Degradação ambiental no Rio de Janeiro

Escândalo da Feema

10 de dezembro de 2004

Caso de corrupção no setor de combustíveis não é único. Há muitos outros

Em 1998, o então candidato ao governo do Rio de Janeiro, Antony Garotinho, parecia empenhado em melhorar a situação ambiental do Estado. Convidou o professor Elmo da Silva Amador, da UFRJ e ex-diretor da FEEMA, considerado o maior especialista em Baía da Guanabara, para coordenador o seu programa de governo na área ambiental. Garotinho foi eleito. A pessoa mais cotada para assumir a Secretaria de Meio Ambiente era o professor Amador. Na época, ele recebeu apoio das  entidades ambientais. Se o competente professor Elmo Amador servia para a campanha política, com o objetivo de conseguir mais votos, infelizmente ele não serviria para o governo. Por quê? Simples, porque por pressões dos grandes grupos econômicos ele seria muito duro, intransigente e então… o governador eleito não o convidou para o cargo. Assim, a reestruturação dos órgãos ambientais não aconteceu, a deterioração aumentou, a corrupção se alastrou e as denúncias também. Deu no que deu.
Em 2003, assume o governo do estado  Rosinha Garotinho. Novas promessas. Criou a secretaria  de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano. Ela nomeia Luis Paulo Conde, o vice-governador, para pasta. Parecia que o meio ambiente seria fortalecido. Ledo engano. Na prática, o meio ambiente virou secretaria de obras, como denunciam os ambientalistas. Chegou ao ponto de os recursos do FECAM –  Fundo Estadual de Controle Ambiental (fundo que recebe recursos de royalties do petróleo e de multas)  serem canalizados para obras impactantes e o licenciamento imobiliário começou a contrariar a legislação ambiental.
Bomba prestes a explodir
Antes de estourar esse escândalo de corrupção no setor de combustíveis e no licenciamento fraudulento de postos de gasolina, o Ministério Publico  federal já havia denunciado a FEEMA por concessão  irregular de outras licenças ambientais. A ex-presidente do órgão e atual secretária estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, Isaura Fraga, foi denunciada  pela procuradora  Fabiana Rodrigues de Souza, por improbidade administrativa e crime ambiental por ter dado licença para construção do Hotel Meliá, de Angra dos Reis. O hotel seria erguido sobre  um grande aterro sobre o mar. Depois de o MP conseguir sustar  a obra, João Fortes Engenharia, responsável pelo empreendimento, consegui uma segunda licença, mais uma vez dada pela então presidente da FEEMA, Isaura Fraga, o que foi  amplamente divulgado pelos ambientalistas, além de outras irregularidades.
Quando Luis Paulo Conde teve que deixar a Secretaria de Meio Ambiente para ser candidato à prefeitura do Rio de Janeiro e Isaura Fraga assumiu o lugar dele, essas investigações da operação “Poeira no Asfalto”, da máfia dos combustíveis, já  estavam  sendo feitas há mais de um ano, pela polícia federal. As gravações dos diálogos monitorados e os documentos comprovaram o esquema de corrupção, e que chegou  à cúpula FEEMA. Assim, em novembro, a governadora Rosinha Garotinho teve que exonerar a vice-presidente do órgão, Tânia  Maria Parucker  Araújo Penna, a coordenadora das agências regionais, Glória Maria Alvares Nery e dois funcionários de carreira.


Elmo Amador – ENTREVISTA


Elmo Amador, 61 anos, relutou a falar  do assunto, que conhece bem, mas lhe faz mal. Anda doente e está aposentado. Mas, não deixa de  acompanhar tudo que acontece na área ambiental. Os amigos mandam-lhe as
novidades pela internet e quando aparece nos
lançamentos é sempre
reverenciado. Em sua casa, sob protesto de sua esposa Zumira Bittencourt Amador, para não expô-lo ao perigo, porque no Rio de Janeiro, denunciante, às vezes, vira  réu, ele concedeu essa entrevista exclusiva à Folha do Meio Ambiente.  Sem acusar ninguém, fazendo críticas estruturais, o professor Amador deixou claro que esse escândalo de corrupção na FEEMA, que veio à tona, agora, com
licenciamento fraudulento de postos de gasolina é apenas a ponta de um grande iceberg. Ele espera que os grandes corruptores, empresários ou grupos econômicos, sejam também punidos. Na opinião dele, o cerne do problema é o sucateamento total dos órgãos ambientais.


