Governo promete R$ 5 mi para pesquisas
21 de março de 2005A aprovação da lei da biossegurança centraliza novamente na CTNBio os poderes de regular e autorizar a pesquisa com transgênicos no Brasil
Longo prazo
Apesar da euforia que tomou conta da comunidade científica e de parcela do Congresso – na Câmara, 352 deputados votaram a favor do projeto e apenas 60 contra – os especialistas advertem que a simples aprovação da lei não significa que, a partir de agora, haverá cura para todas as doenças.
Os mais otimistas acham que levará um mínimo de cinco anos até o desenvolvimento dos primeiros tratamentos, e os mais pessimistas sustentam que será preciso esperar pelo menos 50 anos. A segurança e a eficácia são os requisitos indispensáveis à utilização generalizada das células-tronco embrionárias, e durante algum tempo os experimentos serão limitados aos animais.
A técnica a ser utilizada no Brasil é praticamente a mesma já desenvolvida nos Estados Unidos, na Europa, no Japão, na Austrália, no Canadá e em Israel: serão utilizadas linhagens derivadas de embriões “sobressalentes” das clínicas de fertilidade e doadas para pesquisa.
A transformação das células-tronco embrionárias em futuras opções de terapia, autorizada pela lei da biossegurança, não acarretará maiores problemas técnicos aos cientistas brasileiros, que utilizarão praticamente a mesma instrumentação de laboratório e os mesmos métodos de cultivo que eles já usam.
Embora a lei de biossegurança não permita a clonagem terapêutica, que resulta na obtenção de células-tronco embrionárias do próprio paciente para evitar a rejeição, já que um embrião clonado teria as mesmas características genéticas do embrião tido como original, os cientistas que se dedicam à clonagem de animais acreditam que poderão colaborar no esforço de pesquisa, transmitindo seus conhecimentos a respeito da matéria.
Um desses cientistas é Rodolfo Rumpf, da Embrapa, considerado o “pai” da vaca Vitória, o primeiro clone brasileiro de um mamífero, nascida em março de 2001. A célula que emprestou ao animal copiado seu material genético, veio de um embrião de cinco dias de vida.
Destravando as pesquisas
Na área agrícola também se espera um destravamento das pesquisas, em conseqüência da lei de biossegurança. Em Santo Antônio de Goiás, nos arredores de Goiânia, a Embrapa plantou, numa área de 625 metros quadrados, 3.750 sementes de feijão transgênico, teoricamente resistente à praga do mosaico dourado, que freqüentemente devasta as plantações de pequenos agricultores na safra do início do ano. O trabalho está sendo conduzido pelo agrônomo Josias Farias, de 54 anos, doutor em fitopatologia pela Universidade de Wisconsin.
A aprovação da lei da biossegurança, que centraliza novamente na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) os poderes de regular e autorizar a pesquisa com transgênicos no Brasil, abriu espaço sobretudo para os cientistas de biotecnologia da Embrapa e de centros de referência como o Departamento de Genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo – USP, em Piracicaba.
Um dos cientistas da Esalq, Carlos Labate, desenvolve uma pesquisa sobre uma variedade de eucalipto transgênico com biomassa ampliada, em um projeto com a Suzano Bahia Sul Papel e Celulose.
Os cientistas mais realistas, contudo, advertem que apesar da nova legislação ter substituído o caos legal e regulatório que prevaleceu desde 1998, o conflito ideológico ainda vai persistir, agora alimentado pelos ressentimentos dos que perderam a batalha na Câmara dos Deputados.
Muitos temem a interferência política do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) nas deliberações técnicas da CTNBio. O CNBS, vinculado à Presidência da República, será composto por 11 ministros e terá o poder final de decisão sobre o uso comercial dos transgênicos.
Mencionam, por exemplo, que o feijão transgênico da Embrapa é uma das pesquisas em biotecnologia que se arrastam em ritmo lento desde 1998, quando uma sentença judicial contra a pesquisa com a soja transgênica desestimulou os pesquisadores do feijão.
Desde o ano 2000 a Embrapa já estava em fase avançada de desenvolvimento de variantes transgênicas resistentes a diferentes tipos de pragas causadas por vírus no feijão, mamão e batata. Com o episódio da soja, essas pesquisas foram praticamente desaceleradas, e agora terão a oportunidade se serem retomadas com mais celeridade e menos burocracia.
Batalha perdida, guerra ainda não
Os adversários dos transgênicos e das células-tronco, que confiavam na posição a eles favorável do presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcante, não contavam com a eficácia da mobilização a favor da aprovação do projeto da lei da biossegurança, conforme o texto votado pelo Senado.
A real ocupação de todos os espaços da Câmara por centenas de acidentados em suas cadeiras de roda, e as pressões diretas exercidas sobre Severino comandadas por sua própria filha, a deputada estadual Ana Cavalcante, sensibilizaram os deputados e surpreenderam as lideranças ambientalistas no Congresso e no Executivo e as ONGs, que não esperavam uma votação tão expressiva em favor do projeto.
Perderam a batalha, mas garantem que ainda não perderam a guerra. O Greenpeace planeja destinar ao Brasil, este ano, 30% da verba mundial da campanha contra os transgênicos que a ONG desenvolve no mundo todo. São cerca de 450 mil euros, ou 1,3 milhão de reais.
Na esfera governamental, a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, tenta absorver a derrota sofrida no Congresso. Com os 60 votos dados contra o projeto da biossegurança, nem a bancada do PT, formada por 91 deputados, apoiou a ministra.