Dorothy Stang

Bandidos calam mais uma voz da floresta

23 de fevereiro de 2005

Dorothy Stang é assassinada no Travessão do Santana, município de Anapu – Pará

Dorothy Stang, o Anjo da Floresta
“Dorothy Stang teve seu corpo
plantado e não sepultado. É semente.”


Silvestre Gorgulho,  de Brasília


Dorothy Stang era uma missionária amada e odiada. Para os pobres e os oprimidos ela era uma verdadeira santa. Para os madeireiros, os grileiros de terra e os contrabandistas de mogno ela era o satanás.
– Sou uma velha. Recebo muitas ameaças de morte. Mas os pistoleiros não vão ter coragem de matar uma velha como eu.
A missionária Dorothy Stang subestimou a ação dos madeireiros e a coragem dos pistoleiros. Há mais de 30 anos, ela vivia na região Transamazônica, onde dedicou mais da metade de sua vida a defender os direitos de trabalhadores rurais contra os interesses dos grileiros da região. Desde 1972, ela trabalhava com as comunidades rurais pelo direito à terra e por um desenvolvimento sem destruição da floresta.
– Sei que eles querem me matar, mas não vou fugir. Meu lugar é aqui, ao lado dessas pessoas constantemente humilhadas por gente que se considera poderosa.
Nos últimos 12 meses, o Ministério Público enviou 10 representações sobre ameaças contra irmã Dorothy para o Secretário Especial de Defesa Social, Manoel Santino Nascimento. Pedia medidas para garantir a integridade física dos ameaçados. Para Paulo Adário, coordenador da campanha da Amazônia do Greenpeace, mesmo sabendo dos riscos que ela corria, o governo do Pará não tomou uma medida para garantir sua segurança. “É inaceitável que os marginais continuem imperando na Amazônia, silenciando a voz daqueles que defendem a preservação e os povos da floresta contra os interesses de grileiros, madeireiros e fazendeiros que operam ilegalmente na região” alertou o militante do Greenpeace.
Mas, tranqüila como se continuasse morando em sua terra natal, nos Estados Unidos, a irmã Dorothy continuou trabalhando intensamente na tentativa de minimizar os conflitos fundiários dentro de um verdadeiro barril de pólvora que é a região de Anapu. Por buscar a justiça social e por defender os mais fracos, ela era sempre acusada pelos grileiros de instigar a violência no município. As ameaças de morte continuavam. Sua luta pela preservação da Amazônia não parava. Chegou a fazer denúncias pela participação de policiais civis e militares na expulsão de trabalhadores a mando de fazendeiros e grileiros da região.
– Nosso povo anda angustiado com a demora do Incra na marcação dos lotes. Os fazendeiros e os madeireiros estão com vários pistoleiros espalhados por aí, que invadem lotes, apontam armas e ameaçam matar o nosso povo, tudo na frente de crianças.
Quando alguém chegava para a missionária e pedia para ter mais cautela, ela dizia que cumpria uma missão. Não tinha medo de morrer.
– Prefiro falar de vida, não de morte. Eu acredito em Deus e sei que Ele está comigo. O povo sonha com uma vida melhor com o Projeto de Desenvolvimento Social de Anapu. Não tenho tempo de pensar em coisa ruim. Mas, se eles me matarem, eu gostaria de ser enterrada em Anapu, junto daquele povo humilde. Para mim, nada substitui a alegria de ver o nosso povo feliz.
A irmã Dorothy Stang não sabe se todos os seus sonhos, um dia, serão realizados. Mas, um de seus desejos, já foi atendido: ser enterrada às margens do rio Anapu, afluente do rio Xingu. Na Chácara São Rafael, onde ela desenvolvia um projeto de educação ambiental. No seu túmulo foi plantada uma muda de mogno, árvore símbolo do comércio e da cobiça dos madeireiros na Amazônia.
“O corpo de Dorothy é semente. Não foi enterrado. Foi plantado e dará muitas flores e frutos”, discursou emocionada uma colega de Congressão. Enquanto isso o senador Eduardo Suplicy surpreendia a multidão, cantando em voz alta, a canção de Bob Dylan “Blowying in the Wind” (Soprando ao Vento).
Que  os ventos soprem mais tolerância e menos ganância por sobre terras brasileiras. E anunciem um tempo de paz. Muita paz!


