Parque Nacional Grande Sertão Veredas

O bioma da natureza, da literatura e da cultura

19 de abril de 2005

O Sertão Veredas faz 16 anos e teve papel importante na contenção dos desmatamentos e das carvoarias

O nome é uma homenagem ao livro mais famoso de Guimarães Rosa, que eternizou o Cerrado e sua gente em suas histórias. No Parque, além das veredas e do encontro do Rio Preto com o Carinhanha, estão o ‘Liso do Sussuarão’ e o ‘Paredão’, também descritos no romance. O Grande Sertão preserva um ecossistema de Cerrado, rico em espécies medicinais. Foram catalogadas no Parque 623 espécies de plantas. O Cerrado é uma denominação bem brasileira para a savana e essa formação ocorre em todas as regiões tropicais do planeta – tem dois estratos: um composto por pequenas árvores espaçadas com caules tortuosos e cascas espessas e outro formado por gramíneas e arbustos. Ocorria em todo o Planalto Central e hoje, com o avanço das áreas agrícolas, restringe-se às Unidades de Conservação e algumas pastagens de gado.
O buriti é uma palmeira muito representativa do Cerrado e alcança até 30m de altura. Ocorre ao longo dos cursos d’água, nas chamadas veredas. Chegam a formar filas de vários quilômetros, em meio às pastagens naturais de gramíneas e pequenas árvores retorcidas.  Os buritizais ou veredas de buritis  são importante fonte de alimento para a fauna, atraindo as araras, que apreciam sua polpa alaranjada. Os frutos são também consumidos pelos habitantes sob forma de doces, óleos, sucos e vinhos. Ocorrem em tamanha concentração que chegam a ser detectados por imagens de satélites.
Ocorrem também no Parque árvores de porte alto, como o barbatimão, a sucupira, o pau-terra, o jatobá e o pequi. Emas e siriemas podem ser avistadas facilmente. A arara-canindé, a coruja-buraqueira, o tucano e o pica-pau-do-cerrado ocorrem com freqüência.  O tatu-canastra, o veado-campeiro, o gato-palheiro, o tamanduá-bandeira, a onça-pintada, o lobo-guará e a suçuarana, alguns ameaçados de extinção e outras mais de meia centena de espécies de mamíferos encontram no Parque sob relativa proteção.
Desde a criação do Parque, o Ibama e a Funatura estabeleceram acordos de cooperação para sua gestão, que é financiada por ONGs e fundações internacionais. O Grande Sertão Veredas é o único projeto brasileiro beneficiado até hoje pelo Programa de Conservação da Dívida Externa para Fins Ambientais.  A ONG norte-americana The Nature Conservancy  – TNC comprou títulos da dívida externa brasileira no mercado internacional e repassa parte dos juros mensalmente à Funatura. O dinheiro é investido na proteção, conservação e fiscalização do Parque, no desenvolvimento sustentável do entorno, na conscientização da população local sobre a importância do Parque e na busca de soluções para os problemas fundiários. A TNC tem outros parceiros na América Latina. No Brasil, atua nos biomas Pantanal, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga e Amazônia.
Mais informações: www.ibama / www.funatura.org.br / www.philips.com/social  (Guia Philips Parques Nacionais)
Dados do Parque
Área: 231.000 hectares
Altitude: 1.100 a 1.700 m
Criação: abril de 1989
Ecossistema: campos de Cerrado, campos de altitude e matas de galeria.  
Localização: extremo Noroeste de Minas e extremo Sudoeste da Bahia.
Sede do Parque: Rua Guimarães Rosa, 149 – Cep: 39314-000  – CHAPADA GAÚCHA – MG
Tel/Fax: (38) 3634 11 32
Coordenadas da Sede: -15º 17′ 44″  e  -45º 37′ 47″ (23L  432370 e 8308830)
Distâncias:
De João Pinheiro: 300 km (por Arinos)
De Januária: 165 km de estrada de terra
De Montes Claros (por São Francisco): 290 km
De Unaí: 215 km. (Os 90 km de Arinos à Chapada Gaúcha são de terra)


Viagem poética ao sertão roseano
João Guimarães Rosa e o Grande Sertão Veredas: o livro, o parque e outras coisas…


Acima, o mapa mostrando todo percurso feito (em vermelho pontilhado) pelo geógrafo Marcus Vinicius Andrade e pela fotógrafa Cuia Guimarães


Cuia Guimarães e Marcus Vinicius Andrade
[email protected]  
À vã saímos para o sertão, compartilhando uma profunda admiração pela literatura roseana, pela paisagem e personagens descritos em suas obras. Munidos de máquinas fotográficas, mapas, GPS, alegria, coragem e alimentados pela descrição geográfica do Grande Sertão Veredas, traçamos nosso roteiro. Iniciamos nossa viagem para o noroeste mineiro partindo rumo a Paracatu. Passamos por Andrequicé nos acontecimentos festivos em comemoração ao centenário de nascimento do Manuelzão, pedimos benção, e rompemos viagem.Nesse percurso, já vimos as primeiras veredas e à nossa direita o Morro da Garça solitário, escaleno e escuro feito uma pirâmide.


