Laboratório de natureza

Procissão de Tabebuias

20 de outubro de 2004

A floração de ipês roxos, amarelos, rosas e brancos embriaga as abelhinhas por excesso de néctar, embeleza matas e cidades e não pode passar despercebida de professores e alunos

Foto: O ipê amarelo enfeita mais ainda o cartão postal de Brasília.



Na floração dos ipês, as abelhas fazem alvoroço sugando o néctar das flores. Dá para se ouvir o zumbido das asas. Enquanto sugam vão polinizando as flores, carregando e trocando pólen de flor em flor. Fecundados os óvulos, vêm os frutos. As finas e longas vagens esverdeadas estão repletas de pequenas sementes aladas. De agosto a novembro, elas começam amadurecer e abrir. Meses de ventania para a dispersão das sementes. Com o início da chuva vem o período da germinação. As sementes que vingaram darão novas mudas de ipês. Aparentemente tão simples relatar a reprodução das plantas. Mas que processo sofisticado!
Releio a correspondência enviada pelo amigo e Prof. Nelson Sabino Bittencourt sobre o seu trabalho de polinizações manuais controladas em ipê-roxo.


Foto: E o roxo, abaixo, reina majestoso sobre um campo de pastagem


Tarefa nada fácil. Para conseguir acertar a deposição de pólen no estigma da flor é um verdadeiro malabarismo. Equilibrar na escada, sol na moleira, mosquitos, escolher um botão floral pequeno sem danos de parasitas, cobrir a inflorescência com saquinhos de pipoca, para no dia seguinte tentar a polinização. O próximo procedimento, remover os estames, órgãos onde são produzidos os grãos de pólen. Segundo o pesquisador um trabalho de precisão cirúrgica. Mas a dificuldade maior era depositar o pólen no estigma.  Tarefa fundamental para haver a polinização e fecundação. A exuberância das flores contrastava com um estigma bilamelado e sensitivo. Ele explica, “parece duas orelhinhas uma deitada sobre a outra que se fecha ao mais leve toque. Não há Cristo que agüente forçar a abertura para lá deixar um punhadinho de pólen que seja. E ele só volta a se abrir novamente horas depois. Admiração pelas flores oculta processo de reprodução dos ipês tão sutil e repleto de preciosidades.
Apesar de ampla ocorrência no Brasil, os ipês são típicos do cerrado de Minas Gerais. Mas com o passar dos anos, a siderurgia, pecuária, agricultura, industrialização foram transformando o cerrado em carvão, pasto, soja, tubos, arames, automóveis… Como o ipê-roxo é uma das espécies mais cultivadas para arborização urbana e ótimas para recuperar áreas degradadas ainda podemos nos encantar com sua beleza.
Henri Lorenzi no livro Árvores brasileiras descreve três espécies Tabebuia avellanedae, Tabebuia heptaphylla e Tabebuia impetiginosa, conhecidas popularmente como ipê-roxo, pau-d’arco-roxo, ipê-rosa, ipê-comum, ipê-de-minas.
A presença dos ipês chama atenção da população, mas muitas vezes passa despercebida dos professores que esquecem desse grande laboratório de natureza. Conteúdos programáticos descontextualizados e aprisionados em grades curriculares tornam os alunos analfabetos e cegos para a leitura do ambiente.
E para finalizar retorno ainda à polinização, reproduzindo observações do professor Nelson sobre um visitante legítimo – “uma abelha bem loirinha e com penetrantes olhos compostos esverdeados. Linda de morrer! E tem um hábito muito engraçadinho de pairar à frente das inflorescências e fitá-las como se estivesse escolhendo em qual delas posar. Mais engraçado, ainda, é quando uma das abelhinhas me vê, fica pairando a poucos palmos do meu nariz, como se perguntando se o que ela vê a sua frente é real mesmo ou se é miragem. Miragem?! Talvez fruto de uma possível embriaguez por excesso de néctar.”