A sociedade civil

E as ONGs começam a berrar

23 de maio de 2005

Entidades não-governamentais obrigaram governo e empresas privadas a mudar de postura em relação ao meio ambiente


Stepan Bogdan Salej, presidente da FIEMG em 1995, reconhece o trabalho de Hugo Werneck, um dos pioneiros ambientalistas de Minas Gerais que, em 1974,
barrou a estrada que cortava o Parque do Rio Doce.


Em pleno regime militar, a degradação ambiental começava a gerar um tipo de protesto ao qual o governo federal não estava habituado. Seu surgimento foi fruto de uma contradição que permeou toda a década de 70: a de que o crescimento a qualquer custo era incompatível com a preservação ambiental. Na prática, o Brasil desenvolvimentista trazia dentro de si o embrião de um movimento social que, paradoxalmente, se formou no período mais duro do regime militar.


As novelas davam o tom
Os ambientalistas eram algo que os militares não sabiam definir muito bem do ponto de vista ideológico. No início dos anos 70, não se podia criticar abertamente o regime. Mas o conflito entre os interesses econômicos e a preservação do meio ambiente já estava presente nas novelas da Rede Globo. “O Espigão”, de Dias Gomes, mostrou a resistência de uma família à pressão exercida por um empresário do ramo imobiliário que pretendia comprar sua casa para, no local, construir um prédio. Em “Fogo Sobre Terra”, de Janete Clair, o conflito era entre sitiantes de uma fictícia cidade do interior do Brasil e uma empreiteira, que pretendia desalojá-los para construir uma usina hidrelétrica.
Hugo Werneck
Foi nesse cenário que surgiu, em 1974, o Centro para a Conservação da Natureza em Minas Gerais, cuja primeira batalha foi contra a construção de uma estrada que cortaria o Parque Estadual do Rio Doce. O odontólogo Hugo Werneck, um dos pioneiros da luta ambiental em Minas, revela que, em sua luta para barrar a estrada, teve que recorrer à Justiça, que deu ganho de causa ao Centro. “Senti um frio na nuca”, diz ele, ao relatar o sentimento que teve ao tomar conhecimento da decisão do juiz favorável à entidade da qual fazia parte.
O Centro para a Conservação da Natureza foi a principal entidade ambientalista de Minas durante toda a década de 70 e boa parte dos anos 80, quando seu poder de pressão como entidade de denúncia foi, em boa parte, substituído por outra ONG, a Associação Mineira de Defesa do Ambiente – Amda.


Maria Dalce Ricas
Surgida, em agosto de 1978, a partir da mobilização de um grupo de universitários ligados à Faculdade de Ciências Econômicas (Face) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Amda foi responsável pela introdução do caráter político na luta ambiental em Minas, como explica Maria Dalce Ricas, superintendente-executiva da entidade, que se notabilizou, nos anos 80 e 90, pelo combate direto às grandes fontes de degradação ambiental no estado, fossem elas públicas ou privadas.
Seu principal instrumento de denúncia é a Lista Suja, divulgada anualmente, sempre no início de junho, por ocasião da Semana Mundial do Meio Ambiente, com a relação dos maiores degradadores ambientais do estado. Muitas das empresas que nela figuraram afirmaram que mudaram de postura depois que seu nome passou a figurar na Lista Suja.


Biodiversitas
Ao longo dos últimos 30 anos, o movimento ambientalista mineiro se ampliou. Outras entidades surgiram no rastro da Amda e do Centro para a Conservação da Natureza. A Fundação Biodiversitas é uma delas. Nascida, em 1989, praticamente a partir dos mesmos quadros do Centro, a Biodiversitas é uma respeitada entidade de caráter científico.
É responsável, entre outros trabalhos, pela Lista Oficial das Espécies da Fauna Brasileira ameaçadas de extinção, pelo Atlas da Biodiversidade de Minas Gerais e pela coordenação do processo de revisão da Lista da Flora Brasileira Ameaçada de Extinção.


Projeto Manuelzão
O crescimento da preocupação com os recursos hídricos fez surgir o Projeto Manuelzão, entidade cujo objetivo é o desenvolvimento, em parceria com a comunidade, de projetos de recuperação da bacia do Rio das Velhas, curso dágua que corta toda a região Central de Minas. O rio recebe os esgotos domésticos da Região Metropolitana de Belo Horizonte e os rejeitos da mineração e da indústria. O nome Manuelzão foi dado em homenagem ao lendário vaqueiro, personagem do escritor Guimarães Rosa que passou os 93 anos de sua vida vivendo a maior parte no sertão mineiro.


Anônimos
O interior do estado abriga também dezenas de outras ONGs. Embora dedicando-se a à defesa de questões localizadas, na soma, foram, e continuam sendo, de grande importância para a preservação ambiental em Minas. Da mesma forma que o foram os moradores do entorno da fábrica de cimentos Itaú, que, anonimamente, entraram para a história ambiental de Minas.