A exuberância da
Chapada Gaúcha


No chamado Buracão está a nascente do Rio Pardo,
município de  Chapada Gaúcha


“E os enormes buritis que arregaçavam sobre verdes palmas a velha barriga de cachos de cocos…”.


Tivemos a honrosa oportunidade de conhecer os últimos moradores daquela região e nos deliciarmos com as estórias de um passado de grande movimento de gado, de tropas, das onças, dos bichos, das frutas e remédios das plantas…  A casa de “seu” Ladu ainda conserva a capela de São Domingos e os currais de troncos.
 A casa,  típica da região, com largas varandas rodeando toda a parte externa e coberta com palha de buriti. “Seu” Ladu lamenta deixar sua terra, seu universo, segundo ele, “gostaria que os homens de fora, com seus conhecimentos, me desse uma receita, assim como faz o doutor, quando estamos doentes, e me ensinasse uma maneira de poder continuar na  minha terra, sem prejudicar as plantas, a terra e os bichos”.  Com outro morador, à montante do córrego das Areias, saboreamos o  biscoito de goma, saído do forno, no quintal da casa. O Cerrado está preservado da ganância das máquinas agrícolas, mas e o homem? E o Grande Sertão, que o Rosa soube tão bem descrever essa rica sinergia?
A paisagem do patamar da chapada, a 840m de altitude, onde se instalou a cidade de Chapada Gaúcha, é exuberante. No Vão do Buracão, das bordas da chapada, afluem as águas que formam o Rio Pardo, que corre para leste, até o Rio São Francisco. Vertendo para o sul, estão localizadas as cabeceiras do Ribeirão das Areias, da bacia do Urucuia. Nas paredes coloridas e impenetráveis do Vão, araras, maritacas, e outras aves fazem seus ninhos. Dali avista-se uma sucessão de chapadas.


“Como aquela vista reta vai longe, longe, nunca esbarra. Assim eu entrei dentro da minha liberdade. Oi, grita arara…”


Nosso rumo era a Serra das Araras.


“Àquela hora dessas, deve de andar lá por entre o Urucuia e o Pardo… o Hermógenes”.


 Nos detivemos neste trecho, na região dos Buraquinhos, uma comunidade rural, formada de casas espalhadas pelas várzeas do Rio Pardo. O Pardo vem entalhando paredões abruptos de rochas arenosas, de coloração vermelha, ocre e amarela, e formando longas praias.
O  Povoado de Serra das Araras, na base da serra, guarda seu maior patrimônio, a igreja de Santo Antônio. Ali, em junho, tem a tradicional festa do padroeiro, que atrai uma multidão de fiéis e são celebrados centenas de casamentos. O povoado está localizado à margem do Córrego Santa Catarina.
Nossa próxima página seria o distrito de Várzea Bonita, no município de Januária, local de encontro de Antônio Dó e Riobaldo (1). 


“Antonio Dó, eu conheci, certa vez, na Várzea Bonita… Andalécio foi meu bom amigo. Ah! tempo de jagunço tinha mesmo de acabar, cidade acaba com o sertão?”


Antes do destino previsto, passamos pelo povoado de São Joaquim, à beira das águas mansas e claras do córrego da Jabuticaba. Deparamos novamente com o rio Pardo, agora já encorpado e decidido. Nesta localidade, Sumidouro, um refúgio com centenárias árvores, de jatobazeiros, copaíbas, gameleiras, tamboril, o rio passa sob a estrada, em ponte natural, um local aprazível para o descanso de viagem. Mesmo considerando a presença imponente de uma urutu-cruzeiro, que deslizava suavemente pelos galhos das árvores.


Várzea Bonita é bem
como diz o nome


Destaque para a árvore Barriguda já chegando em Januária


O caminho para Várzea Bonita é uma aventura. A estrada é de areia fofa. Só conseguimos romper, graças à ajuda de barraqueiros e peregrinos, já que era véspera do Jubileu de Nossa Senhora de Santana.
Várzea Bonita é bem como diz o nome. Está à margem do rio São Pedro, de águas muito claras, fundo de areia branca e temperatura amena. Suas águas fluem no rio Pandeiros. Em torno da capela de Santana, as casas brancas e baixas formam um grande largo de formato retangular. O movimento era intenso, carros de bois puxavam bambus e folhas do  buriti para a construção das barraquinhas, crianças jogavam bola, soltavam pipas, a carne de sol era preparada nas vendas. Dia de festa. As conversas preenchiam os ares, novidades vinham de todos os lugares.
Nesta mesma tarde, o vento  manso de final de Julho, se transformou num de repente, em concentrada ventania. Em redemoinhos. A ventania veio subindo pela rua, cegando todo mundo com a poeira…


“era o Diabo na rua no meio do redemoinho”.


