureza e o meio ambiente não podem esperar. Eles são interligados e  requerem ações conjuntas nas diversas regiões com problemas idênticos”.


Pioneirismo
O Ministério Público de Minas Gerais foi o primeiro no país a criar a estrutura de atendimento às questões ambientais. Hoje, são cinco coordenadores na Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente da Bacia do Rio São Francisco – o coordenador geral e outros quatro promotores nas bacias dos rios Urucuia e Paracatu, em Paracatu, no Alto Paranaíba; dos rios das Velhas e Paraopeba, na região Metropolitana de Belo Horizonte, no rio Verde Grande, no Norte de Minas, e na região do Alto São Francisco, no Centro-Oeste.
“Esta estrutura é inédita no mundo pela exclusividade de atuação de promotores regionais em causas ambientais”, diz Luciano Badini.
Tanto o coordenador geral quanto os quatro promotores regionais atuam somente nas questões ambientais para orientar e auxiliar as ações dos colegas das 82 comarcas de 241 municípios da bacia do São Francisco, em Minas, e que, no dia a dia, também atuam em casos gerais.
Em Minas, a exclusividade dos coordenadores em questões ambientais se deu pelo convênio assinado entre o Ministério Público estadual e o Ministério do Meio Ambiente, em 2001, o que permitiu destinar R$ 1,43 milhão federal e R$ 2,4 milhões estaduais para a montagem e custeio da estrutura da promotoria, após outubro de 2001.
A importância de atuações concentradas do MP, segundo Badini, pode ser constatada nos 80% das demandas ambientais brasileiras solucionados por meio do Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, entre promotores e acusados de danos ambientais.
Os 20% restantes são proposituras de ações, 97,5% delas oferecidas pelo Ministério Público e os restantes de ONGs e ações populares. Os TACs são importantes, pois a natureza não espera soluções jurídicas, que podem chegar a seis anos. “Hoje, o promotor tem de ser um grande negociador para fechar acordos que criem medidas para sanar danos ambientais em curto prazo”, diz Badini.


O absurdo do corte de matas ciliares, despejo de esgoto e até desvio do rio São Francisco


Foto: Desvio em Lagoa do Prata: à esquerda vemos o leito natural do rio com 7,5km. À direita , corte de 250m (entre os traços vermelhos) que atalhou o rio


As ações do Ministério Público na bacia do rio São Francisco incluem combate aos lixões; tratamento de esgoto sanitário, recuperação de matas ciliares, ocupação e parcelamento do solo e adequação às normas ambientais e sanitárias de abatedouros e matadouros, além da demolição de imóveis irregulares nas margens do rio.
Um exemplo de atuação em Minas está na operação SOS São Francisco, realizada em 2003, parceria do MP, Instituto Estadual de Florestas e Polícia Florestal, que resultou em mais de 100 TACs com proprietários rurais e 443 inquéritos civis por corte de matas ciliares e lançamento de esgotos em cursos de água por residências, clubes e empresas.
Um dos casos permitiu criar o Projeto Nova Margem, em 2003, para plantar 84 mil mudas e recompor matas ciliares no rio Itapecerica, município de Divinópolis, Centro-Oeste de Minas. Para efetivar este plantio foram firmados acordos com a maioria dos agricultores; alguns poucos resistentes sofrerão ações penais civis e públicas.


Ferrovia
Centro-Atlântica
Outro caso envolveu a Ferrovia Centro-Atlântica, multada em R$ 100 mil, por descumprir liminar para instalar equipamentos de controle de poluição em uma caldeira da oficina de manutenção de máquinas e vagões da ferrovia em Divinópolis.
A ação movida da unidade da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente da Bacia do Rio São Francisco, no município, visou também estancar a descarga de material poluente no córrego Flecha, afluente do Rio Itapecerica, onde, em 2002, houve uma grande mortandade de peixes. Após o pagamento de multa a FCA instalou os equipamentos, que reduziram 70% da emissão de poluentes.


Desvio do rio
Em 2001, a operação SOS São Francisco permitiu também a denúncia de um grave crime ambiental: a abertura, em 1981, de um canal de 250 metros de extensão no leito do São Francisco, entre os municípios de Luz e Lagoa da Prata, no Centro-Oeste mineiro, pelo empresário Antônio Luciano Pereira.
Falecido em 1990, o ex-proprietário da Companhia Industrial e Agrícola do Oeste de Minas, fez o desvio na marra e com recursos federais do Pró-varzea, para usar água do rio no plantio de cana-de-açúcar. O desvio comprometeu 7,5 quilômetros do rio, transformou em pasto 134,11 hectares de lagoas naturais e o leito passou de 50 a 60 metros para seis de largura.
Um TAC assinado com o Ministério Público obrigou a empresa a recuperar a área degradada e definiu uma multa de R$ 590 mil, transformada em R$ 90 mil, após a empresa ter recorrido da sentença.
Em 2004, os advogados ajuizaram ação cautelar e tiveram deferida liminar pela Justiça de Lagoa da Prata para suspender a execução do recurso. O argumento utilizado é que, por se tratar de rio federal, há necessidade de outorga da Agência Nacional das Águas para o início das obras, o que foi confirmado pela agência. O MP de Minas Gerais entende que esta decisão atrasará ainda mais o processo de recuperação do desvio do São Francisco. Além disso os ambientalistas querem uma unidade de conservação na área degolada.