Dorothy Stang andava quilômetros e quilômetros no meio da mata ensinando os trabalhaores a cuidarem melhor dos seus filhos e a tirar o sustento da floresta sem destruí-la


 


Ousadia e fé
Visita aos assassinos


A freira Dorothy Stang sempre foi uma mulher especial e ousada. Deixou o conforto de sua terra, nos Estados Unidos, e entrou para a ordem das Irmãs de Notre Dame de Namur. Veio trabalhar na Transamazônica para lutar pelos direitos dos trabalhadores rurais e defender a floresta. Sabia que corria risco de vida. Mas sua ousadia brotava da fé e por acreditar no ser humano. Tanto que, num gesto de extrema coragem e de condescendência, Dorothy visitou seus assassinos na véspera de ser morta.
Informada de que sua morte estava encomendada, ela foi à cabana onde estavam escondidos os dois pistoleiros, no dia 11 de fevereiro. Com sorrisos e palavras amenas, ela tentou demovê-los da empreitada. Pediu para rezar um salmo. Abençoou-os e passou a mão na cabeça dos dois assassinos.
Os pistoleiros ficaram atônitos com a visita e não tiveram nenhum gesto agressivo. Até agradeceram. Chegaram a perguntar a ela o local da reunião que faria na manhã de sábado (12) com um grupo de assentados.
Às 8h da manhã de sábado, os mesmos homens aproximaram-se da irmã Dorothy e a assassinaram friamente, na presença de duas testemunhas.


Últimos momentos de Dorothy Stang


O diálogo entre os assassinos e a missionária, na manhã do dia 12 de fevereiro, foi rápido. Após render Dorothy Stang, os bandidos perguntaram:
– Tem alguma arma?
– A única arma que tenho é a Bíblia…
E a freira passou a ler trechos da Bíblia, quando recebeu seis tiros a queima-roupa.


A multidão portando faixas, cantando e rezando levou o corpo de Dorothy Stang para beira do rio Anapu, onde a freira tinha uma fundação que funciona na Chácara São Rafael.
Nesta fundação irmã Dorothy desenvolvia um projeto de educação ambiental para as agricultoras da região.
O Projeto de Desenvolvimento Sustentado Esperança, em Anapu,
agora mudou de nome. Passou a se chamar Projeto Dorothy Stang


Jornalista ÉLIO GÁSPARI (16/02) em O Globo  e  Folha de S. Paulo


“Lula foi rápido na turbina. Soube do assassinato, tomou o avião e desembarcou no enterro. Foi no de Chico Mendes, em 1988. Marcou sua valente presença oposicionista no velório do herói da floresta. Feito governo, o companheiro liberou áreas extrativas para os madeireiros e ocupa sua agenda cultivando a figura de oposicionista da ordem mundial. Uma espécie de petista global. O Brasil teria ficado melhor com Lula no enterro da Irmã Dorothy Stang”. (…)


“O crime de Anapu colocou no tabuleiro um ingrediente ingênuo e revelador: a relação entre a anarquia fundiária e ecológica da Amazônia e a soberania nacional”. (…)


“Se Lula perdesse menos tempo fazendo oposição internacional a não-se-sabe-quem, turbinando Hugo Chávez e conhecendo a Guiana, talvez pudesse se dedicar à gerência da soberania nacional na Amazônia. É para a Amazônia que a morte de Irmã Dorothy pede atenção”.


Embaixador das EUA, John Danilovich


“Estou entristecido e chocado com esse assassinato brutal e insano. A irmã Stang era uma pessoa corajosa que amava o povo brasileiro e que dedicou sua vida ao serviço daqueles menos favorecidos. Eu compartilho do sentimento de
ultraje pela morte de Stang com sua família, sua ordem e
seus amigos no Brasil”.


  Paulo Adário, coordenador do Greenpeace Amazônia


“O governo precisa estar presente na Amazônia e dar um basta nesta matança que caracteriza a região como uma terra onde impera a lei do mais forte e não as leis do Estado. Não podemos aceitar mais mártires na Amazônia. Também não aceitamos nem mais uma gota de sangue no chão da floresta”.