Tivemos a certeza de estarmos na trilha de Riobaldo.
Acampamos sob frondosa e florida mangueira na fazenda Peri-Peri, de seu Benigno, um sertanejo de pele bronze, cabelos alvos, largo sorriso, muitas estórias e carinhosa hospitalidade. A vereda Peri-Peri está localizada nas proximidades da lagoa da Sussuarana, cabeceira do Rio Pandeiros.


“E seguimos o corgo que tira da lagoa Sussuarana, e que recebe a do jenipapo e a vereda do Vitorino, e que verte no Pandeiros”


A região do Peri-Peri e do vale do São Pedro é habitada por veredeiros. As famílias cultivam as bordas das veredas, no quintal. As casas são de adobe e telhado de folhas de buriti. A tradicional farinheira ocupa outra coberta. As mulheres utilizam a palha do buriti para confeccionar esteiras, chapéus, bolsas. Em nossas andanças e visitas, além da gentileza, sempre nos ofereciam a deliciosa rapa da polpa do buriti.
Foi com pesar que deixamos esses novos e já grandes amigos. Saímos em direção do médio Pandeiros. Ah! nessas paragens até  Diadorim deu o ar da presença! Chegando ao povoado de Pandeiros não resistimos a um belo banho em suas águas.


“O rio Pandeiros, esse tem cachoeiras que cantam e é d’água tão tinto, que papagaio voa por cima e gritam, sem acordo:
– É verde! É azul!
É verde! É verde!”


Depois de refrescar-nos e de saborearmos peixe e feijão com coentro, pegamos o rumo de Januária. A feição da paisagem vai se transformando, surgem as montanhas calcáreas, que mais se assemelham a castelos, ornados por densa mata seca. Destacam-se nessa paisagem, as imponentes e majestosas barrigudas. O velho São Francisco está próximo!
Januária guarda a história em seu casario de elegante arquitetura e na brisa de seu porto, suas outras estórias, no correr do Rio… O inverno, época da seca, é temporada de praia em Januária. A agitação é frenética nos bares da orla. O banho de rio é programa obrigatório, principalmente em dia de sol.


“Cidade: é para se
fazerem princesas…”


É época do sertanejo se entregar ao descanso.


GLOSSÁRIO


Para entender os personagens de Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa,
citados neste texto:


Riobaldo – É o personagem-narrador que conta sua estória a um doutor que nunca aparece. Riobaldo sente dificuldades em narrar, seja por sua precariedade em organizar os fatos, seja por sua dificuldade em entendê-los. Relata sua infância, a breve carreira de professor (de Zé Bebelo), até sua entrada no cangaço (de jagunço Tatarana a chefe Urutu-Branco), estabelecendo-se às margens do São Francisco como um pacato fazendeiro.


Diadorim: é o jagunço Reinaldo, integrante do bando de Joca Ramiro. Esconde sua identidade real (Maria Deodorina) travestindo-se de homem. Sua identidade é descoberta ao final do romance, com sua morte.


AS TRÊS FACES AMOROSAS DE
RIOBALDO:


Vaqueiro na travessia da vereda das Cobras, em Arinos


Nhorinhá: prostituta, representa o amor físico. Seu caráter profano e sensual atrai Riobaldo, mas somente no aspecto carnal.
Otacília: contrária a Nhorinhá, Riobaldo destina a ela o seu amor verdadeiro (sentimental). É constantemente evocada pelo narrador quando este se encontrava desolado e saudoso durante sua vida de jagunço. Recebe a pedra de topázio de “seô Habão”, simbolizando o noivado.
Diadorim: representa o amor impossível, proibido. Ao mesmo tempo em que se mostra bastante sensível com uma bela paisagem, é capaz de matar a sangue frio. É ela que causa grande conflito em Riobaldo, sendo objeto de desejo e repulsa (por conta de sua pseudo identidade).


Passamos ainda por Montes Claros, carregando a gordura de Pequi e o requeijão moreno, até esbarrar na Serra do Espinhaço, já em Diamantina.
As maravilhas do sertão, suas estórias, seus nomes, sua geografia, sua gente… e o roteiro  de  Riobaldo,  estão  sendo organizados. Nosso objetivo é levar as imagens e a riqueza Roseana às escolas das comunidades, distribuir esse tesouro a quem de fato pertence: os guardiões do sertão eterno. Saímos para essa viagem meio Riobaldo e Reinaldo. Aos poucos fomos nos transformando em Tatarana…. Urutu-Branco…Diadorim… e


Maria Bettancourt  Marins – que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar… Viver é muito perigoso.