Brasil das Águas
10 de dezembro de 2004Margi e Gérard Moss percorreram 110 mil km, coletaram mais de mil amostras e promoveram exames completos das águas interiores do Brasil O que é o projeto “Brasil das Águas”O projeto utiliza um avião anfíbio, transformado em laboratório aéreo, para realizar um levantamento inédito sobre a qualidade das nossas águas doces. O Brasil possui 12%… Ver artigo
Margi e Gérard Moss percorreram 110 mil km, coletaram mais de mil amostras e promoveram exames completos das águas interiores do Brasil
O que é o projeto “Brasil das Águas”
O projeto utiliza um avião anfíbio, transformado em laboratório aéreo, para realizar um levantamento inédito sobre a qualidade das nossas águas doces. O Brasil possui 12% de toda a água doce do planeta. Segundo Grard Moss, somente um avião poderia alcançar os cantos mais distantes do território nacional para coletar amostras de água e tornar possível a realização de um estudo tão abrangente dentro de um período de pouco mais de um ano.
O projeto começou em outubro de 2003. Mais de mil amostras foram coletadas em vôos que até agora totalizam aproximadamente 110.000 km, uma distância equivalente a mais de duas voltas do nosso planeta pela linha do equador. Todas as regiões hidrográficas do país foram analisadas pelo projeto. Os resultados finais vão ser apresentados à diretoria da ANA em 12 de dezembro.
Resultados
Há um mutirão de pesquisadores engajados no projeto. Várias universidades – UFRJ, USP, UFV (Viçosa), UFF (Fluminense) estão analisando as amostras em busca de informações diferentes segundo a especialidade de cada uma. O parecer final e comparativo sobre os resultados dessas análises será dado pelo limnólogo professor José Galizia Tundisi e ficará pronto em meados do ano que vem.
Conscientização
Segundo Margi Moss, que acompanha o piloto como fotógrafa da expedição e como responsável pelo manuseio das amostras, além da pesquisa sobre a qualidade das águas brasileiras, o projeto objetiva sempre conscientizar a população para os problemas relacionados à água, sua preservação e uso racional. “Nosso objetivo é interagir não somente com o meio acadêmico mas também com o público em geral” (Veja sua entrevista na página seguinte).
Através do site também é possível acessar fotos, acompanhar o diário e obter informações completas sobre a pesquisa. A seção “Salvem Nossas Águas” abre um canal direto com o usuário, publicando as mensagens e apelos enviados por todas as camadas da população brasileira, preocupadas com a saúde das águas de suas regiões. Com material especial dirigido aos jovens, a “Página das Escolas” foi criada para atender a estudantes e professores que estudam a escassez de água no mundo.
MARGI MOSS – Entrevista
“A vida continua e a nossa vontade de buscar caminhos para ajudar a preservar nossos recursos naturais também continua cada vez mais forte”.
Folha do Meio – O Brasil está cuidando bem deste patrimônio fantástico que é sua grande reserva de água doce?
Margi – Gostaria de dizer que sim. De um lado, tem pessoas, tem cidades, tem empresas, tem institutos, universidades e ONGs, tem a ANA, todos tentando cuidar desse patrimônio. Do outro lado, tem pessoas, municípios, indústrias e fazendeiros que não se importam com nada. Não ligam para essa riqueza fantástica. As cidades que tratam o esgoto no Brasil são muito poucas. Basta descer às margens de qualquer rio para ter uma visão de tristeza: lixo, saco plástico, garrafas PET, latas de cerveja. Só não se vê baterias e pilhas porque não bóiam. Uma tristeza! Isso no Brasil inteiro. Na Amazônia, os grandes rios são tão grandes e as águas tão abundantes que os rios são tratados como verdadeiras lixeiras que leva tudo embora… No Sul e Sudeste, também, os rios são os grandes receptores de esgoto e lixo. E isso não é só no Brasil, tem lugar no mundo que é ainda pior. Mas não podemos perder a esperança. Temos que ir à luta e fazer como aquelas pouquíssimas cidades que tratam o esgoto e o lixo como, por exemplo, Brasília, Araçatuba-SP e Cachoeira de Itapemirim-ES. São poucas comunidades que se organizaram em mutirões de limpeza para que nossas águas doces continuem ‘doces’ e não amargamente intragáveis.
FMA – Qual será o produto final do projeto?
Margi – Primeiro, será um mapeamento completo, agora em 2004, das condições das nossas águas interiores. Do Oiapoque ao Chuí, da Paraíba ao Acre, tudo coletado e medido usando os mesmos parâmetros. Sabemos muito bem que isso não é uma palavra final sobre o assunto, até porque somente passamos uma vez por cada ponto. Mas a diferença é a abrangência do projeto e a inclusão de rios e lagos remotos.
O professor José Galizia Tundisi é uma autoridade em recursos hídricos e está envolvido no projeto desde o início. Ele vai escrever o parecer final e coletar os dados analisados pelos vários pesquisadores num livro especializado, de teor técnico e científico. Todos os pesquisadores vão participar desse livro.