Folha do Meio –  Porque o senhor diz que esse escândalo de corrupção na FEEMA, que veio à tona agora com o licenciamento fraudulento de postos de gasolinas, é apenas a ponta de um grande iceberg?
Amador – Na verdade existem indícios muito fortes em diversas outras atividades tais como das mineradoras, empreendimentos imobiliários, atividades industriais e até o  Termo de Compromisso está sendo usado como máquina para empresas  fortalecerem seus caixas.
Os ambientalistas têm denunciado irregularidades nos licenciamentos da Termoelétrica de Itaguaí, no conjunto Habitacional Sepetiba II, no empreendimento Meliá, em Angra dos Reis, entre outros, como favorecimento explícito em detrimento do meio ambiente. Essas irregularidades  envolveram diretamente a então presidente da FEEMA e atual secretária do Meio Ambiente, Isaura Fraga.


FMA – O senhor acredita que esse escândalo atinge os grandes corruptores?
Amador – É muito difícil. Os grandes corruptores,  empresários ou governantes, que querem ganhar a qualquer custo mesmo agredindo o meio ambiente, dificilmente são punidos. Normalmente, são punidos os pequenos funcionários, de baixo escalão. Agora, nesse escândalo específico, pode ser que os altos escalões sejam atingidos. Eles são os grandes corrompidos.


?Há conivência e muita omissão?


FMA – O quê melhorou com a “Lei de Crimes Ambientais” a 9605/98?
Amador – Essa Lei foi muito festejada pelos ambientalistas, mas gerou novas formas de irregularidades, sofisticando o esquema de corrupção. No Rio, por exemplo, possibilitou o aparecimento de consultorias e auditorias conduzidas por ex-funcionários graduados da própria FEEMA e de outros órgãos ambientais.


FMA – O quê levou a sofisticação desse esquema de corrupção?
Amador – Há  fatores estruturais, dos quais não quero me pronunciar. Mas há um fator muito importante a ressaltar: o sucateamento dos órgãos  ambientais, em particular a FEEMA. A falta de interesse político, o aviltamento salarial, a falta de perspectiva, a desvalorização profissional, a falta de planos de carreira, de renovação de funcionários por concursos públicos, tudo isso contribuiu para o sucateamento do órgão. Com isso, a FEEMA desfigurou e as outras instituições também, principalmente, com admissões no quadro técnico de pessoas estranhas às  atividades, normalmente apadrinhadas. Aí, os abnegados ficam até doentes,  sem esperança de executar o seu trabalho com dignidade.


FMA – Professor, e qual a solução?
Amador – Lutar contra a impunidade, fazer uma radiografia completa desse quadro de corrupção e uma reestruturação total dos órgãos ambientais com abertura de concursos públicos para renovação.


FMA – E o Programa de Despoluição da Baia da Guanabara também foi atingido por esse esquema de corrupção?
Amador – A corrupção, apesar de fortes indícios, não foi comprovada pela CPI. Revelaram irregularidades, aditamentos sucessivos, encarecendo a obra. Politicamente, ele  foi usado de forma irresponsável, creditando uma importância muito maior, como redenção da Baia, em todos os governos. Mas, no governo  Garotinho a situação piorou, quando houve uma interrupção do Programa, em virtude da falta do desembolso da contrapartida  do Estado, acarretando atraso do PDBG. Hoje há estações de tratamento de esgoto prontas não beneficiando a população.


FMA – Até que ponto  esse esquema de corrupção atinge a coração do governo?
Amador – O executivo estadual tem responsabilidade nesse quadro de corrupção, porque as pessoas denunciadas tanto pelo Ministério Público como pelos ambientalistas foram conduzidas  a cargos de direção por ele. E vem sendo  denunciadas há muito tempo. Há conivência e muita omissão.
 
FMA – Qual a responsabilidade do Legislativo nesse quadro de corrupção?
Amador – Ah…. vocês querem me matar. Não posso responder, porque não posso provar judicialmente. Mas se quiserem mesmo saber é só ler o Zuenir Ventura, “Exceção ou Regra”, na página 7 de O Globo, 13 de novembro, onde há descrição do esquema de corrupção na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Zuenir explicou tudo. Falou da evolução patrimonial de 27 deputados que chegou a 735%… Disse quem era o chefe da máfia dos combustíveis, um assessor parlamentar, e sua relação com algumas estrelas do Legislativo. E conclui brilhantemente dizendo que uma das razões para a má vontade generalizada com os políticos é, não por acaso, a idéia de que ou são corruptos ou legislam em causa própria ou se protegem corporativamente ou são tudo isso ao mesmo tempo. (ZF)


“Os grandes corruptores, empresários ou governantes, dificilmente são
punidos. Punidos são apenas os funcionários do baixo escalão”