Além disso, pretendemos publicar um livro fotográfico. Como todo o projeto, que é patrocinado pela Petrobras e Eletrobras, vamos mostrar a abundância e a beleza das nossas águas. A publicação será acompanhada de um DVD, é claro. Captamos imagens lindíssimas. As pessoas vão perceber a grandiosidade e a maravilha que foi realizar este trabalho. Além de entender melhor como funcionava o sistema de captação de amostras, as pessoas vão se sentir viajando conosco na cabine do hidroavião.
FMA – Como as escolas, prefeituras e instituições terão acesso a essas publicações?
Margi – Para falar a verdade, ainda não sei como, até mesmo porque ainda não decidimos nem o formato do livro. O fato é que temos interesse que esse trabalho, pela sua importância e pela sua beleza, não fique longe do alcance da população brasileira. Até mesmo os patrocinadores do projeto terão interesse em distribuí-lo e torná-lo acessível ao maior número de escolas, de tomadores de decisão e de formadores de opinião de todos os cantos do Brasil. Não é um trabalho para ficar na gaveta e, tenho certeza, não ficará na gaveta.
FMA – Qual foi o momento mais emocionante desta epopéia?
Margi – Silvestre, é impossível responder essa pergunta… Foram tantos! Foi uma experiência fantástica para os olhos e para o coração. Imagina você ver aquele bando de botos cor-de-rosa nos rios amazônicos dando um show de alegria. Olha, é de emocionar. Lembro muito bem, e é uma imagem que não sai de minha retina, quando vi um boto cor-de-rosa na foz de um afluente do alto Tocantins. Na hora eu pensei, o que acontece com os botos quando fecham os rios com grandes barragens? Isto porque o boto estava rio acima das obras de mais uma hidroelétrica [do Peixe] nesse rio maravilhoso. Tive a impressão que na sua ingenuidade animal o boto nem podia imaginar que estava numa prisão, a espera de uma sentença de morte. Suponho que botos não gostam de águas paradas e eutróficas. Então é uma grande alegria vê-los livres e soltos pelas águas da Amazônia.
FMA – E qual o próximo projeto?
Margi – Ah, ainda não posso contar por vários motivos, inclusive porque estamos estudando. Mas garanto que esse projeto Brasil das Águas não termina aqui. Nem poderia! Ele é muito maior, ele precisa de ter continuidade. Só a organização dos resultados finais, a tabulação da pesquisa e a própria confecção do livro e do DVD já é outra aventura. É muito complexo.
Mas a vida continua e a nossa vontade de buscar caminhos para ajudar a preservar nossos recursos naturais também continua cada vez mais forte.
Uma tribo indígena às margens do rio Cururu-ri, no Pará,
ao sul do encontro do rio Teles Pires com o Juruena,
que formam o rio Tapajós.
Desastre, dor e tristeza
Nem tudo são flores numa aventura como essa. No dia 11 de novembro o casal Moss sofreu uma terrível dor. Perderam três amigos que documentavam os trabalhos do projeto no arquipélago das Anavilhanas. Um acidente, a 80km Manaus com um hidroavião Cessna 185, tirou a vida do piloto Paulo Miranda Correia, do fotógrafo Nicolas Reynard e do jornalista Joël Donnet. As reportagens sobre o Brasil das Águas eram para três revistas francesas: Paris Match, Terre Sauvage e National Geographic.
As duas aeronaves (de Gérard e dos franceses) decolaram de Manaus às 7h30 e o Cessna acompanhava o vôo do Talha-Mar. Segundo Gérard, no momento do acidente, o Talha-Mar voava um pouco à frente do Cessna, mantendo contato permanente pelo rádio. Gérard percebeu que, a partir de um determinado momento, o piloto Paulo Miranda não respondia mais.
Gérard e Margi retornaram. Encontraram o avião na água com os flutuadores para cima e a cabine submersa. Um barco já se aproximava do local para prestar socorro. Gérard pousou e foi a nado até o avião. Realizou repetidos mergulhos na tentativa de resgatar os ocupantes do Cessna. A fuselagem estava submersa verticalmente, bastante destroçada, abaixo dos flutuadores. O Cessna tinha a cauda para cima e a cabine nas profundezas. Gérard não teve êxito em chegar à cabine. Além do piloto Paulo Miranda Correia, morreram o fotógrafo Nicolas Reynard e o jornalista Joël Donnet.
Nicolas Reynard trabalhava para a National Geographic e já havia realizado várias reportagens sobre a Amazônia. Ele amava profundamente o Brasil. Uma semana antes havia ficado noivo de Maria Bittencourt, uma maranhense que vive em Manaus. As fotos aéreas que ele estava tirando do Talha-Mar sobrevoando as Anavilhanas eram para fechar a reportagem.
Joël Donnet chegara dois dias antes e era sua primeira visita ao Brasil. Ele era um jornalista muito bem preparado. Na véspera havia feito uma longa entrevista com Margi e Gerard Moss, em Manaus.
Patrocinadores
O patrocínio master é da Petrobras e o co-patrocínio
da Embratel. O projeto tem, ainda, parcerias com a ANA, a CVRD, a Rede Globo e a Chubb Seguros.
Mais informações – www.brasildasaguas.com.br